26 junho 2007

Coração de Estudante

“Quero falar de uma coisa, adivinha onde ela anda? Deve estar dentro do peito ou caminha pelo ar, pode estar aqui do lado, bem mais perto que pensamos, a folha da juventude, é o nome certo desse amor”.
Coração de Estudante, de Milton Nascimento e Wagner Tiso

Inexorável, o tempo rouba a juventude. Há quem diga que floresce um novo tempo, cujos passos e gestos lentos, longe de significar fraqueza, revelariam sabedoria.

Mas, às vezes, o tempo também rouba a alma. Por isto, na lembrança tantos gestos e desejos de força, de vontade, de rebeldia, de mudança.

O conformismo invade corpos e mentes, derrubando ícones. Cala a alma, cega os olhos e sufoca a indignação.

Mas resta sempre a esperança e a certeza na geração seguinte. As vozes do coração.

Todavia, emerge, forte e triste, a constatação do envelhecimento precoce da juventude. Senão, onde estão os estudantes secundaristas e universitários e suas bandeiras? Perdidos no túnel do tempo?

Não bastaria o exemplo do jovem chinês à frente do tanque de guerra, desafiando com o próprio corpo não apenas a máquina, mas um modelo de poder?

Ou dos brasileiros que foram às ruas pelo “Estado de Direito”, contra a ditadura militar, pela “anistia ampla, geral e irrestrita”, pelas “Diretas Já”, ou, mais recentemente, pelo “Fora Collor”?

As perguntas que o tempo nos faz em todas as esquinas do próprio tempo são desafios apenas respondidos pelo coração.

Força silenciosa, que mesmo sem saber, às vezes, o sentido da razão, diz, intuitivamente, que aquela é a hora e aquele é o caminho a seguir na encruzilhada das gerações.

Não cabe alegar crise de valores, falta de oportunidades, ausência de bandeiras. Trata-se de não aceitar o envelhecimento precoce do espírito, porque, naturalmente, contrário às ordens do coração!

Poderia falar de família, de drogas, de desemprego, de política e corrupção, e recolher em cada assunto a indignação de um tempo que massacra e que descaracteriza o sentido da vida e da idéia de juventude.

Ou perguntar, objetivamente, como está a educação e a escola pública? E a cada vez mais cara universidade, instrumento de formação profissional, cívica e civilizatória, que não tem formado cidadãos, e que vive e convive às voltas com “mestres e doutores no próprio umbigo”?

E as questões acadêmicas cotidianas como crédito educativo, conteúdo curricular, provão, transporte coletivo, estágio, mercado de trabalho, especialização, emprego e trabalho?

Mas há quem diga que não há mais bandeiras de luta! Ou supõem como bandeira de luta as patéticas ocupações de reitorias, dissimulando suas inegáveis identidades partidárias e jurássicas ideologias, empenhados em “proteger” os novos donos do poder?

Final e tristemente, há também quem diga que a juventude ”acabou”. Acorda, coração de estudante! Acorda!

16 junho 2007

Ilusão de Ótica e de Ação

A ascensão e queda das expectativas políticas nutridas pelos militantes partidários e pelo povo, bem como a histórica e repetida evaporação das esperanças depositadas nas urnas, parecem ser uma sina, uma danação, uma praga brasileira.

Regra geral, uma vez no poder, os partidos e seus representantes acomodam-se de tal modo que esquecem o conjunto das promessas e das responsabilidades públicas.

Por exemplo, o PT - a frustração do momento de eleitores e partidários, confirma que não tinha um projeto de governo. Apenas um projeto de poder. Quer dizer, bom para ele, pior para o povo.

Estes fenômenos de transformação da essência partidária e ideológica não são novos. A Arena, por exemplo, de um projeto de transformação da política nacional, redundou num monstrengo. O PMDB, que sucedera a Arena, igualmente migrou de uma esperança e unanimidade para uma decepção unânime nacional.

Entretanto, em comum e em qualquer época, os partidos têm alguns filiados e simpatizantes que supõem que ainda resta uma possibilidade de retomada do caminho e da vocação original.

Trata-se da mudança/revolução por dentro. Embora possa significar uma esperança para partidários e eleitores, trata-se, infelizmente, de uma ilusão de ótica e ação, de um desejo que não resiste à realidade.

As estruturas partidárias são rígidas e extremamente sensíveis à influência/benefícios/regalias do poder. Não são sensíveis aos sonhos e idealismos.

Na verdade, sempre reinou um clima de salve-se quem puder, isto é, quem está dentro, está dentro e pode se dar bem. Basta não incomodar.

Em suma, sucedem-se compromissos e trajetórias históricas e populares comprometidas pela ambição, soberba e arrogância dos carreiristas.

Começa-se com pequenas concessões e acaba-se em grandes escândalos. E belas páginas da história de um partido vão para o ralo da história maior.

A lastimar neste processo de pauperização da prática política, é que, regra geral, muitos inocentes tombam no caminho, implacavelmente. Vítimas da retórica e da demagogia!

Mas tombam também pelo caminho as esperanças, cada vez mais escassas, e crescem as descrenças e as desconfianças nas possibilidades de superação de nossas contradições sociais através deste processo político-eleitoral.

