26 dezembro 2009

A Outra Noite

“É verdade que esta noite, se às estrelas erradias eu pedir o que desejo, o céu o concederá?”, pergunta Pablo à sua mãe. No Poema de Natal, de Pablo Rojas Guardia, poeta venezuelano (1909-1978).
O natal é o máximo da experiência mágica da infância. Pena que logo, nem tão criança e nem tão adulto, dá lugar ao olhar crítico de nossas desigualdades familiares e sociais.
Nessa noite, quando os sinos da catedral repicarem, lembrarei que devo me comportar como se vivesse no melhor dos reinos.
E, preferencialmente, silenciar e sufocar a lembrança dos meninos e meninas que não acordarão cercados de brinquedos. Que dirá acolhidos em boa cama e cercados do afeto de seus pais!
E para não estragar a festa, prometo sorrir tal qual uma presenteada e feliz criança, enquanto submeto o adulto ao silêncio e a anestesia proporcionada pela boa comida e bebida.
E em nome da paz festiva, familiar e social, ainda que falsa aliança, também prometo deixar de lado os transtornos e assuntos que me lembram que há “lá fora” uma guerra pela sobrevivência.
A maioria consegue festejar, presentear, beber e comer como se não houvesse um mundo exterior. E nem falo daquele distante, mas aquele bem próximo, às vezes do outro lado de nossos altos muros, de nossas cercas elétricas e de nossas guaritas.
Guarita onde passa a noite de natal o nosso guardinha, distante de sua família e em troca de algumas moedas de ouro, óleo de mirra e incenso.
Há uma força oculta no natal. Uma força que não é verdadeiramente cristã. Que nos atrai às festas, às comemorações e para um desfile de dissimulação.
O natal resta como um imenso imã de atração coletiva e de objetivos comerciais e festivos. O lembrado e milenar ícone religioso é apenas mais um garoto propaganda!
O natal que me atrai não é o dos festejos e dos presentes. O natal que me atrai é aquele que não houve. Afinal, onde está o amor desinteressado, comprometido e fraternalmente engajado?
Não estamos escravizados pela ostentação de poder e riqueza e de um exibicionismo acerca de uma felicidade festiva e irreal?
Sabemos que a felicidade real não é do jeito que é declarada e exibida nessa época do ano. Então, esse exibicionismo natalino não é uma forma ostensiva de poder e vaidade?
Bem, repito, prometi me comportar. Mas, em silêncio lembrarei o verso do poeta Manuel Bandeira: “Sou bem nascido. Menino fui, como os demais, feliz. Depois, veio o mau destino e fez de mim o que quis”.
E agora, faltando poucas horas, diante do espelho do meu quarto invoco sua magia e nele me escondo por um dia.
E, imediatamente, deixo sair de lá um menino faceiro que corre rápido de olho na árvore de natal e na chaminé. E, quem sabe, sortudo, ainda ouvir um alô de despedida do barbudo: “Hohoho, hohoho!”

21 dezembro 2009

Merda

Outro dia, o presidente Lula estava em São Luís do Maranhão e disse o seguinte: “Eu quero saber se o povo está na merda, e eu quero tirar o povo da merda em que ele se encontra.”
Sobre a nunca dantes, exagerada, contínua e inesgotável auto-exaltação de Lula, já não cabe mais comentários. E muito menos sobre seu vocabulário!
Querer enquadrar comportalmente o presidente Lula é um caso perdido. Ele está possuído. Embriagado pelo poder ilimitado e reverencial.
Outros presidentes também cometeram falas impróprias. À conta da emoção e da empolgação. Em alguns casos, à conta da própria ignorância!
Claro que alguém poderia lhe explicar o que representa a palavra de um Presidente. Que a função pública tem ônus que se impõem para além da pessoa e da própria fala.
Perda de tempo, com certeza. Não adianta explicar isso pro Lula. Ele realmente acredita que tudo pode e que (re) inventou o Brasil!
Nessa “enxurrada verborrágica”, o que mais impressiona é o tamanho do cordão dos puxa-sacos que imediatamente têm explicações sociológicas, políticas e marqueteiras, em qualquer circunstância.
Como não há autocrítica, nem bom senso, às bobagens do dia seguem-se as dos assessores ensimesmados, embriagados de poder, vaidade e cegueira.
Sabemos que o poder (e suas vantagens!) favorece esse tipo de reação. Felipe Gonzalez, ex-primeiro-ministro da Espanha, disse certa vez:
“Raras vezes as coisas ocorrem pela primeira vez, ainda que assim seja a experiência pessoal de muitas pessoas. Por isso há tantos governos “adãonistas”, que crêem que tudo o que fazem, ou o que lhes passa, é a primeira vez que ocorre. Isso os leva a pensar que estão criando sempre, ex-novo, que estão reinventando a “república”, até que caia em cima deles o peso da história, com suas constantes sociais e seu próprio ritmo, com suas idas e vindas inevitáveis".
Bem, é natal, é ano-novo. Sejamos misericordiosos e tolerantes. E vamos ser justos com o Lula, pelo menos nesse caso: nunca se falou tanta merda no Brasil!
Principalmente, em Brasília. Explicações para apoio político para ladrões, mesadas, mensalinhos e mensalões, dinheiro nas cuecas, nas meias e para o panetone dos pobres!
E sabe por que devemos perdoar? Porque você, assim como eu, já usou a expressão “merda” como substantivo, adjetivo, interjeição, comparação, metáfora, e/ou outra expressão gramática qualquer.
Por exemplo, como destinação geográfica, querendo saber onde fica determinado lugar: “Onde fica essa merda?” Ou quando “encheu o saco” de um lugar, de uma festa, de uma reunião: “Vou embora dessa merda!”
Irritado com alguém, invés mandar para o inferno, radicaliza: “Vá à merda!” Ou, ao indagar aquele profissional pelo serviço mal feito: “Fez merda, né?”
Na estrada, de carro, no meio do temporal e chuva forte, para definir uma situação visual: “Não se enxerga merda nenhuma!”
No trabalho, quantificando, quando o chefe não vê seu desempenho: “Trabalho prá caramba e não ganho merda nenhuma!” Na reunião social, impressionado com a atitude do outro: “O que esse merda pensa que é?”
E, finalmente, logo depois do natal, agora semana que vem, ressentido, dirá: “Não ganhei merda nenhuma de presente!”

