21 dezembro 2006

EM DEFESA DO ESTADO

Diante do discurso e prática generalizada de redução/desmonte do aparelho de Estado, falar sobre o serviço público requer, necessariamente, reelaborar os conceitos básicos do Estado.

A compreensão da coletividade, no passado, em torno da necessidade da criação/manutenção do Estado ultrapassou aquelas necessidades primárias de segurança e ordem social, e alcançou, nas últimas décadas, um caráter civilizatório das relações e expectativas sociais. Imprescindível e atual.

Nossa compreensão e o entendimento acerca da precariedade das atuais estruturas e da importância de determinadas reformas, não inibe, entretanto, nossas discordâncias em relação a deliberada e grosseira confusão que opera o desmonte do estado e rotula os servidores, em geral, como os responsáveis pela falência do aparelho.

O “modus operandi” de condução, realização e finalização das reformas inadiáveis do estado brasileiro exige mais democracia, mais transparência, e, principalmente, uma compreensão mais clara, mais abrangente, do modelo de estado mínimo que necessitamos, atual e moderno, sem dúvida, mas, sobretudo, comprometido com um conjunto de mudanças sociais que integrem todos os brasileiros, social e economicamente.

Inaceitável e intolerável, pois, a dilapidação do patrimônio público e a desmoralização dos servidores, em ilusão e confissão ingênua dos seus autores de que a “mão invisível do mercado” possa resolver as graves disparidades da nação.

Resta positivo, entretanto, que deste conflito de interesses, emergirá, com certeza, um novo conceito de servidor público e um novo conceito de cidadão, este ora redenominado “melhor cliente do Estado”. Atendimento de demandas, qualidade, rapidez e eficácia, passarão a ser critérios de aferição da qualidade dos serviços públicos.

O modelo de gerenciamento da coisa pública passa, necessariamente, de autoritário para participativo, essencialmente democrático. A improvisação se torna proibitiva, prevalecendo o planejamento, a organização e a estratégia de ação. O grande desafio do Estado moderno será o gerenciamento de todos os seus recursos materiais e financeiros, mas, principalmente, dos seus recursos humanos.

As diferenças de qualidade e eficiência dos serviços públicos - entre os diversos níveis de organizações de Estado - serão determinadas pela qualidade desta relação de poder, e de exercício de poder, entre a população, os agentes políticos e os servidores públicos.

Ao defendermos o Estado, não podemos deixar de observar as graves transformações que o mundo vivencia, e ao patrocinarmos esta defesa, reconhecer as imensas responsabilidades que nos alcançam, muito além das corporações e dos interesses pessoais.

O povo escravizado

“Resulta que encontra-se escravizada a sociedade por uma ditadura parlamentar, em todos os níveis da organização do Estado brasileiro”.

A política e sua (des/dis)função é um assunto chato e recorrente. Mas inevitável. A contínua incapacidade do setor público de realizar melhorias expressivas na oferta de bens e serviços públicos, notadamente nas áreas de saúde, educação e segurança, associada à crescente concentração e elevação tributária, têm aumentado o nível de repúdio, queixas e pressões da sociedade relativamente ao Parlamento. Objetivamente, trata-se da constatação de que a sociedade está desamparada e abandonada à própria sorte e às eventuais soluções tópicas e passageiras, quando não oportunistas.

O comportamento e a omissão dos políticos - parlamentares e executivos, depósitários formais e legais da esperança popular, já extrapolou o limite da tolerância. O mais irritante é que fazem um jogo de cena. São favoráveis a investimentos nas áreas de saúde, educação e segurança, bem como à redução da carga tributária. Entretanto, é um discurso para “manutenção de imagem pessoal”, tipo “todos defendem, logo preciso defender também”, haja vista que não há repercussões e soluções objetivas, nem comprometimentos sérios com estas transformações.

Esta não solução e inércia está relacionada ao permanente empenho de parlamentares em “ficar de bem com o Governo” visando a obtenção e liberação de favores e verbas oficiais, ou evitar a hostilização política. Não lhes é “conveniente e oportuno” causar constrangimentos ao governo.

Importa relacionar também como elemento que contribui para o estado de inércia parlamentar o fato de que estes assuntos e temas não têm apelo eleitoral – embora devessem ter!, determinando a hegemonia retórica, política e eleitoral de assuntos pontuais e de demanda localizada.

Enquanto isto, sucedem-se os abusos no setor público. Gastos incontroláveis, estagiários e serviços terceirizados às centenas, propaganda e publicidade de monopólios estatais e atividades-meio, auto-promoção e remuneração abusiva, ressarcimentos de despesas que ofendem a inteligência popular, a exemplo do pagamento de 96 diárias anuais e R$1,00 por km rodado, de nossa Assembléia Legislativa do Estado.

Nestes termos, combinada a natureza da omissão e as razões de conveniência pessoal dos parlamentares, resulta que encontra-se escravizada a sociedade por uma ditadura parlamentar, em todos os níveis da organização do Estado brasileiro, seja no âmbito dos Municípios, dos Estados e da União.

Qualquer expectativa de mudanças sérias e estruturais do Estado Brasileiro, em todos os níveis, somente será possível com a participação ativa da sociedade civil. Aliás, um bom começo seria a fixação de faixas salariais para vereadores e deputados estaduais, a extinção do Senado Federal e a redução expressiva do número de Deputados da Câmara Federal e Assembléias Legislativas. E a revisão dos direitos adquiridos, principalmente àqueles relacionados às aposentadorias e pensões.

Afinal, os moradores do Condomínio Brasil podem e devem adequar suas expectativas condominiais à sua realidade e capacidade contributiva, o que pode significar o adiamento/eliminação de obras não essenciais, o corte de serviços terceirizados, a demissão/substituição do zelador e demais funcionários, a redução dos benefícios do síndico, a opção por soluções gerais mais econômicas, etc e tal. Ou não podem?

14 dezembro 2006

Bolsa-Oposição - II

O Governo Lula consolida a participação do PMDB(e quem mais vier) na sua base de apoio, ofertando-lhe maiores e inúmeras vantagens materiais na estrutura administrativa do poder de Estado. Negócio bom para as partes. O PMDB obtém mais poder e disponibilidade orçamentária(e de nomeações), enquanto que o PT amplia sua base de apoio no Congresso, na expectativa de aprovar seus projetos.

Prejudicados apenas os representados, isto é, os eleitores de ambas as partes. Em primeiro lugar, porque há um descumprimento e desrespeito dos papéis institucionais reservados aos mencionados partidos; isto é, um de governar, e o outro de fazer oposição e fiscalizar. Em segundo lugar, fica aquela sensação incômoda de quebra de confiança e delegação, confirmando a máxima popular de permanente desconfiança.

Bem, este é um lado da “coisa”. De outro lado, argumentaria um hipotético defensor governamental que trata-se apenas de consolidar uma maioria congressual, capaz e suficiente para promover um conjunto de reformas inadiáveis e importantes para a nação.

Mas qual é o conjunto de reformas inadiáveis e importantes para a nação? Qual é a natureza das reformas e quem são seus possíveis “perdedores”(pagadores) ou “vencedores”(beneficiários)? Há reformas consensuais num país com tantas disparidades, com tantos “feudos”? Quais são as rupturas necessárias para a viabilização de um país mais justo?

No meu entendimento, este é o debate que deveria anteceder a formação das alianças. A definição do conjunto das reformas e o balanço de perdas e ganhos sociais, possibilitando uma visão de conjunto, suficiente para a compreensão e avaliação do povo, e, sobretudo, a responsabilização partidária.

Por enquanto, a depor contra a iniciativa das partes, é nosso histórico político-partidário. Sabem todos que a prática política tem os olhos (e a conduta) voltados para o futuro, isto é, o político não é o que tem sido, nem é o que foi ontem, mas é o que pode vir a ser. Importa-lhe a sobrevivência, custe o que custar

Réquiem para Fidel

“O que sempre fez do Estado um verdadeiro inferno na terra

foram precisamente as tentativas para transformá-lo num paraíso.”

Friedrich Hoelderlin

Uma das passagens mais comovedoras da história mundial recente, foi, sem dúvida, a derrubada da ditadura cubana de Fulgêncio Batista, perpetrada por um grupo de jovens idealistas, liderados por Fidel Castro (1959).

Fraudadas as expectativas de justiça e igualdade pelos tiranos europeus, o sonho do socialismo renovava-se na pequena ilha, até então lugar de veraneio e exploração comercial norte-americana.

Rapidamente, Fidel e Guevara, companheiros de primeira hora, transformaram-se em ícones mundiais da juventude e das elites intelectuais, ainda traumatizadas pelos efeitos das guerras recentes, a frustração soviética, e desejantes de um período de paz e justiça social.

Correu o tempo, mais de 40 anos, o mundo experimentou diversas mudanças, sociais, políticas, econômicas e culturais, principalmente. Entre estas mudanças, as mais significativas foram a desconstituição da União Soviética e a queda do Muro de Berlim, sepultando, definitivamente, a idéia do partido único e o dirigismo estatal; ou, em outras palavras, o fim do comunismo.

Mas o tempo parara em Cuba. Apesar das inúmeras desculpas oficiais, tipo embargo econômico, “a morte do padrinho soviético”, o perigo norte-americano, perpetrou-se uma ditadura personalista e reacionária, a exemplo dos decadentes e decaídos modelos europeus, embora mantido o discurso juvenil e a pretensão socializante.

Descontado o regime e o estilo jurássico, ainda assim persistia, e persiste, em alguns meios políticos e intelectuais uma tolerância com Fidel, por conta de propalados indicadores de educação e saúde do país. No entanto, a realidade é que faz muito tempo, mais de 20 anos, que as ilusões perderam-se em meio às atrocidades e abusos cometidos em nome do regime político.

Não faz muito tempo, haja vista a notícia do fuzilamento de três dissidentes/fugitivos do regime, Cuba e Fidel voltaram às manchetes, perdendo seus últimos simpatizantes. E, recentemente, a pá de cal. Diante da notícia da grave enfermidade de Fidel, noticiou-se a transferência do poder ao seu irmão Raul Castro, seu sucessor natural. Quer dizer, monárquico, dinástico. Pobre povo cubano. Materialmente falta-lhe tudo, mas falta-lhe, ultimamente, a indignação e a rebeldia.

Mas ainda assim, com a prenunciada morte de Fidel, não lhe faltarão as homenagens póstumas prestadas pelos seus súditos, que insistem em permanecer algemados ao passado, tiranizados por uma ilusão discursiva e uma prática cínica e cruel. Paz, liberdade e prosperidade, ideais humanos e universais, sempre patrocinaram e gestaram tiranos.

Como bem ensina o poeta alemão Friedrich Hoelderlin(1770-1843), escolado nas experiências de antanho: “o que sempre fez do Estado um verdadeiro inferno na terra foram precisamente as tentativas de transformá-lo num paraíso”.

