21 dezembro 2006

EM DEFESA DO ESTADO

Diante do discurso e prática generalizada de redução/desmonte do aparelho de Estado, falar sobre o serviço público requer, necessariamente, reelaborar os conceitos básicos do Estado.

A compreensão da coletividade, no passado, em torno da necessidade da criação/manutenção do Estado ultrapassou aquelas necessidades primárias de segurança e ordem social, e alcançou, nas últimas décadas, um caráter civilizatório das relações e expectativas sociais. Imprescindível e atual.

Nossa compreensão e o entendimento acerca da precariedade das atuais estruturas e da importância de determinadas reformas, não inibe, entretanto, nossas discordâncias em relação a deliberada e grosseira confusão que opera o desmonte do estado e rotula os servidores, em geral, como os responsáveis pela falência do aparelho.

O “modus operandi” de condução, realização e finalização das reformas inadiáveis do estado brasileiro exige mais democracia, mais transparência, e, principalmente, uma compreensão mais clara, mais abrangente, do modelo de estado mínimo que necessitamos, atual e moderno, sem dúvida, mas, sobretudo, comprometido com um conjunto de mudanças sociais que integrem todos os brasileiros, social e economicamente.

Inaceitável e intolerável, pois, a dilapidação do patrimônio público e a desmoralização dos servidores, em ilusão e confissão ingênua dos seus autores de que a “mão invisível do mercado” possa resolver as graves disparidades da nação.

Resta positivo, entretanto, que deste conflito de interesses, emergirá, com certeza, um novo conceito de servidor público e um novo conceito de cidadão, este ora redenominado “melhor cliente do Estado”. Atendimento de demandas, qualidade, rapidez e eficácia, passarão a ser critérios de aferição da qualidade dos serviços públicos.

O modelo de gerenciamento da coisa pública passa, necessariamente, de autoritário para participativo, essencialmente democrático. A improvisação se torna proibitiva, prevalecendo o planejamento, a organização e a estratégia de ação. O grande desafio do Estado moderno será o gerenciamento de todos os seus recursos materiais e financeiros, mas, principalmente, dos seus recursos humanos.

As diferenças de qualidade e eficiência dos serviços públicos - entre os diversos níveis de organizações de Estado - serão determinadas pela qualidade desta relação de poder, e de exercício de poder, entre a população, os agentes políticos e os servidores públicos.

Ao defendermos o Estado, não podemos deixar de observar as graves transformações que o mundo vivencia, e ao patrocinarmos esta defesa, reconhecer as imensas responsabilidades que nos alcançam, muito além das corporações e dos interesses pessoais.

O povo escravizado

“Resulta que encontra-se escravizada a sociedade por uma ditadura parlamentar, em todos os níveis da organização do Estado brasileiro”.

A política e sua (des/dis)função é um assunto chato e recorrente. Mas inevitável. A contínua incapacidade do setor público de realizar melhorias expressivas na oferta de bens e serviços públicos, notadamente nas áreas de saúde, educação e segurança, associada à crescente concentração e elevação tributária, têm aumentado o nível de repúdio, queixas e pressões da sociedade relativamente ao Parlamento. Objetivamente, trata-se da constatação de que a sociedade está desamparada e abandonada à própria sorte e às eventuais soluções tópicas e passageiras, quando não oportunistas.

O comportamento e a omissão dos políticos - parlamentares e executivos, depósitários formais e legais da esperança popular, já extrapolou o limite da tolerância. O mais irritante é que fazem um jogo de cena. São favoráveis a investimentos nas áreas de saúde, educação e segurança, bem como à redução da carga tributária. Entretanto, é um discurso para “manutenção de imagem pessoal”, tipo “todos defendem, logo preciso defender também”, haja vista que não há repercussões e soluções objetivas, nem comprometimentos sérios com estas transformações.

Esta não solução e inércia está relacionada ao permanente empenho de parlamentares em “ficar de bem com o Governo” visando a obtenção e liberação de favores e verbas oficiais, ou evitar a hostilização política. Não lhes é “conveniente e oportuno” causar constrangimentos ao governo.

Importa relacionar também como elemento que contribui para o estado de inércia parlamentar o fato de que estes assuntos e temas não têm apelo eleitoral – embora devessem ter!, determinando a hegemonia retórica, política e eleitoral de assuntos pontuais e de demanda localizada.

Enquanto isto, sucedem-se os abusos no setor público. Gastos incontroláveis, estagiários e serviços terceirizados às centenas, propaganda e publicidade de monopólios estatais e atividades-meio, auto-promoção e remuneração abusiva, ressarcimentos de despesas que ofendem a inteligência popular, a exemplo do pagamento de 96 diárias anuais e R$1,00 por km rodado, de nossa Assembléia Legislativa do Estado.

Nestes termos, combinada a natureza da omissão e as razões de conveniência pessoal dos parlamentares, resulta que encontra-se escravizada a sociedade por uma ditadura parlamentar, em todos os níveis da organização do Estado brasileiro, seja no âmbito dos Municípios, dos Estados e da União.

Qualquer expectativa de mudanças sérias e estruturais do Estado Brasileiro, em todos os níveis, somente será possível com a participação ativa da sociedade civil. Aliás, um bom começo seria a fixação de faixas salariais para vereadores e deputados estaduais, a extinção do Senado Federal e a redução expressiva do número de Deputados da Câmara Federal e Assembléias Legislativas. E a revisão dos direitos adquiridos, principalmente àqueles relacionados às aposentadorias e pensões.