Em verdade, neste vai-vem da política, aprendemos a sentir o amargo sabor da verdade e da realidade. Á medida que a utopia e a paixão dão lugar à compreensão acerca das fraquezas humanas e das vocações autoritárias dos grupelhos políticos, aprendemos a valorizar os instrumentos básicos de um Estado Democrático de Direito.

O que não significa que devamos abafar ou sepultar os nobres sentimentos e esperanças que alimentamos em nossas consciências, sobretudo em torno de um senso de justiça social, nem diminuir nosso empenho e participação comunitária.

A aprender, é que na política, como no amor, por conta de nossa idealização, demoramos em ver os defeitos de nosso objeto amoroso.

12 junho 2007

Os Homens-Invisíveis

As crescentes dificuldades que nosso povo tem enfrentado, haja vista o evidente empobrecimento geral, têm gerado e lançado às ruas um exército de viradores de lixo, catadores de papel, guardadores de carro, moradores de rua (sem-teto), enfim, uma multidão de sem-nada!

Tirante a estética da pobreza, que enriquece poucos e que a mídia explora muito bem, notadamente o cinema e a televisão, resta a verdade nua e crua das rotinas de sobrevivência, onde se confundem situações de exclusão absoluta, degradação humana, alcoolismo, loucura, perda de identidade, entre outras situações.

Miséria, fome, fracasso, sofrimento, é o que têm em comum estes personagens de nosso cotidiano. Eu disse nosso cotidiano?! Errado!

Eles são os homens-invisíveis. Ninguém os vê, ninguém os percebe. Apesar de estarem aqui, ali e acolá, é como se não existissem. Pois esta é uma resolução de nossa sociedade. Ignora-se!

Gestos isolados, como a mão que alcança uns trocados, uma roupa usada, um cigarro pela metade, não tornam seus corpos visíveis por inteiro, salvo a mão estendida.

Seus rostos, seus espíritos, suas almas, continuam nas trevas às quais os relegamos. Nem ousamos olhar em seus olhos porque insuportável.

Olhar fixamente em seus olhos é como uma fotografia que nos acompanhará para sempre. Incomodativa e indeletável!

São homens, mulheres e crianças, são os homens- invisíveis que caminham à margem de nossos belos e floridos jardins, com quem cruzamos à caminho do trabalho, à saída para as baladas noturnas, à porta de nossas soberbas e centenárias igrejas e palácios de governo.

São nossos irmãos estes homens-invisíveis!


De frente pro crime

Tá lá o corpo estendido no chão
Em vez de rosto uma foto de um gol
Em vez de reza uma praga de alguém
E um silêncio servindo de amém
Pôxa, cara, tô ligado no seu drama
Com a cara nessa lama teve medo de morrer
de viver, de sofrer, de nem ter o que comer
Ninguém liga pra você
Ninguém liga nem nunca ligou
O bar mais perto depressa lotou
Malandro junto com trabalhador
Um homem subiu na mesa de um bar
E fez discurso pra vereador
É, ninguém liga pra você nem nunca ligou
Hoje sobra tanta indiferença, indignação
Falta luz, falta governo, falta educação
Tanto que com o preconceito em alta
Só não sentem a tua falta, meu irmão!
Veio camelô vender anel, cordão, perfume barato
E baiana pra fazer pastel e um bom churrasco de gato
Quatro horas da manhã baixou o santo na porta-bandeira
E a moçada resolveu parar e então
Tá lá o corpo estendido no chão
Quem sabe agora você pode descansar,
Se livrar da injustiça
Desse medo dos bandidos
Medo da polícia
Maldita cena projetada na janela
TV de todo dia, gente pobre é sempre réu
O que te resta é um pouco dessa lua
Refletida na sarjeta, teu pedaço lá do céu
Sem pressa foi cada um pro seu lado
Pensando numa mulher ou num time
Olhei o corpo no chão e fechei
Minha janela de frente pro crime

(música de João Bosco e Aldir Blanc - 1975)

07 junho 2007

A Universidade Estadual e Seu Erro de Nascença

A criação e desenvolvimento de uma universidade estadual é uma meta administrativa complexa e polêmica, seja pelas razões econômico-financeiras do empreendimento (e do próprio Estado), seja quanto à natureza de sua definição estratégico-pedagógica.

Na véspera de sua criação legal, tive oportunidade de participar de inúmeras atividades de mobilização, estudos e divulgação. Pois, a razão deste artigo é justamente recuperar uma concepção pessoal acerca de uma hipótese alternativa de implemento e concretização da UERGS, já defendida à época.

No meu entendimento, o pressuposto essencial para a definição e caracterização de uma universidade estadual pública demandaria a prévia confecção de um raio-x das atuais universidades gaúchas - federais, privadas e comunitárias, de modo a demonstrar sua situação patrimonial-financeiro, humana, físico-estrutural, grau de inserção social, áreas de influência geográfica e pedagógica, os graus de expectativa e repercussão sócio-econômica regionais, entre outros indicadores (1).