30 novembro 2006

Bolsa-Oposição

O Presidente Lula continua inovando. O auto-declarado maior governo da história do Brasil, que aperfeiçoou e legitimou a esmola pública, auto-denominado maior programa mundial de distribuição de renda (o que é a falta de vergonha e auto-crítica!), agora cria o Bolsa-Oposição, projeto de cooptação dos partidos de oposição (que oposição? faz-me rir!), sob a retórica de um governo de coalizão política.
O ineditismo lulista é que não há um mísero projeto nacional que justifique tal iniciativa. Ademais, é público e notório que trata-se de distribuição grosseira de ministérios e cargos públicos com o único fim de neutralizar as críticas ao marasmo governamental e anular quaisquer tentativas de continuidade nos esclarecimentos dos escândalos e na malservação do dinheiro público. E no esclarecimento dos escândalos que ainda estão na fila(ongs, fundos de pensão, a empresa do lulinha, etc).
Por mais que os amigos do rei argumentem em contrário (mais pelo fato de serem amigos do rei do que pelos fatos), a economia real não aponta para o crescimento ou possibilidade de crescimento. Para a criação de novos postos de trabalho e, muito menos, para o aumento da massa salarial.
De outra parte, enquanto que os trabalhadores aceitam qualquer coisa para não sofrerem a marginalização e/ou desemprego, o sistema financeiro privado e estatal produz lucros ininterruptos e abundantes, mas, sobretudo, concentrando a riqueza e o poder nas mãos de pouquíssimas pessoas e empresas, notadamente rentistas.
Afinal, a política ortodoxa e conservadora do Banco Central garante o retorno das aplicações nos papéis da dívida pública do governo. Retorno garantido e bem superior a qualquer investimento produtivo. É o que denominam de "governabilidade"!
Enquanto atende a banca internacional e nacional, submetendo toda a nação ao assalto sistemático e renunciando às políticas públicas (sérias e honestas!) de distribuição de renda, o rei prega em campos alheios, qual mendigo, uma "globalização econômica solidária". Melhor seria começar pela própria casa!
Sumiram todos os “revolucionários” de ontem. Queimaram seus discursos. Sepultaram a coerência. Cooptados, agora tratam de cooptar a própria democracia. Ou melhor, o que resta dela.




A socialização da ignorância e da miséria

A verdade, porém, tem apenas um vestido de cada vez e
só um caminho, e está sempre em desvantagem" Robert Musil em "O Homem sem Qualidades"

A razão de existir de um sistema político está diretamente relacionada com sua função de criar e melhorar a vida dos cidadãos. Pela mesma razão, há eleições livres, diretas e periódicas, com o voto do povo, de modo a verificar e julgar se realmente ocorre a melhoria da vida das pessoas.
Para que este sistema funcione bem é necessário que o cidadão saiba o que o governo tem feito para cumprir suas obrigações. Do mesmo modo, o eleitor/cidadão precisa saber o que o governo e a oposição defendem e objetivam. E muito mais: precisa conseguir analisar essas informações para poder julgar qual sua adequação, viabilização, consequência social e oneração financeira.
Mas há um problema grave para a realização deste ideal: a maioria da população brasileira não tem capacidade para entender e analisar estas informações. Isto quando as informações chegam até o cidadão. Normalmente, não chegam.
Consequentemente, os detentores do poder (de ocasião), aqui nominados governantes, tendem a corromper o sistema idealizado. Na recente eleição, por exemplo, a esmola (o governamental programa Bolsa Família) distribuída ao povo cumpriu um papel eleitoral fundamental pró-governo. A tal ponto que os escândalos e crimes contra a economia, o dinheiro público e a normalidade institucional não repercutirem, objetiva e eleitoralmente, no processo eleitoral.
Aliás, quem questionasse esses métodos – distribuição da esmola - era rotulado como elitista e inimigo do povo. Quem questionasse a eficácia da gestão pública era rotulado como pró-privatizações e entreguista. Ainda que o respectivo questionamento não fosse de ambição eleitoral, mas, sim, de teor técnico, econômico, sócio-educativo, jornalístico, ético, moral, entre outras abordagens possíveis.
Ultimamente, com as pesquisas indicando a vitória governamental, como de fato ocorreu, aqueles que queriam, querem e exigem o respeito às leis e às instituições – relativamente ao esclarecimentos dos sucessivos escândalos - eram e são nominados de golpistas, ansiosos pelo “terceiro turno”.
Com a (in)consciência política dos pobres sendo comprada em troca de moedas e a corrupção financiando a perpetuação no poder, caminhamos a passos largos e rápidos à absoluta mediocrização do debate político e da ação governamental responsável. Aliás, como consequência, não há mais nem oposição ideológica e institucional. O princípio da cooptação venceu.
Diante da legitimação do (mau)exemplo e do respectivo sucesso eleitoral, prevejo que será disseminado em todo território nacional a esmola como política pública. E sem os riscos de imputação de ação ilegal/imoral/cooptativa ou de exercício da demagogia. Para alegria dos governantes. Só não se reelege quem não quer. Bem, e quanto à ética e a moral, como valores públicos, já haviam ido ao brejo antes!
Em síntese, trata-se da desqualificação absoluta da política e da administração pública. Mas há quem goste da socialização da ignorância e da miséria!

16 novembro 2006

Lapsos de Memória

“Estes discursos têm em comum
a intenção de despolitização.”

Definitivamente, o poder (e a perspectiva de prorrogar o exercício do poder) transforma as pessoas, independentemente do seu grau de inteligência, erudição e consciência política.
Infelizmente, transforma para pior. Costumam esquecer o que prometeram. Sacrificar a coerência. Ignorar as lições da história. E, mais grave, subestimar a inteligência e a memória do cidadão.
Encerradas as eleições, mas sobrevivos os escândalos e esgotadas as desculpas (de colete), membros do governo e o próprio presidente Lula falam em desestabilização e “terceiro turno”, diante dos prováveis e continuados atos de oposição político-partidária.
Esquecem tudo o quanto a oposição sofrera no período militar e em sucessivas campanhas eleitorais – ou mesmo na falta de eleições. Naquelas ocasiões, militares e seus amigos civis argumentavam exatamente sob a mesma ótica, isto é, que as eleições – ou a vitória da oposição - iriam atrapalhar a paz nacional, a abertura política, a atração de investimentos financeiros, perturbar a estabilidade econômica, etc...
Estes discursos têm em comum a intenção de despolitização. Dão a entender que o melhor mesmo é não haver debates e contestações. E que tudo isto é para o bem do povo e a felicidade geral da nação.
É evidente que o processo democrático, em seu ápice, pode trazer perturbações de ordem social ou imprevistos de natureza econômico-financeira, haja vista a hegemonia da economia de mercado. Mas seu mérito incontestável está na regularidade do processo, na sua previsibilidade institucional, independentemente de quem seja o eventual detentor do poder.
Em qualquer momento, é legítimo às oposições desfraldarem as bandeiras que quiserem, sejam de contestação ou não ao poder instalado, sejam de desafio ou não à normalidade das coisas, submetendo-se, é lógico, à avaliação e julgamento popular.
Quem sempre fez o discurso da hierarquia dos princípios(sic) e a defesa do processo, não deve deixar-se levar por esta demagogia. Fosse o discurso de um general ou de um ditador de plantão, ou alguém à semelhança e arrogância de Collor (lembram o que dizia em 1989 do perigo Lula?), seria natural e previsível.

07 novembro 2006

Privatizações e a demagogia eleitoral

Nos últimos dias, no horário político-eleitoral, tanto na disputa presidencial quanto estadual, intensificaram-se as abordagens em torno das (voc)ações privatizantes e estatizantes dos candidatos e partidos em disputa.
Tanto Lula quanto Olívio atribuíram aos adversários, intensa e insistentemente, a vontade de levar adiante as privatizações. De imediato, no mesmo tom e repetição, tanto Alckmin quanto Yeda negaram tal hipótese,.
Lamentavelmente, a exploração eleitoreira deste tema e o nível de comprometimento das lideranças e dos partidos, em torno da manutenção das empresas públicas, é um sério e grave desserviço à nação.
A rigor, o debate deveria propiciar uma análise política, econômica e financeira séria e transparente sobre os custos da nação na manutenção destas empresas e seus níveis objetivos de contribuição ao desenvolvimento.
Em minha opinião, estamos atrasados no processo de privatização. Pagamos um preço imenso para manter estes feudos de privilégios, competitividade, produtos, preços e serviços discutíveis. Isto sem falar na notória e desavergonhada utilização e exploração político-partidária.
Várias empresas públicas atuam em setores em que a iniciativa privada faz mais e melhor e a custos menores. Empresas que hoje se pautuam pela eficiência e modernidade. Regra geral, as privatizações têm gerado resultados positivos para a sociedade e o governo. Seja na arrecadação de mais impostos, seja nos resultados para seus acionistas, seja na competitividade comercial no ambiente nacional e global.
Objetivamente, as privatizações ajudam a diminuir o tamanho do estado, reduzir o ônus contributivo do cidadão, mas, principalmente, liberam o setor público para realizar suas ações principais e necessárias, notadamente nas áreas de educação, saúde, segurança e infra-estrutura, as mais reclamadas pela sociedade.
A sempre lembrada preservação de interesses estratégicos não depende de exploração estatal. São interesses que podem e devem ser operados em termos de mercado privado e competitivo, nacional e mundial.
Este assunto estatização versus privatização não deveria mais nem constar da pauta. É uma pauta dos anos 50. Superada pela decadência dos modelos, pela aceleração do sistema mundial de trocas, pela globalização econômica e financeira, enfim, pela competitividade e abertura comercial mundial.
É lastimável que em pleno processo eleitoral presidencial e estadual estas idéias ultrapassadas e retrógradas antiprivatizantes adquiram força de voto.
Não bastasse nosso atraso no concerto mundial das principais nações do mundo, perdendo, sucessivamente, as grandes ondas de desenvolvimento, conclui-se que, a continuarmos neste impasse/passo e nestes níveis de idéias e debates, nossas dificuldades não diminuirão. Ao contrário, aumentarão.
Que rei sou eu?