11 dezembro 2009

Paraíso Tropical

Não são poucos os filmes estrangeiros que têm cenas e diálogos que fazem referência à fuga de bandidos para o Brasil.
Como assíduo assistente de cinema, confesso que isso sempre me chateava. Acreditava que era uma perseguição, um deboche, um abuso dos cineastas. Mas era a falta de informações e o patriotismo que me cegavam.
Muito antes de abrigar nazistas, ladrões e traficantes de drogas, já tínhamos um histórico e “belo” currículo de terra sem lei. Muito antes de abrigarmos os famosíssimos Ronald Biggs, Josef Mengele. Tommaso Buscetta e Juan Carlos Abadia (entre outros menos famosos).
Dizem que os principais fatores que ajudam os criminosos são a corrupção e a informalidade da economia brasileira. A facilidade para fugir e fazer a “lavagem” de dinheiro. E a fama de que nossa polícia não prende, a justiça não pune e o processo judicial é frágil!
Porém, segundo a Polícia Federal essa fama é coisa do passado. Hoje teríamos um expressivo índice de prisões e extradições. O Brasil não seria mais o refúgio e paraíso de ladrões e bandidos internacionais.
Esse assunto sobre nosso péssimo histórico voltou à tona graças à questão envolvendo o italiano Cesare Battisti. Militante dos Proletários Armados pelo Comunismo, grupo terrorista italiano nos anos 70, Battisti havia fugido para o México. E de lá para a França. Depois, da França rumo ao Brasil!
Preso pela Polícia Federal, teve concedido o pedido de refúgio pelo ministro da Justiça Tarso Genro. Uma decisão contrária a lei brasileira e a Convenção de Genebra.
Battisti já fora condenado pela justiça italiana por quatro homicídios qualificados. Sentenças reafirmadas por Cortes Superiores.
Na França, em atenção ao pedido de extradição formulado pela Itália, o Tribunal de Apelação de Paris, a Corte de Cassação e o Conselho de Estado deferiram o pedido de extradição. Na mesma época, a Corte Européia de Direitos Humanos negou recurso de Battisti.
Agora, faz alguns dias, nosso Supremo Tribunal Federal também decidiu pela extradição. Porém, numa inédita e surpreendente autolimitação estendeu a decisão final ao Presidente da República.
Tudo leva a crer que ouvido e atendido Tarso Genro, seu ministro da justiça, Lula não autorizará a extradição. Contra a provável decisão de Lula pesará o fato de que nunca ocorreu a hipótese de o presidente da república descumprir uma decisão de extradição do STF. Mas como se trata do governo “do nunca antes na história!”, tudo é possível!
Claro que há opções mais “espertas” para livrar o “mui amigo” Battisti. Nossa legislação diz que se o extraditando estiver sendo processado - Battisti responde processo por passaporte falso - a extradição só será executada depois da conclusão da ação penal ou do cumprimento da pena. Isso sem contar que ele poderá simplesmente fugir. Lógico, com ajuda do governo, como fez a França!
E eu nem falei no hondurenho Manuel Zelaya (e mais sessenta companheiros!) que se instalou pacífica e abusadamente na embaixada brasileira. Pior que muito cunhado que se “atira” no nosso sofá da sala e bebe nossas cervejas!

07 dezembro 2009

O Flautista de Hamelin

Se você nunca ouviu falar dos irmãos Grimm, com certeza já ouviu falar, ou leu, ou assistiu filmes relacionados à Branca de Neve, João e Maria, Cinderela e Rapunzel, por exemplo.
Entre diversas outras, os irmãos Grimm são os criadores dessas obras. Algumas têm diferentes versões e adaptações (e autores), dependendo dos países.
Jacob e Wilhelm Grimm são dois alemães nascidos em 1785 e 1786. Mas não se limitaram aos contos e fábulas. Estudiosos de lingüística e folclore, deram grande contribuição à cultura alemã.
Outra famosa estória dos irmãos Grimm é o Flautista de Hamelin. Resumindo, é o seguinte:
Há muito, muitíssimo tempo, na próspera cidade de Hamelin, numa manhã, os habitantes encontraram suas casas e ruas invadidas por milhares de ratos que iam devorando, insaciáveis, os grãos dos celeiros e a comida de suas despensas.
Ninguém sabia o que fazer para acabar com a praga. Por mais que tentassem exterminá-los, ou ao menos afugentá-los, parecia, ao contrário, que mais e mais ratos apareciam.
Ante a gravidade da situação e vendo perigar suas riquezas pela voracidade dos ratos, os moradores anunciaram: “- Daremos cem moedas de ouro a quem nos livrar dos ratos.”
Pouco depois se apresentou um flautista que lhes disse: “- A recompensa será minha. Amanhã não haverá um só rato em Hamelin!”
Dito isso, começou a andar pelas ruas e, enquanto passeava, tocava com sua flauta uma melodia maravilhosa, que encantava aos ratos, que iam saindo de seus esconderijos e seguiam hipnotizados os passos do flautista que tocava incessantemente.
E assim, caminhando e tocando, levou-os a um lugar muito distante da cidade. Por aquele lugar passava um caudaloso rio, onde, ao tentar cruzar para seguir o flautista, todos os ratos morreram afogados.
Os hamelineses respiraram aliviados e felizes. E voltaram aos seus prósperos negócios. O flautista se apresentou e reclamou o pagamento prometido como recompensa.
Porém, livres do problema e cegos por avareza, os moradores negaram o pagamento. “- Não pagaremos tanto ouro por tão pouca coisa como tocar uma flauta!", disseram
Furioso e vingativo, o flautista, da mesma forma que fizera no dia anterior, tocou uma doce melodia. Porém, esta vez eram as crianças da cidade que o seguiam.
Surdos aos pedidos e gritos de seus pais, foram embora, tão longe, tão longe, que ninguém poderia supor onde. E as crianças nunca mais voltaram!”
Enquanto isso, no nosso querido Brasil, de renovadas e inesgotáveis notícias e fatos sobre “ratos” que infestam e assaltam os poderes de estado, os dinheiros e cofres públicos, haverá algum flautista capaz do mesmo serviço? Qual o “preço” a ser pago para nos livrarmos dos ratos?
Ou, finalmente, haveremos nós de empunharmos nossas “flautas” (voto, desobediência civil, protesto) e assumir uma atitude objetiva e acabar com a praga?
Paradoxal e ironicamente, haja vista nossa inibição, silêncio e não ação, tem resultado que desaparecem “as crianças” (esperança e otimismo), e ficam os ratos!!!