Afinal, os moradores do Condomínio Brasil podem e devem adequar suas expectativas condominiais à sua realidade e capacidade contributiva, o que pode significar o adiamento/eliminação de obras não essenciais, o corte de serviços terceirizados, a demissão/substituição do zelador e demais funcionários, a redução dos benefícios do síndico, a opção por soluções gerais mais econômicas, etc e tal. Ou não podem?

14 dezembro 2006

Bolsa-Oposição - II

O Governo Lula consolida a participação do PMDB(e quem mais vier) na sua base de apoio, ofertando-lhe maiores e inúmeras vantagens materiais na estrutura administrativa do poder de Estado. Negócio bom para as partes. O PMDB obtém mais poder e disponibilidade orçamentária(e de nomeações), enquanto que o PT amplia sua base de apoio no Congresso, na expectativa de aprovar seus projetos.

Prejudicados apenas os representados, isto é, os eleitores de ambas as partes. Em primeiro lugar, porque há um descumprimento e desrespeito dos papéis institucionais reservados aos mencionados partidos; isto é, um de governar, e o outro de fazer oposição e fiscalizar. Em segundo lugar, fica aquela sensação incômoda de quebra de confiança e delegação, confirmando a máxima popular de permanente desconfiança.

Bem, este é um lado da “coisa”. De outro lado, argumentaria um hipotético defensor governamental que trata-se apenas de consolidar uma maioria congressual, capaz e suficiente para promover um conjunto de reformas inadiáveis e importantes para a nação.

Mas qual é o conjunto de reformas inadiáveis e importantes para a nação? Qual é a natureza das reformas e quem são seus possíveis “perdedores”(pagadores) ou “vencedores”(beneficiários)? Há reformas consensuais num país com tantas disparidades, com tantos “feudos”? Quais são as rupturas necessárias para a viabilização de um país mais justo?

No meu entendimento, este é o debate que deveria anteceder a formação das alianças. A definição do conjunto das reformas e o balanço de perdas e ganhos sociais, possibilitando uma visão de conjunto, suficiente para a compreensão e avaliação do povo, e, sobretudo, a responsabilização partidária.

Por enquanto, a depor contra a iniciativa das partes, é nosso histórico político-partidário. Sabem todos que a prática política tem os olhos (e a conduta) voltados para o futuro, isto é, o político não é o que tem sido, nem é o que foi ontem, mas é o que pode vir a ser. Importa-lhe a sobrevivência, custe o que custar

Réquiem para Fidel

“O que sempre fez do Estado um verdadeiro inferno na terra

foram precisamente as tentativas para transformá-lo num paraíso.”

Friedrich Hoelderlin

Uma das passagens mais comovedoras da história mundial recente, foi, sem dúvida, a derrubada da ditadura cubana de Fulgêncio Batista, perpetrada por um grupo de jovens idealistas, liderados por Fidel Castro (1959).

Fraudadas as expectativas de justiça e igualdade pelos tiranos europeus, o sonho do socialismo renovava-se na pequena ilha, até então lugar de veraneio e exploração comercial norte-americana.

Rapidamente, Fidel e Guevara, companheiros de primeira hora, transformaram-se em ícones mundiais da juventude e das elites intelectuais, ainda traumatizadas pelos efeitos das guerras recentes, a frustração soviética, e desejantes de um período de paz e justiça social.

Correu o tempo, mais de 40 anos, o mundo experimentou diversas mudanças, sociais, políticas, econômicas e culturais, principalmente. Entre estas mudanças, as mais significativas foram a desconstituição da União Soviética e a queda do Muro de Berlim, sepultando, definitivamente, a idéia do partido único e o dirigismo estatal; ou, em outras palavras, o fim do comunismo.

Mas o tempo parara em Cuba. Apesar das inúmeras desculpas oficiais, tipo embargo econômico, “a morte do padrinho soviético”, o perigo norte-americano, perpetrou-se uma ditadura personalista e reacionária, a exemplo dos decadentes e decaídos modelos europeus, embora mantido o discurso juvenil e a pretensão socializante.

Descontado o regime e o estilo jurássico, ainda assim persistia, e persiste, em alguns meios políticos e intelectuais uma tolerância com Fidel, por conta de propalados indicadores de educação e saúde do país. No entanto, a realidade é que faz muito tempo, mais de 20 anos, que as ilusões perderam-se em meio às atrocidades e abusos cometidos em nome do regime político.

Não faz muito tempo, haja vista a notícia do fuzilamento de três dissidentes/fugitivos do regime, Cuba e Fidel voltaram às manchetes, perdendo seus últimos simpatizantes. E, recentemente, a pá de cal. Diante da notícia da grave enfermidade de Fidel, noticiou-se a transferência do poder ao seu irmão Raul Castro, seu sucessor natural. Quer dizer, monárquico, dinástico. Pobre povo cubano. Materialmente falta-lhe tudo, mas falta-lhe, ultimamente, a indignação e a rebeldia.

Mas ainda assim, com a prenunciada morte de Fidel, não lhe faltarão as homenagens póstumas prestadas pelos seus súditos, que insistem em permanecer algemados ao passado, tiranizados por uma ilusão discursiva e uma prática cínica e cruel. Paz, liberdade e prosperidade, ideais humanos e universais, sempre patrocinaram e gestaram tiranos.

Como bem ensina o poeta alemão Friedrich Hoelderlin(1770-1843), escolado nas experiências de antanho: “o que sempre fez do Estado um verdadeiro inferno na terra foram precisamente as tentativas de transformá-lo num paraíso”.