Novamente, o Presidente Lula não sabia de nada. Neste ultimo escândalo, tão grave quanto os demais, os diretamente envolvidos são amigos pessoais do Presidente. Amigos de mais de 30 anos.
Ao dizer que não sabia de nada, de novo!!!, claro que o Presidente está nos tirando para bobos. Brincadeiras à parte, Presidente Lula, não quer que a gente acredite nisto, certo?
O mais incrível nesta cara-dura presidencial, é a sucessão de fatos relacionados à sua gente e seus amigos. Seu filho enriqueceu, seu irmão é lobista, seus ministros mais próximos dispensados e/ou arrolados como réus pelo Ministério Público. Mas o Presidente continua dizendo não saber de nada!
Agora, neste último episódio, além da Polícia Federal e do Ministério Público, também Lula quer saber de onde veio o dinheiro. Mas isto não é problema. É simples. Basta chamar seus companheiros de churrasco/ futebol e perguntar. Nem precisa mandar a Polícia Federal investigar. Pouparia tempo e dinheiro público. Afinal, são todos do PT. Basta convocar os companheiros e fazer as perguntas.
Poderia começar com o Presidente do Partido, Ricardo Berzoini. Depois o Freud Godoy, seu amigo de mais de 20 anos. Depois o Jorge Lorenzetti, grande amigo e churrasqueiro da família. Depois o Osvaldo Bargas, o marido da secretária particular do Presidente. Depois o diretor do Banco do Brasil Expedito Veloso(Coitado do Banco do Brasil Não merece. Antes já fora aquele diretor de marketing).
Também pode chamar o Ministro da Justiça, Thomaz Bastos, e perguntar porque trocou os delegados da Policia Federal encarregados do caso e porque não deixou fotografar os R$1.700.000,00(hum milhão e setecentos mil reais) sobre a mesa.
Depois de um sincero bate-papo, afinal, repito, são todos amigos e companheiros, não haveria mais dúvidas. Faria-se justiça. O Presidente, finalmente, saberia de tudo. E todos dormiriam em paz. Alguns menos, óbvio!
Possivelmente, alguns chinelões dormiriam na cadeia. Outros, com certeza, mais espertos, em Miami ou alguma ilha do Caribe. E outros, no Congresso Nacional, “blindados” com suas prerrogativas e imunidade parlamentar.
Porque Rigotto perdeu

Necessário dizer, de antemão, que, invariavelmente, depois que os votos foram contados surgem e cabem todas as explicações possíveis para demonstrar e comprovar determinados resultados, eventualmente surpreendentes.
Especificamente, a surpresa(será que foi surpresa?) eleitoral foi a não passagem do Governador Germano Rigotto para o segundo turno das eleições para governador, apesar de todas as pesquisas que indicavam exatamente o contrário, isto é, que seria o primeiro dos dois habilitados.
Então, o que teria acontecido? Surgem hipóteses criativas, a exemplo daquela que cogita que eleitores de Rigotto teriam optado por Yeda para afastar Olívio, de modo a viabilizar um confronto entre Rigotto e Yeda, e o conseqüente apoio dos petistas à Rigotto. Não acredito.
Particularmente, eu prefiro acreditar que Rigotto foi castigado por sua omissão na opção presidencial. Rigotto preferiu ficar em cima do muro entre Lula e Alckmin, possivelmente convencido de que seria o governador reeleito e precisaria do eventual Presidente da República para encaminhar soluções para a grave crise gaúcha. A gauchada não costuma apoiar o “murismo”!
Rigotto não percebeu que esta eleição transfomara-se num debate ético, a rigor, um julgamento dos escândalos de Brasília. Mesmo não optando por ou outro presidenciável, o mais grave foi silenciar sobre os escândalos.
Rigotto ignorou o crescimento de Alckmin. Yeda não ignorou e atrelou sua imagem à de Alckmin. A associação entre as candidaturas de governador e presidente pode ser a explicação para a ascensão de Yeda. Nas últimas semanas de horário eleitoral gratuito, Yeda associou fortemente sua imagem a de Alckmin, ambos em crescimento, pequeno, suave, mas em crescimento constante nas pesquisas.
Claro que estes votos de Yeda não saíram só de Rigotto. Saíram, também, e muito, de Turra e Collares, ambos com desempenho muito aquém de seus currículos e partidos.
Finalmente, devemos admitir que, gostando ou não de Yeda, ela representa o novo nesta eleição. Sim, porque Collares, Olívio e Rigotto, ex-governadores, já tiveram sua oportunidade. E o partido de Turra já teve vários governadores. Além disto, Yeda distinguiu-se por um discurso mais objetivo que os demais. Mais consistente e menos adjetivado.
Ah, e nem falei na questão feminina. Nunca tivemos uma governadora!
Mofo Político

(...)enfim, governantes incapazes de empolgar o povo e renovar as esperanças. Em verdade, estão aquém das necessidades da nação.

A política sempre provoca a repetição e a renovação de algumas idealizações que não resistem a um exame e confrontação com a realidade. Por exemplo, confunde-se, regra geral, a democracia com o direito de votar, com a liberdade de ir e vir, com o direito de opinião. Embora fundamentais, tais direitos não são maiores, nem mais importantes, que o direito à saúde, educação, habitação, trabalho e segurança.
O Estado brasileiro, sob controle político e econômico de grupos não comprometidos com o destino do povo, opera arbitrariamente e com violência. Consequentemente, os marginalizados, pobres principalmente, resolvem seus conflitos do cotidiano fora do espaço público, sem direito e proteção do Estado. A violência, sistemática e crescente, fora dos limites e controles da lei, rege a tudo e a todos.
A pré-condição para a superação destas diferenças, notadamente as econômicas e sociais, é a democratização do Estado, a socialização da coisa pública, a popularização da justiça, de modo a reconhecer e concretizar em cada pessoa um cidadão.
Mas a realidade é outra: há falta de entusiasmo, falta de convicções, apatia política, enfim, governantes incapazes de empolgar o povo e renovar as esperanças. Em verdade, estão aquém das necessidades da nação.
Concorre para a desconfiança e apatia popular o fato de que o Estado já não responde pela sociedade como um todo. Mas o esvaziamento do Estado não significa que suas atribuições tenham-se esgotado, ou que suas responsabilidades sejam menores. Significa, objetivamente, a necessidade de uma reconceituação de competências, assentadas sobre novos modelos de gestão, eficácia e qualidade. Nada a ver com este Estado gigante, ineficiente, expropriador, corrupto e corruptor.
Creio que este é um ponto que os políticos ainda não entenderam. Daí este cheiro de mofo.



Lapsos de Memória

“Estes discursos têm em comum
a intenção de despolitização.”

Definitivamente, o poder (e a perspectiva de prorrogar o exercício do poder) transforma as pessoas, independentemente do seu grau de inteligência, erudição e consciência política.
Infelizmente, transforma para pior. Costumam esquecer o que prometeram. Sacrificar a coerência. Ignorar as lições da história. E, mais grave, subestimar a inteligência e a memória do cidadão.
Encerradas as eleições, mas sobrevivos os escândalos e esgotadas as desculpas (de colete), membros do governo e o próprio presidente Lula falam em desestabilização e “terceiro turno”, diante dos prováveis e continuados atos de oposição político-partidária.
Esquecem tudo o quanto a oposição sofrera no período militar e em sucessivas campanhas eleitorais – ou mesmo na falta de eleições. Naquelas ocasiões, militares e seus amigos civis argumentavam exatamente sob a mesma ótica, isto é, que as eleições – ou a vitória da oposição - iriam atrapalhar a paz nacional, a abertura política, a atração de investimentos financeiros, perturbar a estabilidade econômica, etc...
Estes discursos têm em comum a intenção de despolitização. Dão a entender que o melhor mesmo é não haver debates e contestações. E que tudo isto é para o bem do povo e a felicidade geral da nação.
É evidente que o processo democrático, em seu ápice, pode trazer perturbações de ordem social ou imprevistos de natureza econômico-financeira, haja vista a hegemonia da economia de mercado. Mas seu mérito incontestável está na regularidade do processo, na sua previsibilidade institucional, independentemente de quem seja o eventual detentor do poder.
Em qualquer momento, é legítimo às oposições desfraldarem as bandeiras que quiserem, sejam de contestação ou não ao poder instalado, sejam de desafio ou não à normalidade das coisas, submetendo-se, é lógico, à avaliação e julgamento popular.
Quem sempre fez o discurso da hierarquia dos princípios(sic) e a defesa do processo, não deve deixar-se levar por esta demagogia. Fosse o discurso de um general ou de um ditador de plantão, ou alguém à semelhança e arrogância de Collor (lembram o que dizia em 1989 do perigo Lula?), seria natural e previsível.
Estado e Sociedade

“O Estado existe e é organizado unicamente para servir a sociedade. Não o contrário!”

O presente processo eleitoral caracterizou-se ausência de um debate ideológico acerca da função atual do estado. Foram omitidas questões importantes da esfera da administração pública, notadamente relacionadas ao orçamento, sobretudo quanto à sua gestão e financiamento.
Uma característica comum aos candidatos, em geral, foi o desconhecimento/pouco caso sobre a natureza das receitas, seu custo social, a qualidade dos gastos públicos, o volume do desperdício, a composição e os custos do quadro de pessoal.
Se é verdade que temos que conviver com estas limitações pessoais e partidárias, verdade também é que não precisamos necessariamente nos conformar com esta desqualificação.
Para a viabilização/reconhecimento do Estado, são imprescindíveis as respostas para algumas perguntas, tipo: a sonegação fiscal é um ato de apropriação indébita ou um ato de defesa e sobrevivência comercial? Ou, ainda, um ato de defesa contra a expropriação de capital próprio pelo Estado? Não pedir nota fiscal, ou concordar com a extração de nota fiscal de menor valor, significa um ato ilegal ou uma prática de consenso social que rejeita os inúmeros e altos impostos?
Consequentemente, só há discursos sobre aumento de receita. E dos custos de manutenção e administração do aparelho de estado? Como pedir uma contrapartida da sociedade sem um amplo programa de enxugamento de custos? Refiro-me ao imediato fechamento de inúmeros órgãos, departamentos, setores estatais superados na atual e global estrutura social e econômica. O imediato desfazimento de milhares de imóveis que transformaram o estado em gigantesca incorporadora imobiliária. A imediata revisão e/ou rescisão de milhares de contratos de alugueis. Há dezenas e dezenas de áreas caóticas e superadas.
Ainda outro aspecto. E a questão das competências pessoais, das qualificações técnicas e de gestão, sempre ignoradas em favor da “feudalização partidária dos orgãos de estado”?
Válidas estas perguntas, renova-se uma questão: se não há uma contrapartida de bens e serviços públicos eficientes por que pagar os impostos?
Com o dinheiro público tomando rumos diversos ao interesses essenciais da população, para além da roubalheira – sim, isto aí que estamos vendo não é simples corrupção. O nome disto é roubalheira! - não é a toa que os brasileiros resolvam seus conflitos do cotidiano fora do espaço público. Também não é acaso que, paralela e conseqüentemente, a violência, sistemática e crescente, fora dos limites e controles da lei, rege a tudo e a todos.
Para convencer a opinião pública sobre a viabilidade e propósitos do estado, sobre suas novas(sic) atitudes, de modo a estabelecer uma relação de confiança com o cidadão, impõe-se uma honesta demonstração, principiando por não esquecer que o estado existe e é organizado unicamente para servir a sociedade. Não o contrário!
Assalto aos Depósitos Judiciais

“Acabou.
O último que sair apaga a luz!”

Por conta das dificuldades financeiras do Estado e a (re)novada incompetência administrativa dos governantes (que não têm coragem e ousadia para fechar Secretarias de Estado inúteis e estrategicamente defasadas, bem como extinguir cargos igualmente inúteis), a Assembléia Legislativa do Estado, em 29 de agosto, emendou a lei que autorizara o Poder Executivo a utilizar, emergencialmente(?), 70% dos recursos dos depósitos judiciais. Agora, poderá alocar 85% (cerca de R$728 milhões).
Os depósitos judiciais são valores recolhidos à conta da Justiça Estadual por uma das partes de um processo, enquanto se aguarda o debate e julgamento da causa (quem é o devedor, quem é o credor, qual o valor exato da demanda, etc...), ao final da qual o vencedor faz jus àquele depósito, no todo ou em parte.
Simplificando, trata-se de dinheiro que não é do Estado (nem do Poder Executivo, nem do Judiciário, nem do Legislativo), e talvez nunca venha a ser do Estado. Mas o Estado já se apropria(va) de parte da rentabilidade destes depósitos.
A um absurdo, a uma apropriação indébita menor, surge, agora, um absurdo maior, uma lei grotesca, com o unânime beneplácito parlamentar. O desfecho é previsível: no momento oportuno, o da reposição destes recursos ao fundo original, não haverá disponibilidade financeira.
Conseqüentemente, como de praxe, os credores ficarão a percorrer os (des)caminhos oficiais para buscar o que é seu. Desde sempre, é assim com os precatórios, as indenizações do DAER, com os descontos previdenciários indevidos, com as correções abaixo da lei, etc...etc...E o nome dos criadores do monstro, dos legisladores de soluções mágicas, será esquecido!
Sucedem-se, assim, os saques diários de uma estrutura pública (Estado e União) decadente, ensimesmada e socialmente injusta e inoperante. Cada vez mais criativos e variados, os alquimistas e gênios do assalto e suas gangues de apoio legal/legislativo aplicam suas mais recentes fórmulas de apropriação do alheio.
Acabou. O último que sair apaga a luz e fecha a porta!
Aerolula e o caixeiro-viajante


“(...) a internacionalização da economia, a necessidade de “fazer caixa”, (...) e, principalmente, o desemprego, determinaram que a agenda presidencial seja, essencialmente, comercial e internacional.”

