26 junho 2008

Relativismo e resignação

Em eleições recentes, tanto na Europa quanto na América do Norte, a questão dos valores ético-morais ocupou uma parcela expressiva das campanhas políticas. Os ditos valores são aqueles tradicionalmente lembrados, a exemplo de mérito, autoridade, ordem, segurança, pátria e família.

Por sua natureza não conservadora, também são lembrados em discursos opostos as questões relacionadas à solidariedade, responsabilidade, universalidade e serviço público. Não menos importantes!

A oportunidade do presente artigo, convém observar, não implica defender uma perspectiva moralizadora de viés tipicamente conservador.

A pertinência do debate se constitui a partir da óbvia constatação de que a política virou caso de polícia e justiça.

Não é a toa que assistimos à plenitude da judicialização da política nacional. Aliás, essa judicialização não se dá em torno de questões de direito e liberdade, como seria normal, mas em torno da proteção de valores sociais, éticos e morais.

Na semana em que nossa comunidade foi “homenageada” com uma reportagem de repercussão nacional, e também face às eleições que se avizinham, é oportuno tecermos alguns comentários, mais precisamente sobre o relativismo ético-moral e a resignação do cidadão!

Inicialmente, importa observar que o rigor crítico da maioria das pessoas é relativo e, normalmente, opera-se conceitualmente da proporção da distância física da pessoa e do comportamento sob exame e crítica.

Dizendo de outro modo, é fácil criticar (embora com razão!) aqueles que estão longe (em Brasília, Rio, São Paulo), como deputados, senadores e empresários.

Ou criticando (também com razão!) o próprio Presidente da República, que continua nada vendo e sabendo sobre roubos e escândalos, inclusive no próprio andar de seu gabinete, e, pior, repetindo a ladainha “do nada sei!” como se nela acreditássemos. Embora alguns realmente acreditem!

Sempre se disse que o brasileiro é um sujeito pacato e passivo, acostumado a aceitar todas as adversidades pessoais e as causadas por terceiros (especialmente os políticos!).

Senão, como explicar a aceitação popular de tantos políticos com ficha policial e que acabam socialmente absolvidos e reeleitos pela própria população?

Estudiosos do comportamento humano afirmam que o homem resignado tem ambições concretas e pensa no futuro imediato, no necessário e no essencial. Regra geral de baixa escolaridade, não domina o pensamento subjetivo e nem de longo prazo.

Além de aplicar um relativismo moral e ético, o resignado eleitor suporta a tudo isso sem se revoltar e sem esboçar reação.

A tolerância do eleitor acaba por contaminar os partidos, que não só abdicam dessa crítica, como inclusive apresentam candidatos com perfis pessoais discutíveis e duvidosos.

Mas há algo errado se “todos” continuam falando de uma perda geral de valores, criticando o relativismo social, a falta de solidariedade, a deslealdade, enfim, as tradições abandonadas, a exemplo de moral e ética!

Então, como explicar, no âmbito familiar e comunitário, esse relativismo moral e esta resignação?

O relativismo ético-moral e a resignação evidenciam que “outros níveis de realidade” são muito importantes, como os negócios, os interesses, a “velha política e o velho direito”.

De modo que o discurso da moralização da vida pública está restrito aos ambientes internos, cínica e hipocritamente. À voz pequena, sem convicção!

19 junho 2008

Hegel e a Amazônia

Georg Wilhelm Friedrich Hegel (1770-1831) afirma que o ser humano só se pode constituir pela confrontação de, pelo menos, dois desejos assimétricos (não iguais).

Assim, se tornaria escravo aquele que colocasse sua vida acima de sua liberdade, e por isso pararia de lutar. E, contrariamente, se tornaria senhor aquele que colocasse sua liberdade acima de sua vida, e por isso continuaria lutando!

O filósofo alemão observava que a história humana é exuberante no estabelecimento e afirmação de relações de senhorio e servidão, e que passam, regra geral, pelas guerras, uma forma extremada de submeter um povo à vontade do outro.