01 dezembro 2009

Olim...Piadas

Com as decisões em sediar a Copa do Mundo (2014) e as Olimpíadas (2016), razão de muita polêmica e divergência popular por causa dos astronômicos custos e inevitáveis atos de corrupção e violência (e sem falar na inevitável demagogia governamental e os deslumbramentos previsíveis), “corre” na internet um divertido e irônico texto que não posso deixar de reproduzir.
Basicamente, diz respeito aos possíveis acontecimentos e comportamentos populares e midiáticos que haverão de ocorrer nos próximos meses e anos. Reproduzo e adapto uma pequena parte. Vejamos:
“Periodicamente, as TVs vão entrevistar os idealizadores da candidatura olímpica, que continuarão dizendo que “todo o mundo!!!” queria a candidatura do Rio.
Entre 2010 e 2016, várias ONGs vão surgir e dizer que apóiam o esporte, que tiram crianças das ruas e as afastam das drogas. Após a Olimpíada estas ONGs desaparecerão e serão investigadas por desvio de dinheiro público. Mas ninguém será preso ou indiciado.
Um grupo de funk vai fazer sucesso com uma música (música?), cujo refrão será: “Vou pegar na tua tocha e você põe na minha pira!”.
Um ano antes a Globo vai instalar aqueles relógios gigantescos na orla de Copacabana e em outras capitais fazendo a contagem regressiva para o início dos jogos.
Uma escola de samba vai homenagear os jogos, rimando “Barão de Coubertin” com “Sol da manhã”. Um carro alegórico representará o espírito olímpico do carioca visitando a corte do Olimpo num dia de sol ao raiar do fogo da vitória.
Durante o percurso da tocha, lado a lado com o atleta escolhido, brasileiros vão invadir a rua e correr carregando um cartaz de cartolina onde se lê “GALVÃO FILMA NÓIS - 100% FAVELA DO RATÃO”.
Passistas de fio-dental vão iniciar a cerimônia inaugural dos Jogos mostrando o legado cultural do Rio ao mundo: a bala perdida, o tráfico, o funk e a favela.
Claudia Leite e Ivete Sangalo vão cantar o “hino das olimpíadas” composto por Latino e MC Medalha.
Uma brasileira vai ser filmada várias vezes com um topizinho amarelo, um shortinho verde e a bandeira do Brasil pintada na bochecha. Depois dos jogos ela posará para a revista Playboy sem o top e sem o shortinho, mas com a bandeira pintada em outras partes do corpo que também começam com a letra B.
Uma modelo vai engravidar de um jogador de hóquei americano. Sua mãe vai dar entrevista no Programa da Luciana Gimenez dizendo que sua filha era virgem e que o atleta americano a seduziu com falsas promessas de boa vida nos EUA.
Após o nascimento do bebê ela posará nua e terá um programa de fofocas numa rede de TV de menor expressão.
No primeiro dia, os EUA, a China e o Canadá já somarão um caminhão de medalhas. Mas os jornalistas brasileiros vão continuar dizendo a cada minuto que o Brasil é esperança de medalha em “trocentas” modalidades e certeza de medalha em outras tantas.
Os poucos brasileiros premiados serão idolatrados por 15 minutos como exemplos de força e determinação. Irão no Domingão do Faustão. Também irão no Programa da Hebe, que vai dizer: “eles não são uma gracinha?”

20 novembro 2009

O Outro Poder (o caso bairro Bom Jesus-Santa Cruz do Sul)