No debate entre os candidatos a Presidente, surgiu novamente o assunto do super-avião, o comicamente denominado “aerolula”, adquirido às custas de milhões e milhões de dinheiro público.
É claro que Lula poderia ter encomendado um avião menor e mais barato à Embraer, a exemplo deste agora mais conhecido Legacy. Mas, enfim, são tantos amigos na fila de passageiros e a generosidade estatal deveras sensível, que umas poltronas a mais vêm bem!
Acerca de FHC se fazia muitas piadas, haja vista que permanecia mais em território estrangeiro que nacional. Aliás, o próprio Lula várias vezes utilizou-se, política e eleitoralmente, destes argumentos para criticar o então presidente. Mas, ultimamente, tem feito igual. Nada como o tempo, dizem os meteorologistas e os relojoeiros.
Provocações e piadas à parte, a verdade é que desde o fim do comunismo, simbolizado pela queda do Muro de Berlin e a definitiva ascensão das teorias do Consenso de Washington, os Presidentes dos ditos países em desenvolvimento, agora emergentes, entre os quais o brasileiro, viraram caixeiros-viajantes.
Explicando: a internacionalização da economia, a necessidade de “fazer caixa”, ampliar as exportações, vender estatais, privatizar serviços públicos, estabelecer parcerias, e, principalmente, a necessidade de enfrentar o desemprego, determinaram que a agenda presidencial seja, essencialmente, comercial e internacional. Esta é a realidade mundial desde 1989.
Outro aspecto, não necessariamente secundário, é que esta agenda comercial e internacional, dentro da aparente inevitabilidade histórica que vivenciamos, tem um papel fundamental no processo político e eleitoral interno. Afinal, ninguém perdoaria o Presidente nas omissões em torno dos esforços de captação de novos negócios.
É o ônus da ideologia dominante. Fazer o quê? Ou outro mundo será possível?
A enfermidade de Dona Esperança
(sobre a crise ético-política)

A esperança fraudulenta
é uma das maiores malfeitoras da humanidade."Ernst Bloch, em "O Princípio Esperança".

Incluo-me entre os cidadãos que estão desesperançados com a indiferença e a não indignação social ante o conjunto dos crimes praticados no decurso do presente governo.
Quanto ao cego comportamento coletivo, convèm lembrar que a história é farta nas demonstrações dos erros decorrentes na indevida proteção dos governantes flagrados em delito, em detrimento da hierarquia dos valores permanentes de uma nação.
Do mesmo modo, importa denunciar a idolatria. Líder nenhum é fiel e exclusivo depositário das lutas de um povo, de suas esperanças e desejos político-sociais.
Independentemente de nossas opções/opiniões políticas, ideológicas e partidárias - e mesmo que não tenhamos nenhuma, não podemos prescindir da crença num sistema de valores nacionais, regras constitucionais, dispositivos legais, conceitos éticos, entre outros de igual importância.
Estes valores são frutos do esforço coletivo, sofrimento e resignação, às vezes de várias gerações. Não podem ser contaminados pela fraqueza, incompetência e desonestidade de indivíduos que não estão, ou não estiveram, à altura de determinado cargo e/ou momento histórico da nação.
Quanto à militância e fidelidade partidária, o engajamento no processo eleitoral, enfim, a opção por um companheiro/candidato, não pode constituir-se em compromisso inalterável, uma vez confrontado com fatos graves e ilegais, imorais e anti-éticos, relevantes à nação.
Descontados os equívocos de nossas opções partidárias, que merecem revisão e repactuação, a exemplo dos - por nós atribuídos - defeitos de outras ideologias, aliás, todas em constante processo de mutação e transformação, não tolero a idéia, nem me conformo, em permitir que destruam o patrimônio de luta, resistência e esperança de várias gerações.
Em verdade, neste vai-vem da política, aprendemos a sentir o amargo sabor da verdade e da realidade. À medida que a utopia e a paixão dão lugar à compreensão acerca das fraquezas humanas e das vocações autoritárias dos grupelhos políticos, aprendemos a valorizar os instrumentos básicos de um Estado Democrático de Direito.
A aprender, também, é que na política, como no amor, por conta de nossa idealização, demoramos para ver os defeitos de nosso objeto amoroso.
Todavia, mantenhamos as esperanças. Com certeza, haveremos de encontrar e construir as soluções para nossa tragédia e seus impasses. A história ensina que cada geração tem uma experiência inédita. Não há repetição. Cada retrato da sociedade é próprio de sua época.

A crise e a (des) função do trabalho
(para uma reflexão e visão crítica das redes de proteção social)

O desesperançoso é que não têm utilidade para o sistema capitalista, nem para os defensores do socialismo.

Social, psicológica e historicamente, o trabalho é reconhecido como um elemento fundamental no processo de afirmação do ser humano. Sua relação com a vida e a sobrevivência vai muito além da questão da produção de bens e renda. A ocupação produtiva do indivíduo está diretamente relacionada a idéia de dar um sentido a própria existência.
Neste sentido, vivemos uma época de profunda contradição e depressão existencial, haja vista as alterações dos processos produtivos, das relações de comércio interno e externo, todas com graves repercussões no quadro das atividades laborais e de emprego.
Em contrapartida, crescem as redes de proteção social, oficiais e comunitárias. Governos e entidades assistenciais criam e apresentam os diversos programas de ajuda. A palavras chave são “bolsa, vale, programa, etc...”, a exemplo da bolsa alimentação, o vale-transporte, o vale-gás, a bolsa-escola, o programa de renda mínima, merenda e transporte escolar, entre outros, em todas as esferas da organização social e estatal. São formas indiretas de proteção e aumento da renda familiar.
Objetivamente, é tudo consequência de um processo de marginalização capitalista, sistema que vive uma crise de criatividade em sua capacidade de incorporação da força de trabalho. Consequentemente, milhares de famílias passam a viver e depender das redes de proteção social.
O que pode parecer como uma espécie de socialização forçada de benefícios, no pensar de outros parece um inquietante processo de (des) educação para o ócio, ou deseducação para o trabalho.
Ressalvado tratar-se de um ócio forçado, todos estes benefícios permitem às pessoas (sobre)viverem, claro que sem qualidade de vida, precária e resignadamente, e pior, por extensão, sem ver no trabalho uma necessidade.
As vítimas deste processo de exclusão e inutilização humana são, obviamente, os menos formal e profissionalmente educados e preparados para o trabalho. Este despreparo é gravíssimo por que impede/incapacita a mobilização destas massas populares para uma reação.
O desesperançoso é que não têm(estas massas populares) utilidade para o sistema capitalista, nem para os defensores do socialismo. Para uns não servem por que fora e inaptos no processo de criação de riquezas, e para outros por que incapazes de auto-crítica e construção de um projeto social reformador (ou revolucionário). Mais grave: em verdade, servem como massas de manobra, descompromissadas com quaisquer objetivos de um ou outro sistema político-econômico.

27 setembro 2006

O tempo da infancia

O tempo da infância

Astor Wartchow
Advogado

Graças às modernas comunicações, nunca vimos antes, e tanto, em todo o mundo, imagens de crianças “adultas”, de contas bancárias, aspirações de consumo e erotizadas, ao lado de imagens de crianças espancadas, violentadas e escravizadas.
Dia após dia, desaparecem as fronteiras e divisas entre o mundo adulto e o mundo infantil. Está desaparecendo o tempo da infância, aquele modo de pensar, agir e viver inocente e utópico.
O tempo da infância é o tempo dos sonhos e da livre imaginação. Dos medos, das fraquezas e das incertezas.
Mas a infância está impossível porque os adultos lhe negam o sonho e a utopia. Adultos mal-relacionados com seu tempo e sua própria memória de infância.
No Brasil e no mundo, não importa a cultura, a educação e a riqueza, quantas crianças trabalham, sofrem abusos sexuais e morrem precocemente?
Roubamos tudo das crianças, seu corpo, sua dignidade, mas, principalmente, seu tempo, o tempo da infância!

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21 julho 2006

Pare o mundo que eu quero descer!

Astor Wartchow
Advogado

Nestes dias correntes de amores desertos, vidas insanas e atos desesperadores, quem já não se sentiu como num ônibus desgovernado, morro abaixo? Submetidos delirantemente à anestesia geral e coletiva, nosso delírio/esperança/otimismo é absolutamente cego, mudo e surdo às circunstâncias que nos cercam – aliás, cercas aramadas e elétricas que cercam as circunstâncias cotidianas da vida real feita de desemprego, miséria, inveja, fome, mentiras eleitoreiras, desestruturação do senso coletivo, assassinatos em massa, trânsito mortal, deseducação, invasões bélicas humanitárias(sic), metáforas, metonímias e metástases assassinas, frutos deste século esquisito, desta estúpida modernidade politica e pretensamente correta, que faz, veja só!, ressurgir das cinzas a santa inquisição do racismo, da intolerância étnica e religiosa, mas é também a era dos namoros virtuais e “ficantes” (ex-amizade colorida), das crianças consumistas e erotisadas, da ditadura da nova estética de bundas e peitos siliconados e caras botoxadas e meninos anabolizados, da hegemonia do mundo irreal que mandou às favas a realidade e nossas circunstâncias pessoais, liquidificando nossas existências.
Alguém pare o mundo que eu quero descer!