Com certeza, este diagnóstico haveria de revelar a importância e a necessidade de promover, primeiramente, a integração institucional e acadêmica das regiões e do Estado (2).

Consequentemente, promover e assegurar a representação da sociedade, a previsão e oneração dos municípios via lei Orgânica Municipal, o comprometimento empresarial, a formalização rotineira de convênios nacionais e internacionais de repercussão técnico-pedagógica e financeira (3).

O estudo prévio revelaria, também, com certeza, a urgência e necessidade de democratização política e administrativa das atuais universidades, a publicidade de suas planilhas de receitas e despesas, comprometendo-as com metas de otimização das receitas e redução de custos (4).

O máximo atendimento destes pré-requisitos (1-2-3-4), pelas atuais universidades, seria o pressuposto de acesso a um crédito educativo estadual ampliado, aos recursos de pesquisa e aos convênios/parcerias com a futura universidade estadual pública.

Na realização (ou não) destes pré-requisitos se revelariam as condições necessárias de ação/intervenção de uma hipotética universidade estadual. Aliás, cujas metas deveriam se concentrar em áreas altamente estratégicas e especializadas, fundada nos princípios da auto-sustentabilidade, inspirada no trinômio negócios-tecnologia-ecologia, e tendo como regra básica a não sobreposição de objetivos e cursos em relação às demais e atuais entidades universitárias.

Finalmente, sua base de apoio pedagógico - material e humano - deveria se constituir a partir dos recursos existentes (entre as atuais universidades privadas e/ou públicas, comunitárias e/ou federais), realizando seus objetivos através de contratos temporários, de médio e longo prazo, planos de metas e gestão, norteando e se concentrando - sempre e apenas - nos seus fins, e não na constituição de repetitivos, onerosos e comprometedores meios físicos e humanos, a exemplo de construção de prédios e contratação de professores.

05 junho 2007

Políticos e o Mal de Alzheimer

O Mal de Alzheimer é uma doença degenerativa do cérebro caracterizada por uma perda das faculdades cognitivas e de memória.

O nome da doença é um tributo aos estudos realizados por Alois Alzheimer (1864-1915), neuropatologista alemão (ver Wikipédia na internet).

O início da doença pode se dar com alterações de personalidade. Com a progressão da doença, se agravam efeitos de amnésia. .

Não se trata de uma simples falha na memória, mas sim de uma progressiva incapacidade. Na sua fase adiantada, os pacientes já não apresentam mais condições de se perceberem doentes, por falha da autocrítica.

Há uma piora crescente na consciência de si próprio e dos outros. Sintomas depressivos são comuns, com instabilidade emocional e choros. Há uma total perda de noção de lugar e de tempo.

Agora, me diga, são ou não são sintomas típicos de muitos políticos brasileiros?! Esquecem tudo, compromissos, promessas, companheiros, partidos e vergonha na cara. Virou epidemia. Surto. Praga.

Esquecem, principalmente, a origem e o destino do dinheiro da campanha eleitoral, do dinheiro pessoal, do dinheiro dos financiadores de campanha. Esquecem até como pagaram suas próprias despesas!

Esquecem os nomes das pessoas, o local e a data de suas reuniões, o destino e a razão das viagens que realizaram. Perdem suas agendas e esquecem todos seus telefonemas.

No escândalo mais recente, o senador Renan Calheiros também não lembra a origem do dinheiro com que pagava a “pensão alimentícia” da filha de três aninhos de idade. R$12.500,00 por mês! Imagina lembrar-se de uma merreca dessas!

Jacques Wagner, recém eleito governador da Bahia, também não lembra quem era o dono da lancha emprestada que utilizou para passear com a Ministra Dilma Roussef.

Antes deles, o Delúbio, o Silvinho, o Marcos Valério, Roberto Jefferson e demais participantes da gangue do mensalão, também esqueceram nomes, procedimentos, valores e contas bancárias. Esqueceram tudo.

Quando flagrados em contradições (e delitos), entram em depressão, choram copiosamente e, regra geral, apresentam atestado médico. Enfim, todos os sintomas são típicos e coincidentes.

Mas há outros casos interessantes. Fernando Henrique Cardoso não só esqueceu o que havia escrito, como pediu para que a gente também esquecesse. Pode?

O caso de Lula é gravíssimo. Esqueceu tudo. O passado de sindicalista, as origens do PT, as denúncias que fazia contra os governos anteriores, os tradicionais adversários políticos, o lucro dos bancos. Esqueceu até mesmo porque mesmo é que queria ser Presidente. E, ultimamente, anda com mania de perfeição!

O agora senador Collor de Mello também esqueceu tudo, tanto que voltou à Brasília como se nada houvera no passado. Mas, estranhamente, sempre pareceu que ele tinha uma certa consciência sobre a gravidade e inevitabilidade da doença, tanto que pedia insistentemente: “Não me deixem só!”.

Mas há quem diga que o mal de Alzheimer é uma doença endêmica que também afeta o eleitorado brasileiro a cada quatro anos.

Bem, haja vista a similaridade patológica, e como sugestão para os cientistas nas pesquisas laboratoriais do Mal de Alzheimer, creio que poderiam usar alguns políticos ao invés de ratos.