Deu no jornal Gazeta do Sul (19-11-09): “Na mesma reunião (com a comunidade!) em que anunciaram o fim da venda de crack no bairro Bom Jesus (Santa Cruz do Sul), traficantes também “proibiram” que o bairro seja utilizado por ladrões como esconderijo de motos furtadas”.
A magistral filósofa Hannah Arendt (1906-1975), nascida alemã e depois naturalizada norte-americana, sintetizou que o fenômeno da violência (e seu incremento) é decorrência da ausência de/da política.
Leia-se “política”, aqui, por favor, como expressão de todo esforço organizado e racional de superação de diferenças sociais, econômicas e culturais, por exemplo.
E, também, não se trata apenas de superação das diferenças, mas sim, principalmente, do esforço de identificação e de mediação das diferenças.
Trago esta reflexão à tona haja vista que se disseminou um clima de insegurança em todas as comunidades de nosso imenso país.
O vertiginoso crescimento e a organização das ações criminosas, associadas às dificuldades operacionais dos órgãos repressivos, bem como a histórica impunidade, refletem o sentimento generalizado de um estado de pânico, quase uma síndrome nacional.
A predominância desse sentimento, desse estado emocional, prejudica a racionalidade das ações necessárias e nos afasta, cada vez mais, da solução das questões relacionadas à violência e à segurança pública.
Evidentemente, há que se ter respostas práticas e objetivas para o enfrentamento da criminalidade, seja pelo aparelhamento e reforço policial-repressivo, seja pelo reexame e adoção de outros modelos punitivos na área judicial e penal.
Mas, de qualquer modo, são alternativas que não sufocam os núcleos geradores da violência, eis que estes continuam intocáveis e não superáveis devido a não vontade da sociedade e da não ação política (ação de governo, ação de poder de estado).
Esclareça-se que a não ação política não é responsabilidade única e isolada do parlamento, por exemplo, ou do judiciário, ou do executivo. Do mesmo modo, a não ação da sociedade não é algo que possamos identificar de modo personalizado e responsabilizado. Mas é um fenômeno que se traduz num estado de inércia e contemplação coletiva.
Porém, se o estado se omite, se a sociedade se omite, em partes ou no todo, os vazios de organização e poder civilizado são ocupados por outras formas de organização e poder, regra geral pelo predomínio do medo e da violência. Não há vácuo de poder!
Exemplo nacional de agilidade e operacionalidade de (re) organização dos núcleos de poder nas localidades onde o estado não se faz presente são as favelas cariocas, amplamente dominadas pelo narcotráfico. Mas já não é “privilégio” do Rio de Janeiro. Todas as grandes cidades têm núcleos geográficos dominados.
Neste sentido, dado o “andar da carroça” em território nacional e a descrição da natureza do processo de ocupação dos vácuos de poder, não deveria haver surpresas com as notícias recentes que dão conta das “deliberações e ultimatos” do outro poder de estado no bairro Bom Jesus!

14 novembro 2009

Mulheres em Transe

Já perceberam acerca da quantidade de livros que tratam de assuntos relacionados à mulher, à sua saúde e estética, ao desejo da maternidade, ao casamento, aos estudos e, principalmente, tocante o sucesso na profissão?
E não são só os livros, mas inúmeras peças de teatro, revistas, “sites e blogs”. E nem me refiro às obras de auto-ajuda. Em geral, chamam atenção pela variedade, instigação e inquietação.
Relativamente às mulheres brasileiras, uma das explicações para esse tsunami comportamental, e já há pesquisas a respeito, informa que as mulheres querem conciliar o trabalho com a posição de mãe e esposa. E ainda se manter bela e atraente!
Claro que já um contingente muito expressivo de mulheres brasileiras que não quer casar, nem quer ter filhos, privilegiando as relações de trabalho e amizade, e limitando os compromissos amorosos às relações sem compromisso formal, tipo “cada um na sua casa!”
Porém, em sua maioria as mulheres brasileiras ainda caminham no sentido inverso de outros países. As européias (metade das alemãs, por exemplo) não querem saber de maridos e filhos. Valorizam a independência, o trabalho, a liberdade e a autonomia. Casar ou não, ter filhos ou não, não chega a lhes perturbar.
Voltando ao Brasil. Os homens já não querem pagar as contas sozinhos. De modo que, mesmo se a mulher quisesse, já não pode ficar em casa apenas cuidando dos filhos. Aliás, nem suas amigas aprovam a dedicação familiar exclusiva.
Mas há também preocupações profissionais. No ambiente de trabalho, brasileiras ainda lidam com remunerações menores relativamente aos homens em cargos equivalentes. O que representa menos prestígio e poder.
Não é a toa que a dificuldade de conciliar todos esses desejos e interesses têm deixado as mulheres brasileiras estressadas e preocupadas.
E nesse conjunto de desejos e frustrações há dois temas recorrentes nos diálogos femininos: a “falta” de homens e a questão da decadência física e estética.
É comum ouvirmos as seguintes frases: "Falta homem no mercado. Os homens querem uma mulher muito mais jovem. Quando um homem se separa, imediatamente ele encontra uma parceira”.
O mais impressionante nesses relatos é que também são expressos por mulheres bem sucedidas. Que têm dinheiro, têm independência, têm saúde e estão bem fisicamente. Por quê?
Afinal, sabemos que “ninguém pode ter tudo”. Mas elas “querem tudo” ao mesmo tempo. É nitidamente um grave problema cultural brasileiro. Minha amiga aqui ao lado me corrige e vai mais longe:
“Se elas não tiverem um homem, não se sentirem jovens, sexy, magras (e não tenham tido um filho), há problemas. Elas não reconhecem seu próprio valor. E, basicamente, tudo gira em torno do corpo e da aparência. Haja cirurgia plástica e botox.”
Resumindo, sem dúvida, é um problema cultural. A culpa será dos homens? Ou das mulheres? Ou de ambos?
Mas como mudar uma cultura, um comportamento, que valoriza a mulher jovem, bonita e sexy (e com marido!), e que transforma, consequentemente, por exemplo, o processo de envelhecimento numa praga, numa “doença”?
Afinal, o que pode haver de mais digno e relevante do que o afeto, a saúde e a competência? Pode a beleza e a juventude (passageira) superar a maturidade das idéias, da personalidade e do charme?

07 novembro 2009

L.I.V.R.O.