01 abril 2006

Brasil Urgente: um novo contrato social

A humanidade, de tempos em tempos, defronta-se com novos e significativos desafios, notadamente aqueles que dizem respeito a sua convivência, a harmonia social e econômica, as permanentes e insistentes diferenças sociais; estes desafios, embora muitas vezes se renovam travestidos, produzem um conjunto de comportamentos, de ações e reações, de bases filosóficas, que determinam novas formas de atuação e compreensão da realidade.
O atual triunfo do liberalismo parece determinar, além do fim do emprego, o fim das relações sociais e a confinamento do ser humano a uma existência solitária. Tradições, costumes, família, não são mais os pressupostos fundamentais que determinam o social. O novo homem é um sujeito de necessidades e ilimitados desejos de posse, e, assim, sua existência é medida pela quantidade. A liberdade e o desejo são expressos em números. A abstração do sujeito – pela ausência ou ignorância da contradição - parece determinar o fim da dialética.
Este precário quadro econômico e esta transformação comportamental revelam indivíduos e grupos sociais fragilizados, suscetíveis de apelos demagógicos, distantes das soluções institucionais, dos poderes de estado, e, principalmente, à margem da organização básica formal e histórica.
Assim, de tempos em tempos, repetindo, as reações do povo - pela reflexão e ação dos intelectuais e líderes políticos - organizam formas de enfrentamento, ora constituindo o lugar do cidadão, como fez a revolução francesa, ora constituindo o lugar do trabalhador, como fez o manifesto comunista.
Agora, mais recentemente, com a queda do Muro de Berlim, e a instalação hegemônica do pensamento e prática neo-liberal, sob o domínio econômico das indústrias de informação e comunicação, o que está sob ameaça é a própria existência humana, a liberdade do sujeito e os direitos humanos primários.
As inovações tecnológicas, demarcadas pela mundialização da economia e pela terceira revolução industrial, proporcionam o revezamento de cientistas e economistas na avaliação e nos prognósticos acerca dos cenários sociais e econômicos deste final de século.
No conjunto de reflexões e análises sobressai-se, inequívoco e unânime, que o "...futuro reserva menos empregos", como diz Jeremy Rifkin, presidente da Fundação das Tendências Econômicas, de Washington ( Folha de São Paulo, 25-08-97). Diz mais: "...os empregos serão poucos. Deles se ocupará uma pequena e bem paga elite profissional altamente qualificada". Viviane Forrest, autora do best-seller "Horror Econômico", confirma que “os crescentes índices de desemprego geram um estado de ansiedade e perplexidade geral, com graves repercussões comportamentais.” (Revista Exame, 27-08-97).
Ignácio Ramonet, da Universidade de Paris, afirma que “esses fenômenos de mundializacão da economia e de concentracão do capital, tanto ao sul como ao norte, quebram a coesão social. Eles agravam, em toda a parte, as desigualdades econômicas, que se acentuam a medida que aumenta a supremacia dos mercados. Por isso, a obrigacão de revolta e o direito a agitacão popular tornam-se, novamente, imperativos para recusar esses regimes globalitários inaceitáveis. Já não é tempo de reclamar a entrada , em escala planetária, de um novo contrato social?”
Enquanto isto, no nosso querido Brasil ocorrem as modificações das relações de trabalho, representadas por (1) terceirizações, flexibilizações, globalização, custo brasil, fim das garantias sociais,..(2) desemprego estrutural, notadamente pela modernização das máquinas industriais, ... (3) desemprego conjuntural, cuja responsabilidade é da retração da economia e a super-oferta de mão-de-obra,... (4) propaganda sobre a dita falência do estado de bem-estar social europeu, de acordo com os liberais de plantão,... (5) nosso incipiente e precário modelo de estado, ora em constante e abundante privatização dos poderes e tarefas de estado...etc...
Luís Fernando Veríssimo, em artigo no Correio Braziliense, disse:“...o fato de o capital aproveitar a hora para revassalar o trabalho não deve surpreender ninguém, ele está apenas sendo ele mesmo e reconquistando o que foi obrigado a dar quando o conveniente era isso. Assustadora é a escassa resistência que encontra, é a dissolução de anos de conquistas sociais dos trabalhadores estar sendo essa sopa, essa barbada.”
Configura-se, pois, um quadro de inúmeras contradições que demandarão um profundo esforço e exercício de nossa capacidade. O exercício da liberdade pressupõe a tolerância e a solidariedade. Compromissos com a responsabilidade social determinam um equilíbrio de consciência sobre direitos e obrigações.
Creio que nossa luta política, objeto do desafio que está posto, consiste na mediação da crise, na construção do novo contrato social, elemento último e definitivo a confirmar e determinar a superação da razão sobre o instinto predador. Trata-se de um movimento de libertação cultural, capaz de impor limites éticos ao reinado e império do lucro.
Um contrato social em que as relações econômicas deverão estar a serviço do ser humano, da pessoa, e não a pessoa a serviço da economia. A economia é objeto da pessoa e esta seu sujeito. E não a economia sujeito das pessoas e estas seu objeto.
A liberdade de auto-determinação não pode limitar-se a capacidade e autonomia de consumo, mas sobretudo alcançar a idéia de um sentido próprio a vida, de sua consagraçao, conferindo-lhe um sentido positivo.
Impõe-se que defendamos uma sociedade de inclusão, onde todos sejam respeitados em sua essência e tenham garantidas as condições mínimas de uma sobrevivência com dignidade: acesso a educação de qualidade, trabalho digno, saúde mental e física, justiça social, igualdade de condições, respeito as nossas diferenças e individualidades, moradia, liberdade de expressão, e, por que não?, o direito a felicidade.

A ASSISTÊNCIA SOCIAL E A REFORMA DO ESTADO
As perspectivas de construção e realização das tarefas inerentes a Assistência Social, constitucionalmente previstas ou não, tem, atualmente, como pressuposto mínimo de discussão e exame a natureza do processo político em andamento.
Refiro-me, objetivamente, as alterações mundiais e ao modelo político-econômico adotado por nosso governo. A privatização de bens e serviços públicos, através da alienação ou terceirização, conjugado com uma crescente desvalorização do serviço público, determinou uma evidente deterioração dos serviços de responsabilidade estatal.
Não bastasse uma tradição de prática voluntarista na área social, caracterizada pelo amadorismo, espontaneísmo e clientelismo, quase sempre em torno das ações e gestões municipais emanadas de gabinetes, cabe, ainda, ratificar o desalentador quadro que alcança os serviços de saúde, previdência e a própria assistência social, prejudicados por gigantescos e repetitivos atos de inadimplência, sonegação e corrupção.
Às propostas profissionais da categoria, ora discutidas e renovadas, que revelam um profundo sentido político e social, correta e honestamente preocupados com a deterioração dos serviços, quero acrescentar minha visão, minha idealização sobre sua constituição.
Quero crer que seu pressuposto fundamental é a organização e mobilização da sociedade, o que lhe dará uma inegável natureza pública e a oportunidade de concretização do sonhado controle social. Igualmente importante que seja descentralizado e não estatal. Descentralizado no sentido da independência e liberdade de gestão e ação, e não-estatal no sentido de não atrelado às virtudes menores dos aparelhos de estado.
Trata-se, assim, da construção de uma nova mentalidade, de um novo modelo sócio-político, repetindo, público, descentralizado, não estatal e socialmente controlado.
Esta idealização não prescinde, todavia, da luta e do inevitável enfrentamento das atuais estruturas de poder, neste exato momento, reprodutoras de um modelo nefasto, suspeito em seus objetivos, e, evidentemente, excludente.
Ao constatarmos que as atuais administrações estaduais e federal, de viés neo-liberal, produzem realidades antagônicas, gerando de um lado poucos milionários, e de outro inúmeros miseráveis, e transferindo poder político para a iniciativa privada, revela-se, constitui-se um quadro de inevitável confronto, de enfrentamento, repito.
Finalizando, configura-se um painel que atinge em cheio vossa categoria, como cidadãos, naturalmente, mas, principalmente, como profissionais comprometidos com o ideal da transformação social. Não trata-se mais, apenas, de lutar e alcançar a concretização de ordens constitucionais, mas trata-se, fundamentalmente, de um compromisso ético, de um mandamento cristão.

Assim caminha a humanidade

Assim caminha a humanidade

“O problema da pobreza não é comigo, o problema dos sem-terras não é contigo, os impostos excessivos não é com o fulano, a corrupção pública e privada não é com o sicrano, a inadimplência e a sonegação de impostos não é com o beltrano, o aumento da criminalidade e da impunidade não é com nenhum de nós...”


Não há um só dia em que não ouvimos, na rua ou no trabalho, alguém dizendo: “ assim como está não pode continuar !” ( isto quando não é a gente mesmo que diz). Uma hora é a criminalidade, outra hora é a corrupção, o governo, os impostos, o chefe mandão e chato, o vizinho, os filhos, a família, e por aí afora.
Quase sempre, a culpa de tudo é dos outros. O que é “tudo”? E o que são “os outros”? Quase sempre é o Governo, são os políticos, etecétera e tal. Nunca somos nós mesmos. Como diz meu amigo aqui do lado, emendando: “isso tudo já estava aí, eu não tenho nada a ver com isto!”.
Agora, por exemplo, logo ali adiante, faltam poucos meses, teremos eleições gerais. Vamos eleger Presidente, Governador, dois Senadores, Deputados Federais e Estaduais. Serão seis votos, gente! Com certeza, alguns se elegerão e administrarão nosso Estado, nosso País, e, de novo, haverá quem diga que “não tem nada a ver com isso!”
E assim caminha a humanidade, ou melhor dizendo, nosso país, isto é, ninguém querendo assumir suas responsabilidades, ou melhor, e maiores responsabilidades. O problema da pobreza não é comigo, o problema dos sem-terras não é contigo, os impostos excessivos não é com o fulano, a corrupção pública e privada não é com o sicrano, a inadimplência e a sonegação de impostos não é com o beltrano, o aumento da criminalidade e da impunidade não é com nenhum de nós e nem com aqueles que estão ali do lado nos olhando nesta conversa mole e sem-fim.
E é por isto que já vou embora!
PRIVATIZAÇÃO DAS ÁGUAS E DO SANEAMENTO BÁSICO:
a nova bandeira de luta e resistência comunitária

“Mantida a desestruturação dos serviços e o esvaziamento político dos Estados e da União, resta-nos o município, a cidade, a comunidade, como expressão organizada da sociedade, como reduto último do exercício da cidadania.”

A hegemonia política e econômica estabelecida pelos dogmas do neoliberalismo determinou a aceleração do desmonte do Estado, consolidado através dos processos de privatização de inúmeras atividades públicas, por meio de alienação de patrimônio, concessões e terceirizações.
O esvaziamento das funções de Estado, a par de determinar uma radical transformação na administração e apropriação de recursos financeiros, determina, principalmente, um grave esvaziamento das formas de representação política, realizadas por partidos políticos, sindicatos, organizações não governamentais e associações comunitárias de moradores.
Mantida a desestruturação dos serviços e o esvaziamento político dos Estados e da União, resta-nos o município, a cidade, a comunidade, como expressão organizada da sociedade, como reduto último do exercício da cidadania.
O futuro difícil que se avizinha, marcado, sobretudo, pelo desemprego, pelo agravamento das diferenças sociais, determina e desafia nossa capacidade de solidariedade, de organização e de superação política.
Seja para buscar os serviços de saúde, de educação, de segurança, de transporte, de lazer, do recolhimento de lixo e tratamento de esgotos, entre tantas necessidades e desejos, resta-nos o espaço da cidade como expressão plena da sociedade racional e humana.
Necessariamente, a comunidade passará a determinar, então, como tarefa fundamental dos poderes públicos, a ação e coordenação do processo de mediação das diferenças no sentido de evitar a exclusão, a marginalização, enfim, o empobrecimento da própria sociedade.
Neste sentido, não há nenhuma dúvida que a água será a matéria-prima mais valorizada no decorrer dos próximos anos. São constantes, em vários países, os esforços para a recuperação de mananciais hídricos, diminuição dos custos de tratamento de água, controle e tratamento dos esgotos industriais e domésticos.
O controle político das águas e dos serviços de saneamento pelos municípios, assegurado pela Constituição, está sob ameaça. Os diferentes projetos de Estados e da União têm como objetivo comum, a rigor, superar dúvidas jurídicas e obstáculos operacionais que atrapalham o processo de privatização do saneamento, razões estas que têm afastado os investidores interessados, principalmente estrangeiros.
Assim, considerando a precipitação do modelo de privatizações, que “atropelou” a sociedade, indefesa e sem institutos e instrumentos de regulação e reclamação, considerando o encarecimento dos custos de fornecimento nas privatizações, a exemplo de inúmeros países, e considerando as privilegiadas e estratégicas reservas hídricas brasileiras, está constituída mais uma bandeira de resistência e luta do movimento comunitário, contrário a privatização das águas e do saneamento, como forma de expressão da independência política do nosso povo.
Admirável Mundo Novo – I