O equilíbrio de poder que havia entre os Estados Unidos e a União Soviética de algum modo sempre refreou a hipótese de ocorrência de uma nova guerra, ou a disseminação de várias guerras.

Mas com o “desmonte” da URSS este equilíbrio não existe mais. Conseqüentemente, os EUA estão livres para tornar a guerra uma prática corriqueira e banal, o que de fato já estão fazendo e continuarão a fazer.

Assim, temos e teremos uma sucessão de micro-guerras, a pretexto de qualquer palavra de ordem. A Guerra do Iraque é um exemplo.

Mas se os norte-americanos destruíram o Estado Iraque, sua infra-estrutura e suas instituições sócio-políticas, não foram, todavia, capazes de liquidar a vontade dos que optaram por resistir.

Neste sentido, a resistência iraquiana e sua insubmissão – negação da servidão, demonstra que à falta de base política e/ou legitimidade local, toda ocupação fracassa, ainda que baseada em poderio tecnológico superior.

Também é verdade que a ocorrência da guerra é um fracasso da política. Da ausência ou incompetência de interlocução.

O redescoberto e famoso Sun Tzu já dizia que “a guerra perfeita é aquela que não chega a ser travada. O estrategista perfeito é o que consegue quebrar a vontade do outro sem ter de arcar com os custos e os riscos de uma guerra de verdade.”

Porque estou escrevendo sobre isso? Porque lembrei da Amazônia. De repente, vem à tona uma enxurrada de notícias e denúncias de pesquisadores e membros das forças armadas acerca de constituição de bases sociais e econômicas estrangeiras, com envolvimento das tribos locais e tentativa de legitimação da ocupação.

Independentemente de nossa evidente incapacidade de gerenciamento daquele megaproblema (ou será megasolução?), creio pertinente uma exemplar reação, sob pena de resultar na submissão e a prevalência do espírito do escravo.

Uma boa oportunidade para o “pessoal do governo” reler Hegel!

12 junho 2008

O Cisne Negro

O recente e retumbante episódio da gravação e divulgação da conversa entre o vice-governador do Estado, Paulo Feijó, e o Chefe da Casa Civil, Cézar Busatto, tem proporcionado uma série de reflexões com pretensões ético-filosóficas.

Em meio às investigações e repercussões relacionadas ao desmonte da quadrilha do Detran, é lógico que as declarações de Busatto foram como que gasolina jogada no fogo.

A pretexto das dificuldades de fazer política “sem sujar as mãos”, ou no exercício da troca de favores para construir maiorias parlamentares, os governos e partidos realizam o “loteamento” dos órgãos públicos.

Dada a natureza do recrutamento de pessoal e compromissos prévios, habitualmente essa prática implica transgressões e negócios escusos, de modo que sempre reinou uma espécie de pacto do silêncio entre os políticos.

Neste sentido, parafraseando o filósofo alemão Ludwig Wittgenstein, resulta que “o que não pode ser dito deve ser calado!”.

Daí que a atual discussão não é sobre o núcleo das suspeitas de fraudes e desvios (roubo!) de dinheiro público, mas, sim, se houve traição e quebra da ética de parte do senhor Feijó?

Porque estão “batendo” no vice-governador? Será a banalização do mal, enunciada pela filósofa Hanna Arendt? Lembra: “quando o mal se banaliza, perdemos a capacidade de indignação”!

Mantido o debate nesses termos, a sujeira continuará debaixo do simbólico tapete de “nossas virtuosas relações sócio-políticas”. Será o triunfo da máxima de Maquiavel: “os fins justificam os meios!”.

Nassim Nicholas Taleb é um professor libanês, residente nos Estados Unidos, autor de um livro chamado "The Black Swan: The Impact of the Highly Improbable". Em português: “O cisne negro: o impacto do altamente improvável” (Valor, São Paulo, 04/06/07).