É animador e fascinante ver a proliferação de encontros e feiras do livro. O Brasil é um grande produtor e editor mundial de livros. Grande também é o número anual de lançamentos e novos autores.
Mas nossos índices de leitura são baixíssimos. Um dos fatores que contribui para a reduzida média de leitura de livros por habitante é, sem dúvida, o elevado preço dos livros, consequência das baixas tiragens, principalmente.
Considerando os modestos salários da imensa maioria do povo e o conjunto de suas necessidades básicas, o preço relativo do livro é alto.
Por exemplo, um livro que custe R$50,00 representa dez por cento do salário líquido da maioria dos trabalhadores. Portanto, o livro é inacessível e fora das prioridades da família.
O leitor poderá lembrar que há as bibliotecas e os programas governamentais de doação de livros. Porém, bibliotecas quase sempre estão longe, demandam oportunidade, tempo e gastos de transporte.
E os programas governamentais, regra geral, são equivocados quanto à seleção de títulos, tiragens e distribuição. Isso sem falar nas fraudes, superfaturamento e corrupção que inviabilizam financeiramente a concretização e continuidade dos programas idealizados.
Também, quando se fala de livros e hábito de leitura, não podemos esquecer a concorrência da televisão, essa máquina implacável na produção da preguiça mental e na deturpação do bom gosto, à conta de programações estúpidas.
Por óbvio, seja pela falta de opções qualificadas de lazer condizentes com sua origem, sua inserção social, suas limitações e dificuldades financeiras, principalmente, o povo tem na televisão sua mais expressiva opção de informação, diversão e “cultura”, tornando-se, entretanto, refém e objeto de manipulação, para o bem e para o mal.
Além da concorrência televisiva, soma-se a multiplicação e superoferta de opções de lazer eletro-eletrônicos, a exemplo de DVDs, videogames e internet, principalmente.
Resumindo, o livro tem sérios concorrentes na sua resistência e luta em busca de leitores e fãs. Sofre inclusive ameaças físicas, haja vista que já há quem diga que o modelo tradicional (papel) está condenado ao desaparecimento, substituído pelo livro eletrônico.
Nosso irônico e melhor (e divertido) pensador Millor Fernandes (procure por ele na internet), escreveu um belo texto sobre o livro, que reproduzo parcialmente:
“Na deixa da virada do milênio, anuncia-se um revolucionário conceito de tecnologia de informação, chamado de Local de Informações Variadas, Reutilizáveis e Ordenadas - L.I.V.R.O.
L.I.V.R.O. representa um avanço fantástico na tecnologia. Não têm fios, circuitos elétricos, pilhas. Não necessita ser conectado a nada nem ligado. É tão fácil de usar que até uma criança pode operá-lo. Basta abri-lo!
Pode-se ainda personalizar o conteúdo do L.I.V.R.O. através de anotações em suas margens. Para isso, deve-se utilizar um periférico de Linguagem Apagável Portátil de Intercomunicação Simplificada - L.A.P.I.S.
Portátil, durável e barato, o L.I.V.R.O. vem sendo apontado como o instrumento de entretenimento e cultura do futuro.”
Ah, já ia me esquecendo: desligue a televisão e vá visitar a Feira do Livro, em Porto Alegre!

30 outubro 2009

Ora, mulheres...

Na histórica democracia grega, o acesso a “pólis” (cidade, comunidade) só era permitido aos homens. Escravos e mulheres não tinham significação política. Em várias outras civilizações, através dos tempos, ocorria e ocorreu o mesmo.
De modo que uma das maiores conquistas do movimento feminista foi a ruptura da influência patriarcal na discussão, organização e construção dos destinos da sociedade. A mulher passa de coadjuvante a ator principal, de igual para igual com o homem.
A filósofa Hannah Arendt (1906-1975) disse que “era o exercício do direito a ter direitos, uma vez que a conquista dos direitos exigiria um sujeito que tivesse ação na esfera política”.
Histórica e tradicionalmente, os grandes adversários femininos eram o Estado e a Igreja. Para seu enfrentamento, a mulher inova na contestação política e social e introduz temáticas novas e transformadoras.
Sobretudo relativamente aos temas planejamento familiar, filhos, aborto, pílula e sexo. Não era a toa que seu grito de batalha era “nosso corpo nos pertence"!
Família, sexualidade, trabalho doméstico, a divisão doméstica do trabalho, saúde das crianças, creches e escolarização, entre outros temas importantes, lideram a pauta política.
Outro aspecto relevante é que o sucesso da pauta feminina faz emergir novas demandas até então discriminadas e distantes do discurso público-político, a exemplo dos direitos de participação dos grupos de gays, lésbicas, negros, idosos e portadores de necessidades especiais.
Mas apesar de todas essas conquistas, ainda há graves desigualdades e abusos comportamentais. Ou não é abuso e atraso social a vulgarização e o comércio do corpo e da sexualidade feminina?
Por que estou lembrando essas conquistas político-sociais e da ação da mulher na área pública?
Porque a exemplo da eleição presidencial de 2006, quando Heloísa Helena (PSOL-Partido Socialismo e Liberdade) concorreu, teremos novamente uma candidatura feminina em 2010. Talvez duas candidatas. Depende de Marina Silva (PV-Partido Verde).
A outra candidata será a incensada Dilma Roussef (PT-Partido dos Trabalhadores), escolhida a dedo pelo Presidente Lula.
Apesar de todas essas conquistas e avanços, a participação feminina nas esferas de poder, na política em particular, ainda é pequena.
Os números não mentem. Entre 5.562 municípios brasileiros, apenas 418 são comandados por mulheres. Entre 27 estados, apenas três governadoras. Entre 513 deputados federais, apenas 44 mulheres. E no Senado Federal, entre 81 membros, apenas nove são mulheres.
A participação feminina nas estruturas de poder, tanto público quanto privado, está diretamente relacionada aos níveis de educação e desenvolvimento de uma nação.
Indicadores confirmam que quanto melhor o IDH (índice de desenvolvimento humano) de um país, mais equilibrada é a participação das mulheres. Nos países nórdicos, por exemplo, a participação parlamentar feminina chega a 50% dos cargos.
Sejam, pois, bem vindas todas as candidatas!