“Tudo oferece um sentido, senão nada tem sentido”
Lévi Strauss

A emergência de graves e rápidas transformações mundiais - nos últimos vinte anos, em sua maioria conseqüências da redefinição e reestruturação do papel do Estado e da intensificação/mundialização/globalização da economia, deflagraram um conjunto de alterações na sociedade, de absoluta amplitude, que perpassam questões sociais, econômicas, políticas e culturais, principalmente, e geram uma (re)novação nos papéis e nas abordagens de várias categorias profissionais e sociais.
Concomitantemente, vivenciamos e experimentamos revoluções intestinais na nossa sociedade. Destacam-se, por exemplo, a inserção da mulher no mercado de trabalho – e a influência de sua renda na pulverização do machismo, a decadência do pátrio poder, a adultização do menor e/ou o fim da infância, a competitividade intra-familiar, enfim.
O conjunto destas transformações que estamos vivenciando coincidem com a intensificação das relações e capacidades comunitárias de produzir, trocar e gerenciar conhecimentos, utilizando, sobretudo, as novas tecnologias de informação e comunicação.
E assim, suscetíveis às novas idéias e iniciativas, as pessoas, e as organizações, principalmente, aprendem - asseguram as modernas teorias sobre gestão do conhecimento e cultura organizacional – e estabelecem espaços de aprendizagem, de produção de bens, serviços e valores.
Exemplarmente, esta nova sociedade tem como pressuposto e assentamento a associação com projetos sociais, econômicos e culturais, preferencialmente com políticas definidas e demandas auto-sustentáveis. .
Neste contexto, inserem-se, igualmente, aspectos geopolíticos, ou melhor dizendo, concretiza-se uma (re)definição das fronteiras e participações relativas de diferentes povos, de diferentes línguas. Constituem-se, portanto, as redes mundiais de aprendizagem permanente, ricas em oportunidades de capacitação de indivíduos e organizações.
Como a incidência e a ocorrência desses processos não obedece a nenhuma ordem ou seqüência espacial ou temporal, emerge, paradoxalmente, um imbricamento, um encontro, uma interpenetração do global e do local. O professor Boaventura de Souza Santos sugere a ocorrência de “um localismo globalizado e um globalismo localizado”. Resumindo, o localismo globalizado seria uma bem sucedida globalização de um fato ou fenômeno local, enquanto que o globalismo localizado seria revelado pelo impacto de práticas transnacionais sobre condições locais.
Continuamos semana que vem.

30 março 2006

Ações Afirmativas

“Nascido em chão de miséria,
acalentado na sede, à margem,
fora de vista das promessas de viver,
já condenado no útero ao destino sem destino, senão ser refugado, espezinhado, moído,
discriminado, espancado, vilipendiado, cuspido, amordaçado, riscado.
A ferro e fogo na alma,
em seu peito resumia um dicionário de agravos
queimando todas as horas.
De uma existência marcada.
É claro que cada crime que vivera cometendo bem antes de cometê-lo,
estava previsto e feito.”
Carlos Drumond de Andrade
O marginal Clorindo Gato

Ação Afirmativa é uma ação, legalmente amparada e fundamentada, que visa coibir a discriminação por raça, sexo, cor ou religião, assegurando às minorias – historicamente desfavorecidas – maiores oportunidades no mercado de trabalho e na formação escolar.
Nos anos 60, os norte-americanos enfrentaram esta questão adotando esta política para a superação das desigualdades entre negros e brancos. É natural, advieram inúmeras demandas judiciais, de toda ordem e natureza, questionando os limites e a operacionalidade. Todavia, avançaram expressivamente, constituindo o lugar social e econômico dos negros.
Nosso pátria, terra brasilis, têm-se omitido no enfrentamento destas questões, notadamente àquela relacionada a discriminação racial – a questão dos negros!, não construindo alternativas de superação desta chaga social e econômica.
Particularmente, creio que é chegada a hora de uma radical intervenção. Devemos assegurar vagas para os negros nas empresas e nas escolas. Por lei. Sem choro! Muitos brancos dirão que é, tal qual, preconceito contra os brancos. Não tem nada a ver uma coisa com a outra.
Trata-se de estabelecer parâmetros, metas de superação e correção de erros históricos, erros que “a mão invisível do mercado” - nem o tempo, não corrige, senão que apenas os agrava.
Aliás, que papo furado dos liberais esta tal de mão invisível do mercado, hein?
A violência e nós

“As desigualdades e as exclusões, o autoritarismo que regula todas as relações sociais, a corrupção, o racismo, o sexismo, as diversas formas de intolerâncias, não são consideradas formas de violência.”

A maioria das pessoas não é afeita a comentários ou raciocínios de natureza filosófica, isto é, àquelas elocubrações que pretendem a compreensão e/ou constituição racional das coisas que nos cercam. Por exemplo, relativamente ao império da violência, que nos parece crescente e sem limites possíveis, gritam todos. Entretanto, a violência real e suas razões permanecem ocultas.
A professora e filósofa Marilena Chauí, em antigo estudo sobre a violência, já observava que vários “dispositivos” contribuem para ocultar a violência real. Entre eles, destacam-se: (1) um dispositivo jurídico, que localiza a violência apenas no crime contra a propriedade e contra a vida; (2) um dispositivo sociológico, que considera a violência um momento no qual grupos sociais "atrasados" entram em contato com grupos sociais "modernos". E os "desadaptados" tornam-se violentos; (3) um dispositivo de exclusão: uma distinção entre um "nós brasileiros não-violentos" e um "eles violentos", "eles" sendo todos aqueles que, "atrasados" e deserdados, empregam a força contra a propriedade e a vida de "nós brasileiros não-violentos"; e um (4) dispositivo de distinção entre o essencial e o acidental: a sociedade brasileira não seria violenta. A violência seria apenas um acidente na superfície social sem tocar em seu fundo essencialmente não-violento. Por isto os meios de comunicação se referem à violência com as palavras "surto", "onda", "epidemia", "crise", isto é, palavras que indicam algo passageiro e acidental.
Conseqüentemente, ainda no pensar/interpretar de Chauí, as desigualdades e as exclusões, o autoritarismo que regula todas as relações sociais, a corrupção, o racismo, o sexismo, as diversas formas de intolerâncias, não são consideradas formas de violência. Isto é, a sociedade brasileira não é percebida como estruturalmente violenta e por isso a violência aparece como um fato esporádico superável.

A vida imita a arte

Verdade verdadeira. Coisa de louco, tchê!

Recentemente, uma mulher confessou aos agentes policiais de Porto Alegre que havia matado e esquartejado o marido. Em defesa, dona Gislaine – o nome da moça - alegou que estava sendo ameaçada por Aridemar – o marido. Gislaine atingiu o marido com golpes de martelo e o esquartejamento ocorreu com uma faca de pão.
Logo após, a mulher levou algumas partes do corpo para um matagal distante. O surpreendente é que ela foi até o local em um táxi lotação (mais ou menos vinte lugares), carregando pedaços do falecido numa sacola, em meio aos demais passageiros. Outras partes do corpo foram enterradas no pátio da casa.
Esta semana, um sujeito de 48 anos – dependente de drogas – brigou com a mãe, uma vovó de 88 anos de idade. Irado, resolveu jogar a mamãe no pátio do vizinho, arremessando-a por cima do muro. O detalhe premeditado é que no pátio da casa do vizinho havia dois cachorros da raça pitt-bull, como bem se sabe, de extrema docilidade. Estraçalharam a vovó em minutos. Morreu a caminho do hospital.
Os dois casos parecem tirados das telas do cinema, não? Mas, não! Verdade verdadeira. Coisa de louco, tchê! De todo modo, além de contar estas pequenas e trágicas histórias para vocês, fica aí, então, minha contribuição aos roteiristas de cinema. Só falta filmar.
A vida imita a arte!
A Tragédia de Erechim
(ou sobre o método, o treinamento e a hora certa)

Infelizmente, nada mais previsível que as consequências da falta de método, de treinamento e da hora certa. Tristemente, nada mais monótono, repetitivo e cansativo do que a sucessão de tragédias.


Comoveu-se todo o Rio Grande do Sul com a tragédia de Erechim. Nada mais trágico, nada mais arrasador, nada mais negação da condição humana do que a morte de uma criança, sobretudo quando ocorrer por razões não naturais, à conta da participação e/ou omissão humana.
Trata-se da cassação, interrupção, anulação de uma hipótese de vida, de uma perspectiva absolutamente particular e não renovável de uma existência, de um ilimitado espírito em comunhão com as limitações do corpo.
Entretanto, aos meus olhos, e sobretudo à minha irritante racionalidade, trata-se de mais um minúsculo parágrafo neste imenso livro chamado Brasil, recheado de capítulos com variações sobre um mesmo tema: incompetência e negligência.
Nosso dicionarista Aurélio informa que “competência é a qualidade de quem é capaz de fazer determinada coisa com capacidade, habilidade, aptidão, idoneidade”. Por consequência, incompetência é a característica de incapacidade, inabilidade, inaptidão e não idoneidade na concretização de determinada tarefa. Deduzo que a negligência é sua irmã siamesa.
Incompetentes e negligentes somos no nosso trabalho ao dar ou tolerar um jeitinho. Ao marcar hora certa e não cumprir, ou fazer o serviço com defeito. Ao descuidar da linha de produção da fábrica e daquela máquina importada que custa uma fortuna. Ao “esquecer” a mão dentro de uma engrenagem. Ao fazer manobras de risco no trânsito, causando arrepios no passageiro e nos transeuntes.
Incompetentes e negligentes somos na nossa condição de cidadãos ao tolerar lideranças e governantes que desperdiçam dinheiro público e privado em obras inacabadas, mal-localizadas e não funcionais.
Objetivamente, a incompetência e a negligência são frutos de nossa aversão ao método, à hora certa e ao treinamento. Por que? Porque toda previsibilidade é monótona, é repetitiva, é cansativa.
De praxe, reagimos ironicamente aos melhores profissionais porque sua competência e concentração é gélida e inumana, não combinando com nossa alegria e espontaneidade. Mas de que alegria e espontaneidade mesmo é que estamos falando?
Infelizmente, nada mais previsível que as consequências da falta de método, de treinamento e da hora certa. Tristemente, nada mais monótono, repetitivo e cansativo do que a sucessão de tragédias.
A PAIXÃO DE LILITH
(a primeira transgressora)

Hoje é o Dia Internacional da Mulher. Poderia falar de suas conquistas, de nossas profundas diferenças e do quanto podemos e devemos aprender com/sobre isto. Como homenagem reproduzo partes de um poema de Pamela Hadas, denominado a Paixão de Lilith:
“O que gente como eu tinha a fazer com gente como Adão?
E no entanto por algum capricho ou mesmo por obra de Seu humor negro
Fomos atirados juntos, a terra polida e o brilho da lua...
Então Adão quase me deixou louca - meu primitivo e boquiaberto homem,
Dócil como pilão e brando como a lógica vivia ostentando o direito divino de suas propriedades perante minha óbvia carência de bens.
A princípio, tentei agradar, abri minha caixa de milagres para ele;
Ele só queria mondar as ervilhas. Queria seus pássaros em sua mão,
Usei, de bom grado, de todos os rodeios.
Fiz um abrigo de folhas, trepadeiras e veneno para anjos;
Ele não quis entrar. Não quis se deitar sob minha improvisada colcha de retalhos.
Preferia morrer.
Ele tinha a Palavra, recebera-a do alto, enquanto eu, anterior aos alfabetos, inútil, permanecia mergulhada no remoinho do caos.
Jardins foram feitos para ordenadores, jardineiros foram feitos para ordenar,
mas eu não sou ordenável, sou a primeira transgressora.
Por isto, enquanto Adão cercava cuidadosamente suas bestas e apertava a sebe,
E enquanto os anjos guerreavam e buliam os nervos de Deus,
Inadaptada e fora do lugar, fugi.
Xinguei Adão.
E deixei meu primeiro amor
Chupando o dedão.”