Antes de a Austrália ser descoberta, todos os cisnes do mundo eram brancos. A Austrália, onde existe o cisne negro, mostrou a possibilidade de uma exceção. A teoria do cisne negro tem três características: altamente inesperado (1), tem grande impacto (2), e, depois de acontecer, procuramos dar uma explicação para fazê-lo parecer o menos aleatório e o mais previsível do que era (3).

O autor prega que é fundamental manter o hábito de questionar estruturas de pensamento e atitudes, mesmo que isso exija ações não-ortodoxas.

Uma vez que o cisne negro apareça, as pessoas devem estar com sua exposição maximizada para ele. Devem acreditar na possibilidade de o mais inusitado acontecer.

Retomando o assunto Feijó-Bussato. Se há um enunciado que diz que todos os cisnes são brancos, e aparece um cisne negro, o certo seria trocar o enunciado para: “Alguns cisnes não são brancos”.

E o que fazem os políticos e a política? “Matam” o cisne preto para não precisar alterar o enunciado!!!

05 junho 2008

Ética, Poder e Corrupção

Os desvios de conduta no exercício do poder, e a corrupção, por conseqüência, são pragas sociais, sem distinção de classe e nível social, de atuação econômica ou funcional.

Infeliz e sistematicamente, nossa nação aparece na lista mundial dos países com maior índice de corrupção. E a categoria-líder nacional, disparada em primeiro lugar, são os políticos, alvos expostos e preferenciais do tiroteio.

Mas, esclareça-se, antecipadamente, que não se trata de um problema de exclusividade do setor público, mas, sim, também do setor privado.

As condutas aéticas e a corrupção nas empresas têm determinado – existem inúmeros estudos a respeito – aumento nos custos médios dos produtos e se constituído como um dos fatores de perda de competitividade nas relações comerciais.

Também não se trata de segmentar a crise de conduta e a corrupção entre pessoas boas OU más, pobres OU ricos, público OU privado (aliás, o público e o privado andam sempre de mãos dadas!).

A verdade é que o povo espera muito dos poderes públicos. Reconhece que sua incorporação social e econômica passa pela ação do estado. Por isto, faz sentido que aguarde bons exemplos e atitudes dos governantes!

Porém, na exata dimensão em que não ocorrem os atos de gestão que viabilizem essas perspectivas sociais, e do mesmo modo que se sucedem os escândalos, cada vez maiores em intensidade e número, a frustração e a resignação contaminam toda a sociedade. E de roldão restam ridicularizados os conceitos de ética, honestidade e justiça!

Vivemos um acentuado e grave ambiente de indiferença social que transcende às relações políticas, pessoais e profissionais, comprometendo conceitos éticos mínimos, fundamentais para constituição de uma verdadeira sociedade e para a superação de suas diferenças estruturais.

Selecionar um corrupto ou um não-ético por semana e exibi-lo em rede nacional de TV não tem diminuído a safadeza nacional. Aliás, ultimamente, sucedem-se as reuniões em que líderes (?) partidários, denunciados e processados pela justiça brasileira, são aplaudidos e reverenciados. E tem quem os adote como modelos!!!

São vários os exemplos dessas “figurinhas carimbadas”, públicas e privadas, que “flutuam no palco” com a desenvoltura de sempre, como se nada houvera; muitos, inclusive, com fama de “competentes e com serviços prestados à população”. Repito: tem quem gosta!!!

De modo que resta uma objetiva pergunta: quem disse que a crise ética e comportamental está restrita à Brasília e aos demais núcleos de poder político?

Trata-se de uma patologia que exige um tratamento sistêmico, cujos pressupostos essenciais são, basicamente, a educação do povo, a transparência dos atos gestão pública, a desconcentração das estruturas de poder, a quebra de monopólios públicos e privados, e principalmente, tocantes aos indiciados, uma eficaz ação e julgamento judicial, com repercussões punitivas.

Daí que as notícias que vem “da corte brasiliense e dos arredores do castelo do rei”, e que dão conta de debochadas articulações e nomeações para cuidar da imagem do reino, são apenas conseqüência e detalhes de um problema muito maior!