23 outubro 2009

Realismo Crítico

Dentre as mensagens que recebo de leitores, algumas observam uma tendência exageradamente crítica (e severa) de vários dos meus artigos, notadamente em relação aos governantes.
Agradeço a leitura, o contato e retribuo a correspondência, educadamente. Mas, na medida do possível, esclareço e amplio o entendimento e a interpretação com argumentos objetivos.
E mais: juro que toda semana, no momento de escrever o “contraponto”, prometo me concentrar sobre temas positivos e repletos de esperança e glória.
Mas a realidade é inconteste, urgente e inadiável. O otimismo desejado sucumbe aos fatos e sua gravidade. Ainda mais quando os fatos ocorrem em paralelo com a demagogia e o falso ufanismo das autoridades.
Por exemplo, tomemos o caso dessa semana. Do abatimento a tiros do helicóptero da polícia militar carioca. Da queima de vários ônibus. Do cerco dos morros. Do desespero da população local.
Mas também podemos considerar como exemplo os fatos e as estatísticas criminais dos demais estados brasileiros. Ou mesmo da nossa região!
Vou repetir algo que já escrevi. O Brasil é o campeão mundial de homicídios. Resultado sangrento da combinação de maus indicadores sociais e econômicos, desigualdade de renda, corrupção, acesso fácil a armas de fogo, crescimento do narcotráfico, urbanização desordenada, desestruturação familiar e, principalmente, impunidade.
Cotidiano de mortes, impunidade e velórios. Uma nação à beira de um ataque de nervos.
Mas o maior prejuízo da nação diz respeito à sua juventude. Trata-se de uma geração que nasce e cresce sob o signo da violência.
45 mil pessoas perdem a vida a cada ano. É número muito maior que as mortes de muitas guerras internacionais. Quer queiram ou não os otimistas, o nome disso é guerra civil. Guerra civil!
Doloroso é ver que nós continuamos nos comportando como se nada estivesse acontecendo. Aceitamos o lero-lero oficial e não reagimos!
E em meio a essa tragédia sem fim, o mais chocante não é a omissão, o ufanismo patético e demagógico dos governantes.
O pior é ver um ensaio de retrocesso no tempo da memória histórica. E assistir o exercício da repetição do culto à personalidade.
De modo que repito: não convém confundir realismo crítico com pessimismo!

16 outubro 2009

Os "Ficha Suja"

Os brasileiros estão cansados de tanta roubalheira, de tanta maracutaia envolvendo homens públicos. São alguns políticos e governantes, porém presentes em todos os partidos e em todas as instâncias de representação. Fatos que denigrem e desmoralizam nosso sistema democrático.
Como conseqüência dos escândalos, dos abusos e da impunidade, cresce a convicção sobre a necessidade de adoção de barreiras legais e eleitorais para impedir a candidatura, a eleição e a reeleição dessas pessoas. Em bom e simples português: quem tem "ficha suja" não pode se candidatar!
Por "ficha suja" deve-se entender aqueles candidatos, atuais políticos ou não, que foram condenados, ou com denúncia recebida por tribunal, em razão de irregularidades. Mesmo que ainda não haja condenação definitiva!
Entretanto, na opinião de advogados e juízes, principalmente do Supremo Tribunal Federal, ninguém pode ser privado de direitos sem condenação transitada em julgado. Está na lei, está na constituição!
E nem admitem remendos, ou meio-direito. Afirmam que o princípio da presunção da inocência não admite meio-termo. Ou seja, condenação em primeira instância não vale. Ou a condenação é definitiva ou os direitos políticos não podem ser restringidos!
Outro aspecto. Há receio de que possam ocorrer instaurações de procedimentos policiais e judiciais por conta da rixas político-partidárias. Denúncias e processos apenas para prejudicar adversários políticos, de modo a impedi-los de concorrer.
O Poder Judiciário diz que não tem culpa se há tantos subterfúgios legais, tantos recursos possíveis que impedem o bom e rápido andamento da justiça.
Resumo: isso se deve às leis. Afinal, as leis são aprovadas pelos políticos. Assim, não é à toa que os políticos são acusados de legislarem em causa própria.
Com todo o respeito aos doutores e ministros do Supremo Tribunal Federal, eu não concordo. Voltando a questão do direito constitucional e o principio da presunção da inocência, entendo que deveria haver uma conjugação e confrontação valorativa de princípios.
Afinal, também há outros princípios legais e constitucionais, a exemplo de moralidade e transparência, probidade administrativa e correta vida pregressa.
Um exemplo comparativo: um servidor público, um professor, um juiz, um promotor, por exemplo, mesmo depois de se submeter a um concurso, mas que tenha uma restrição de crédito pessoal (tipo Serasa, SPC), ou judicial, não pode ser nomeado!
E por que um político pode se candidatar mesmo tendo acusações, ocorrências policiais, ações judiciais e até condenações, ainda que sem julgamentos definitivos?
Tocante ao direito de concorrer a um cargo público, o que é mais importante: o princípio da presunção da inocência ou o princípio da moralidade pública?
Acredito que os direitos políticos não são pessoais. É parte dos interesses da sociedade. A eleição como processo, e a delegação de função como fim para o exercício da representação pública, exigem, sem dúvida, o imperativo da idoneidade moral. Como no caso de qualquer outro servidor público.
O povo pode não entender de direito e constituição, mas tem uma percepção lógica e clara sobre o que é justo e injusto, sobre o que é certo e errado!