Lilith, conhecida como a primeira Eva, é uma figura mitológica presente em várias culturas. Rejeitada, negligenciada e estigmatizada pela cultura e poder patriarcal, fundado em temores diante da impressionante instintividade feminina, Lilith está de volta com toda sua força e independência.
A Nova Política do Corpo

“Difícil saber o que é emancipação do sujeito, o que é libertação da opressão das ordens sociais, ou o que é - que pode ser – “uma nova escravidão”, a angústia e solidão das almas que desejam o (re)conhecimento e expõem sua face/corpo aparente para o leilão/amor dos pretendentes.”

A Escola Cirenaica, fundada por Aristipo de Cirene(435-366 A.C.), cujas teses foram firmadas e divulgadas por seu neto, “Aristipo, o jovem”, sustentava, basicamente, que a felicidade/prazer consistia/derivava na/da tranqüilidade que se obtinha por meio do auto-domínio. Este prazer deveria surgir de uma prática de sensibilidade e subjetividade; entendiam, também, que a virtude estava em saber usar as circunstâncias de alcançar o prazer, sem se deixar dominar pelo desejo de obtê-lo.
A busca do prazer(imediato) redundou no que denominamos, vulgarmente, de hedonismo. Mas, originariamente, o hedonismo não fundamentava-se no desejo de levar uma vida “prazerosa” sem uma indagação nos fundamentos de seu valor (do prazer). Todavia, passado o tempo, os sucessores de Aristipo transformaram esta filosofia em justificação para vidas e atitudes indolentes e limitadas à busca do próprio prazer.
Vivessem hoje, os sucessores de Aristipo de Cirene lograriam imenso prazer na confirmação de suas teses. O discurso e a prática do prazer traduzem-se de inúmeras formas, mas a mais impressionante, na atualidade, cerca o espectro físico da pessoa. A ditadura da estética. Se também os homens aderiram massivamente a esta “corrida do ouro”, as mulheres ainda ocupam a “pole position”.
Já não é apenas a bunda, ex-líder de preferência nacional, em permanente estado de exposição urbana, televisiva, digital, celulóide, para além da dança da garrafa, senão que são os seios os novos líderes, siliconados, turbinados, cirurgizados em módicas e suaves prestações mensais, assegurado o desconto em folha. Mas tem também coxa, sobrecoxa e outros cortes nobres; afinal, ninguém mais acredita que toda nudez será castigada.
Ironias à parte, vivemos desesperadamente a procura do prazer. Estética e prazer andam juntos. São irmãos siameses. Está associada também à exagerada exibição do indivíduo, quase uma “venda do corpo”, contaminando o real sentido da individualidade e da liberdade pessoal.
As ruas, as passarelas, os auditórios, os colégios, as universidades, todos os locais estão “possuídos” por esta “nova ordem”, estonteante, que tem como porta-estandarte a própria exibição/vulgarização do corpo.
Difícil saber o que é emancipação do sujeito, o que é libertação da opressão das ordens sociais, ou o que é - que pode ser – “uma nova escravidão”, a angústia e solidão das almas que desejam o (re)conhecimento e expõem sua face/corpo aparente para o leilão/amor dos pretendentes.
A nova consciência negra

A intervenção social moderna dos negros opera-se, basicamente, através da música e dos movimentos comunitários. É sua forma de expressão, manifestação e preservação de sua história racial e social. É a força e a universalidade da arte a serviço da quebra dos preconceitos.

As mais recentes gerações de negros realizam sua militância política, a luta contra o racismo, principalmente, através da arte e dos compromissos sociais, ao contrário dos pais que eram politicamente engajados e empenhados nos movimentos pró-igualdade racial.
Estão firmes e engajados neste modelo de luta e trabalho, embora os militantes de gerações anteriores duvidem da amplitude e eficácia destas iniciativas, eis que entendem que a situação do negro pouco melhorou e que apenas a militância nas artes não é suficiente para transformar a sociedade.
A intervenção social moderna dos negros opera-se, basicamente, através da música e dos movimentos comunitários. É sua forma de expressão, manifestação e preservação de sua história racial e social.
Têm uma perspectiva mais imediatista da sociedade e do seu cotidiano, mas, basicamente, uma visão prática, qual seja, sintetizando, no seu dizer: “a arte é democrática, toca na emoção, vende um estilo de vida e gera dinheiro sem depender de governos.”
Exemplarmente, o estado do Rio de Janeiro é rico nestes novos modelos de intervenção social. Os grupos mais famosos são o Afro Reggae (oficinas de percussão, dança e capoeira, teatro e circo), a Nêga Gizza e seu irmão MV Bill, da Central Única das Favelas-Cufa( hip hop) e O Nós do Morro (do filme "Cidade de Deus"). São dezenas e dezenas de comunidades envolvidas em inúmeros projetos de natureza cultural e com ânimo de inclusão social.
Lentamente, os movimentos e projetos disseminam-se pelo país inteiro. É a força e a universalidade da arte a serviço da quebra dos preconceitos.

A NATUREZA DO SER

Muitos cidadãos, não afeitos aos detalhes da política, simplificam as questões da sociedade brasileira, supondo que suas soluções sejam administrativas, ou seja, que estejamos, há muito tempo, ou desde sempre, diante de uma falta de capacidade gerencial.
Este pressuposto tem legitimado candidaturas “de pessoas esclarecidas, estudadas”, e inviabilizado as pretensões de outros pretendentes, entre os quais destaco, Lula, estigmatizado como “sem estudo para ser presidente do Brasil”.
Tenho insistido que nossas dificuldades de superação e solução dos graves problemas nacionais concentram-se na natureza do poder estabelecido, na insensibilidade das elites econômicas e empresariais e, finalmente, nas contradições comportamentais e de caráter do próprio povo. Explico através de perguntas.
Quantas vezes não pretendemos “levar vantagem” as custas do esquecimento ou erro alheio, mesmo sendo aquele “simples e barato pote de margarina” que o caixa esqueceu de contabilizar?
Quantas vezes nos indignamos com casos de corrupção governamental e empresarial apresentados na TV, embora saibamos de vários na nossa comunidade, embora de menor quilate?
Aquele presente especial que recebemos do comprador ou fornecedor da empresa no natal será menos corruptível do que aquele que recebeu determinada pessoa ou aquele político conhecido?
Ou, falando de política:
Quantas vezes voce votou em determinado candidato por causa de algum favor ou “quebra-galho”, em detrimento de candidatos mais qualificados?, e acha isso muito normal, mas quanto a TV mostra os casos, voce afirma que “é por isto que o Brasil não vai para frente!”.
Quando o Collor “congelou” todos os ativos financeiros, principalmente a poupança, inclusive o “dinheirinho da vovó”, e voce não foi para rua reclamar, como teria reagido se o Lula Presidente tivesse feito aquele “ato administrativo”?
E senhor que é empresário, e admira todos os grandes empresários nacionais, como reagiu quando seus ilustres nomes estavam na lista de PC Farias, doadores de dinheiro e compradores de favores oficiais?
Como é possível que queiramos que o país vá para frente se algumas pessoas/empresas sonegam obrigações fiscais e direitos trabalhistas, alegando dificuldades com a carga tributária, mas no momento político oportuno acabam votando naqueles que se beneficiam do sistema e não desejam sua alteração?
Recentemente, apenas como exemplo, a FIERGS e “meio-mundo” rechaçaram, escandalosamente, a tentativa de aumento de ICMS proposto pelo governador Olívio, mas, contraditoriamente, quando o ex-governador Britto aumentara de 17 para 18% não houve nenhuma reação?
Será que é possível que haja níveis de tolerância ética, níveis de concessões políticas e sociais e níveis de corrupção tolerável? E que todas estas pequenas concessões não tem nada a ver conosco e com os próprios destinos do país?

A Lesma Lerda

Acaba predominante a filosofia de um “nada a ver!”, um “vamos ver no que dá!”, um “não tenho nada a ver com isto!”, ou, então, “é tudo igual mesmo!”.


Não há um dia sequer que não nos surpreendamos com a futilização das relações e das coisas. Nada mais há, nem gente, nem costumes, nem coisas, que resistam à vulgarização, à mesmice, ao “nada a ver”.
Em verdade, o que estamos vivenciando, a reboque da globalização das economias, dos costumes e dos meios de comunicações, é a absoluta padronização – por baixo - dos meios e fins; simplificando, é a monetarização de nossas perspectivas e existências.
Tudo quanto façamos ou desejamos somente adquire uma dimensão realizadora na proporção de sua publicidade e monetarização. Não é a toa que jornais, revistas e canais de TV estão recheados de exposições pessoais, sem um a propósito, sem um nexo causal com a ordem das coisas que real e socialmente interessam.
Neste patamar estabelecem e frustram-se as principais relações, muitas de absoluto interesse público, notadamente aquelas de natureza político-econômica, que ensejam perspectivas de transformação de nossa realidade social. A esperança foi pro brejo!
Esta vulgarização comportamental prejudica, decisivamente, a qualidade do comprometimento e engajamento da comunidade com um conjunto de iniciativas públicas e privadas que ambicionam a transformação da sociedade. Acaba predominante a filosofia de um “nada a ver!”, um “vamos ver no que dá!”, um “não tenho nada a ver com isto!”, ou, então, “é tudo igual mesmo!”.
Neste cenário, surgem e esvaem-se as oportunidades, ressurgem e esvaem-se de novo. Não se fixam marcos, nem pilares. Imaginam, os diletantes-delirantes, que possam vir a ser coisa ou gente, nação ou país, neste caminhar, neste pensar, neste agir.