09 outubro 2009

Por Uma Vida Desplugada

Quando saio às ruas ainda fico impressionado com a quantidade de gente que está ocupada com seus telefones celulares, suspensos aos ouvidos, ou falando em pequenos microfones presos à lapela.
Ainda me surpreendo com o total abandono da privacidade, substituída pela devassidão das intimidades ditas em altas e repetidas vozes.
Imediatamente, me advém óbvias e superficiais constatações: quanto assunto pendente, quanta coisa para decidir, quanta urgência, quanta novidade para contar!
Havia tudo isso, e tanto quanto, e de fato, represado ao longo de todos esses anos em que telefones eram restritos às salas e suas aquisições dependentes de filas e financiamentos?
Às vezes, para afastar e refutar minhas convicções de que nada pode ser tão importante que demande tamanho estardalhaço, ou que não possa esperar pelo ambiente pessoal e adequado, “espicho” os ouvidos para encontrar nas conversas alheias uma razão fundamental e urgente. Em vão!
Regra absoluta e geral, se confirma a obviedade, a futilidade, a irrelevância das conversas inconseqüentes e sem fim.
Fica quase uma certeza que reina uma carência absoluta de ser lembrado, de conversar, ainda que à toa, e de ser ouvido. Ser amado, talvez!
Como se fosse para dar sentido a alguma coisa, algum sentimento oculto e retraído, e que pode ser a própria vida, desconfiados de que ela é sem sentido.
Daí que também associo, a exemplo dos telefones celulares, a questão do uso de computadores. Ou mais precisamente, a utilização de seus mecanismos e softwares de comunicação e arquivos, tipo facebook, orkut, twitter, msn e similares, que escancaram a privacidade pessoal e alheia através de fotos, hábitos e relacionamentos pessoais.
E por que estou falando de tamanha obviedade, já enraizada no comportamento cotidiano das pessoas, e dos jovens, principalmente?
Porque há uma evidente descaracterização da essência do relacionamento interpessoal, um esvaziamento exagerado de alguns sentidos humanos.
Não é toa que recentemente o presidente do Google, Eric Schmidt, ao falar numa formatura na Universidade da Pensilvânia, nos Estados Unidos, disse aos graduandos que eles precisam encontrar as respostas que realmente importam, vivendo uma vida mais analógica.
Na ocasião, para descontrair o ambiente, e melhor se fazer compreender, observou, em relação às diferenças de gerações, “que as pessoas de sua geração passavam a vida tentando esconder seus momentos embaraçosos, enquanto que a geração atual grava e publica esses momentos no YouTube!”.
Na verdade, ao falar nesse tom, estava estimulando e encorajando os universitários a se afastar do mundo virtual e (re)criar relações humanas.
Literalmente, disse o seguinte: “Desliguem os seus computadores. Vocês precisam mesmo desligar seus telefones e descobrir tudo que há de humano a sua volta.”
Pois é, minha jovem gente, um outro mundo é possível, para além dos games, dos bloggers, das salas de bate-papo e da geléia-geral do ciberespaço. Uma vida real e desplugada!

03 outubro 2009

Sonho ou pesadelo?

Acho que a absoluta maioria das pessoas gosta das olimpíadas. Afinal, é uma extraordinária e pacífica reunião de pessoas e nações em torno das tentativas de superação das limitações físico-humanas e das leis da gravidade.
Escrevo horas antes da decisão acerca da cidade-sede dos jogos de 2016. Dizem que o Rio de Janeiro é favorito. Boas razões não lhe faltam. E o principal argumento é que a América Latina nunca sediou a competição. Mas nem tudo é otimismo.
Assim como nas demais cidades-candidatas, também no Brasil muita gente é contra os jogos, embora em percentual menor.
Por quê? Por causa do excesso de comprometimento de dinheiro público e o prenúncio de mais escândalos e corrupção, a exemplo do que ocorreu no Pan-americano (Rio, 2007).
Não custa recordar. Cinco anos antes dos jogos do Pan-americano, a União, o Estado e o município do Rio de Janeiro afirmaram que gastariam R$ 409 milhões na organização. Pois a conta alcançou R$ 3,7 bilhões. Um custo 800% maior que o previsto!
O Pan do Rio custou várias vezes mais que qualquer outra edição dos jogos. Até hoje não há explicações claras e suficientes sobre a dimensão dos abusos, apesar de algumas ações e tentativas dos Tribunais de Contas e das denúncias da imprensa.
Isso sem falar nas promessas não cumpridas, a exemplo de melhorias nos transportes - uma linha de metrô e um bonde até o aeroporto, uma nova linha de barca Barra da Tijuca-Centro e, duplicação da via expressa à zona sul. E a despoluição da Baía de Guanabara e cinco lagoas da região.
Agora não é diferente. Novamente algumas promessas são apresentadas e renovadas. Um novo sistema de transporte rápido interligando as regiões dos Jogos, a reforma da zona portuária e do aeroporto internacional, o aumento da oferta de acomodação, e, outra vez, a limpeza da baía e das lagoas da cidade.
Para a realização dos Jogos Olímpicos no Rio de Janeiro as previsões de gastos dão conta de um total de 29 bilhões de reais, dos quais 25 bilhões serão provenientes dos cofres públicos.
Só para apresentar e promover a candidatura carioca, os cofres públicos já investiram mais de 100 milhões de reais. O presidente do Comitê Olímpico Brasileiro, Carlos Nuzman, deu a volta ao mundo!
Tanto em relação à Copa do Mundo de 2014, quanto em relação aos Jogos Olímpicos de 2016, temo pela renovação dos escândalos e da corrupção. Fosse possível votar, eu votaria contra ambos!
Seja pela manipulação das paixões populares, seja pela precipitação de obras públicas importantes e inadiáveis, mas que se equiparam às necessidades nas áreas de saúde, educação, habitação e segurança pública.
Compreendo os altos índices contrários dos cidadãos de Chicago, Tóquio e Madrid. Com certeza, sabem melhor do que nós o valor do dinheiro público!