A invasão das bundas

Com a audiência absoluta da Casa dos Artistas e do BigBrotherBrasil, mais os vários programas de auditório, a televisão brasileira, a tida tv comercial – via antena, transformou-se num imenso e interminável desfile de bundas.
São bundas de todas as origens e raças, pequenas e grandes, arrebitadas ou não, siliconadas quase sempre, sucedendo-se nos palcos, rebolando suas razões e seus planos de carreira.
Essas bundas têm em comum, salvo raras exceções, uma extraordinária limitação dos cérebros correspondentes, se é que podemos assim nominar aquelas cabeças sobrepostas àqueles corpos.
Mas essas bundas têm planos e objetivos comerciais, e como têm audiência, elas existem e repercutem no mundo sócio-econômico, inclusive criando estilos e “fazendo” moda.
Embora eu entenda que esta absoluta mediocrização da televisão, pensada e articulada pelos seus proprietários e programadores, sob os auspícios financeiros dos patrocinadores, condena o povo a um repetitivo e idiotizante programa de final de dia, sobretudo aos domingos, impõe-se ressalvar a contribuição das bundas ao exercício filosófico-existencial.
As razões e contra-razões da mencionada e expressiva audiência, tanto do ponto de vista dos donos dos canais de televisão, dos patrocinadores, dos cidadãos, e, por que não dizer, do “modo de vista” das donas das bundas, são várias e (in)filosofáveis.
Qualquer ângulo de exame – não estou falando do ângulo da visão da bunda!, repito, qualquer ângulo de exame deste tema pode revelar um estilo irreverente do brasileiro, ou um quadro de insuperável pobreza cultural, ou identifica uma irresponsabilidade governamental relativamente ao serviço concedido, e, quase sempre, um “não tô nem aí!” das empresas de televisão; leia-se, principalmente, Silvio Santos e Globo. Ou todas estas hipóteses juntas.
A guerra dos jovens

“Infelizmente, vivemos uma época de pouca justiça social, excesso de informação (leia-se confusão), o que determina que muitos jovens estejam em crise de identidade, sem causas/lutas específicas e “tateando” por caminhos obscuros.(...) É uma operação de guerra: a construção de um sujeito de direitos e deveres, com incentivo à cidadania, à politização, ao estudo e ao trabalho.”


O Censo Demográfico 2000/IBGE apontou que 56 milhões de brasileiros têm idade inferior a 17 anos. Objetivamente, isto significa um contingente humano que aspira possibilidades de educação, atendimento à saúde e uma preparação adequada para o mercado de trabalho.
Infelizmente, vivemos uma época de pouca justiça social, excesso de informação (leia-se confusão), o que determina que muitos jovens estejam em crise de identidade, sem causas/lutas específicas e “tateando” por caminhos obscuros.
De sua parte, há uma percepção da realidade, mas não uma compreensão de suas causas. Contribuem para esta não compreensão da realidade a adesão e opção por exemplos/ícones descompromissados e não conectados com sua realidade. Conseqüentemente, não há um engajamento e participação organizada na sua sociedade
Do mesmo modo, como convivem com o desemprego e baixa renda dos pais, são vítimas/agentes da violência das ruas, das “tribos”, dos guetos e das favelas.
A guerra dos jovens, que de simbolismo não tem nada, é um sério desafio à nossa consciência e responsabilidade social. Uma tarefa de extrema complexidade e um desafio que ultrapassa o dever constitucional do Estado. Um problema da sociedade.
Objetivamente, a construção de alternativas deve abranger uma atenção e percepção psicosocial desta fase de vida. Não pode, por exemplo, deixar de considerar aspectos inerentes ao espírito da audácia, emoção, modernidade e linguagem própria. Sabe qualquer pai e educador que os desejos da juventude estão impregnados de desafios, inquietações e descobertas.
Neste sentido, iniciativas e políticas públicas que ambicionam a participação dos jovens devem considerar estes elementos na sua elaboração. Igualmente, devem cercar-se de um acervo e aparato profissional que responda à uma séria de questões relacionadas às experiências com trabalho, cultura, escola, saúde, comunicação e drogas, por exemplo.
É uma operação de guerra: a construção de um sujeito de direitos e deveres, com incentivo à cidadania, à politização, ao estudo e ao trabalho.



A Era do Individualismo

“A mensagem e a conclusão são óbvios: a vida é breve. A felicidade até existe. Está na mídia, no shopping, nas passarelas, no álcool, nas drogas. Não há futuro. Só presente. Ou melhor dizendo, isto é, pior dizendo, só há o vazio!”


O noticiário policial e de costumes informa, seguida e fartamente, o envolvimento de jovens, entre 12 e 18 anos, nos mais variados incidentes, principalmente de ataques a pessoas, constando, inclusive, vários casos de espancamentos seguidos de morte das vítimas.
A exemplo de mendigos, índios e anciões, as vítimas sofrem uma carga pesada e repetida; melhor seria dizer uma “descarga”. Sim, porque fica evidenciada que toda esta violência é, basicamente, conseqüência de uma grave crise de valores sociais, familiares, e, principalmente, uma absoluta falta de perspectivas pessoais.
A verdade é que não estamos dando conta, pais, famílias e sociedade, da construção de um futuro viável às gerações seguintes. Criticamos suas roupas, seus hábitos, seus amigos, sua alimentação, suas preferências musicais, enfim, em alto e bom som declaramos: isto não é vida, isto não é infância, nem adolescência!
Dissemos mais: não haverá emprego. Não haverá futuro. Assim, flui deste conjunto de frases pessimistas uma sensação de impotência, uma descrença na família, na sociedade, despertando, em reação e desespero, o monstro do individualismo. A descrença no esforço coletivo, na comunidade e nas formas de representação formal, bem como o desrespeito às normas e às regras de convivência, são os sintomas visíveis do monstro em gestação.
A mensagem e a conclusão são óbvios: a vida é breve. A felicidade até existe. Está na mídia, no shopping, nas passarelas, no álcool, nas drogas. Não há futuro. Só presente. Ou melhor dizendo, isto é, pior dizendo, só há o vazio!
A Era do Conformismo

“Periodicamente, a humanidade defronta-se com graves contradições quanto a natureza das relações de trabalho e a repartição de seus frutos. Em nome destas contradições, no ânimo de sua superação e constituição de novos sistemas, quase sempre idealizados, norteados para critérios de justiça, ocorrem revoluções, destituições de governos, caos, desordem, todas ações precursoras de uma nova ordem, regra geral, com a pretensão de mais justiça e igualdade.”

Mesmo que a maioria das pessoas não tenha o mínimo interesse pela política, não importam as razões pessoais, o fato é que, historicamente, através dela é que ocorrem as transformações da sociedade, seja por ação ou omissão.
Entenda-se que a política é muito mais que a discussão vulgar, inócua, as vezes, exercida pelos partidos políticos e por seus narcísicos líderes.
A política alcança e age em todos os níveis de intervenção humana, principalmente naquelas relacionadas as relações econômicas e de trabalho.
O trabalho e a sua remuneração continuam sendo, e continuarão sendo por muitos séculos, o núcleo central da formação e ação humana. Periodicamente, a humanidade defronta-se com graves contradições quanto a natureza das relações de trabalho e a repartição de seus frutos. Em nome destas contradições, no ânimo de sua superação e constituição de novos sistemas, quase sempre idealizados, norteados para critérios de justiça, ocorrem revoluções, destituições de governos, caos, desordem, todas ações precursoras de uma nova ordem, regra geral, com a pretensão de mais justiça e igualdade.
Agora, neste exato momento, ocorrem duas reuniões de repercussão mundial. Em Davos, a reunião dos detentores e gerentes do capital e núcleos de produção, e, aqui, em Porto Alegre, a reunião dos que sentem-se excluídos da perspectiva de um desenvolvimento mundial mais integrado e menos injusto.
A nossa imprensa, por sua maioria, historicamente conservadora e comprometida com os detentores de capital, tem ironizado a reunião de Porto Alegre, classificando-a, antecipadamente, de sonho, de delírio, em contraponto com a reunião em Davos, esta nominada de “realidade”.
Esta abordagem não deixa de ser verdadeira. De fato, há uma realidade dominante e predominante, qual seja, a absoluta supremacia do dinheiro, do capital, sobre todas as formas de manifestação humana, como jamais se vira antes.
Em contraponto, não deixa de ser um sonho, uma idealização, enfrentar este modelo de mundo. E enfrentam-no aqueles que não creêm que as relações humanas e a realização pessoal restrinja-se a capacidade de acumular dinheiro ou adquirir bens, por mais importantes e úteis que sejam, como já se reconheceu, obviamente.
O sonho, a idealização, as metas “impossíveis”, sempre foram o motor da humanidade. O que seria do mundo se não fossem os loucos inventores, revolucionários, navegadores, escritores, cujos olhos e mentes delirantes “viam” o que o mundo não via, “sentiam” o que outros não sentiam, “queriam” o que a maioria não queria?
Eu sonho, inclusive, que a era do conformismo não supere nossa capacidade de sonhar!
A Casa das Sete Mulheres

“...resta, enfim, aquela sensação infanto-juvenil de superação freudiana/psicanalítica da aprovação paterna. Dorme em paz o Rio Grande, 168 anos depois!”

A gauchada ainda está eufórica e ensimesmada com o estrondoso sucesso da mini-série global que retratou uma etapa da história do Rio Grande – a Guerra dos Farrapos, emoldurada por lindas paisagens.
A eterna crise existencial dos sulistas “rejeitados” pelo centro do país, vítimas das incompreensões históricas, do isolacionismo voluntário ou não, da indigesta fama de berço de ditadores, da dupla gre-nal roubada nas decisões futebolísticas no eixo Rio-São Paulo, etecetera e tal, parece, agora, finalmente, amainada pelo (re)conhecimento nacional.
Descontados os excessos e arroubos, de toda ordem, a tietagem oficial, principalmente, papagaios de pirata com dinheiro público, resta, enfim, aquela sensação infanto-juvenil de superação freudiana/psicanalítica da aprovação paterna. Dorme em paz o Rio Grande, 168 anos depois!
Por justiça histórica, notadamente em relação aos irmãos do norte do país, conveniente e esclarecedor lembrar que à mesma época – período regencial – o Brasil encontrava-se nacionalmente conflagrado. Além da Guerra dos Farrapos(1835-1845), também tivemos motins em Pernambuco(1831-1835), a Cabanagem no Pará(1835-1840), a Revolta dos Malês(1835) e a Sabinada(1837-1838) - ambas na Bahia, e a Balaiada no Maranhão(1838-1841).
Por conta do abandono do governo central, plantadores de cana-de-açúcar(BA/PE) e algodão(MA), e os criadores de gado/produtores de carne(RS), principalmente, uniram-se a setores urbanos e de classe média – comerciantes, funcionários públicos, advogados, militares, padres, para protestar contra os elevados e crescentes impostos e a nomeação de governantes impopulares e alheios à comunidade local. Na seqüência, o crescimento e fortalecimento destas contestações evoluiu para movimentos e teses separatistas.
Entretanto, a evolução dos movimentos determinou um recuo das elites econômicas locais, temerosas em perder seus privilégios e, principalmente, seus escravos, eis que a extinção do regime de escravidão era uma das bandeiras dos insurretos.
Enfim, fracassaram todos os movimentos, restando vitimados os de sempre: negros, índios, mestiços e brancos pobres.