25 setembro 2009

Invisibilidade Política

Quando trocou seu primeiro Secretário da Segurança Pública, a governadora Yeda pediu que o recém empossado se mantivesse “invisível”, haja vista os exageros midiáticos do ex-secretário Enio Bacci.
No caso em questão, parecia óbvio que eram os fatos e as atribuições da Secretaria da Segurança que determinavam sua visibilidade.
Mesmo porque o povo elegera a segurança pública como seu maior drama e expectativa de soluções governamentais.
Consequentemente, deveria se compreender porque seus responsáveis diretos seriam (como são e serão) objetos constantes da mídia.
À época, a troca suscitou perguntas: a “invisibilidade” pretendida deveria ocorrer relativamente aos níveis de visibilidade (ou falta de) da própria governadora?
Ou seria relativamente aos demais secretários, afinal, todos investidos e revestidos de iguais responsabilidades de gestão?
E quanto às demais secretarias, qual poderia se mostrar capaz de disputar os holofotes da imprensa? De modo que ainda cabe perguntar: o quê, realmente, determina o grau de visibilidade de uma autoridade pública? A personalidade da pessoa ou os fatos que lhe dizem respeito?
Ou, ainda, as circunstâncias eventuais, positivas e negativas, que caracterizam a inconstância da prestação de nosso serviço público?
Antes de demitir mais algum assessor (já foram mais de vinte), a governadora precisa compreender que são as particularidades das crises setoriais e as expectativas populares que determinam a intensidade dos holofotes.
Mas, e os holofotes na Governadora como ficaram? Infelizmente, examinados o desempenho e as responsabilidades, poucas notícias positivas restaram.
Notadamente relacionada às finanças e a incapacidade estatal de dar conta das demandas públicas, atuais, reprimidas e supervenientes, a crise (estrutural) perpassa a capacidade gerencial da governadora. Terreno árido e sem luzes!
E agora, nos últimos meses, para piorar a situação, o advento e a permanência da tragédia política e moral chamada Escândalo do DETRAN.
Ironicamente, os microfones e holofotes da imprensa estão fartamente a disposição. Para a desgraça dessa administração e, por conseqüência, para o esvanecimento das últimas esperanças e utopias gauchas.
Normalmente, o desejo de visibilidade tem na vaidade sua origem, uma fraqueza humana relacionada aos sete pecados capitais. Ainda que na política um pecado aceitável, eis que inerente ao meio e à “sobrevivência” do sujeito e do seu governo.
Daí que a sucessão de escândalos em todas as esferas da representação e administração pública tem gerado um fato surpreendente. O desejo e a busca da invisibilidade total ou parcial, relativa ou absoluta.
Assim, deduzo, consequentemente, que a graduação da invisibilidade está diretamente relacionada a proporcionalidade do delito comportamental a ser escondido ou negado!

18 setembro 2009

Santos Dumont Envergonhado

Em dezembro de 1998, uma Corte Especial de Cassação, na Bélgica, julgou e condenou os 12 acusados do caso Agusta-Dassault.
Agusta-AW109 é um helicóptero. E Dassault é uma megacompanhia francesa com variados negócios, com destaque para a área aeroespacial.
O escândalo Agusta-Dassault se deu em torno da compra de helicópteros para o exército belga. Envolvidos num imenso processo de corrupção estavam importantes empresários, políticos e administradores públicos.
Entre os condenados estava o grande líder da indústria aeronáutica e militar francesa, Serge Dassault. Hoje, aos 84 anos, é presidente honorário da empresa e senador pelo partido conservador União por um Movimento Popular, o mesmo do presidente frances Nicolas Sarkozy.
Agora, esse mesmo senhor - repito, julgado, condenado e sentenciado pela justiça belga por corrupção ativa, foi condecorado pela Republica Federativa do Brasil, mais precisamente pelo presidente Lula.
“Monsieur” Dassault recebeu o título de Grande Oficial da Ordem Nacional do Cruzeiro do Sul, a mais alta honraria destinada a um estrangeiro!
Na mesma ocasião, foi anunciada a construção conjunta de 50 helicópteros de transporte, modelo francês. E de um submarino de propulsão nuclear e outros quatro convencionais. E a construção de um estaleiro e de uma base naval de apoio. Um negócio de R$24 bilhões!
Tão grave quanto essa condecoração, foi o anúncio afoito e inadequado do presidente Lula sobre sua preferência e decisão para a compra de 36 aviões de caça Rafale para a Força Aérea Brasileira, um negócio estimado em US$ 10 bilhões.
Feito o estrago diplomático, o Ministro da Defesa Nelson Jobim disse que a disputa continua aberta, com os modelos norte-americano (Boeing) e sueco (Saab).
Ao saberem do acordo e da declaração do presidente Lula, emissoras de TV e jornais franceses, a exemplo do Le Monde, La Tribune e o Les Eches e a TV pública France 2, destacaram o fim de um tabu - a dificuldade de vender no exterior.
"-Se as negociações forem concluídas, será o primeiro contrato de exportação do Rafale, que jamais foi vendido fora da França", afirmaram!
É tudo muito estranho, muito suspeito. Afinal, é uma concorrência bilionária e internacional. Mereceria mais cautela e transparência.
A questão de segurança nacional, bem como a proteção do pré-sal, argumentos avocados pelos governistas, é uma explicação medíocre.
É tão ruim quanto a justificativa de transferência de tecnologia. Afinal, dizem os especialistas, é uma tecnologia atualmente superada em mais de 10 anos. Ao final das construções, serão 20 anos de atraso tecnológico!
Estranho também é o silêncio do Congresso Nacional. Em apenas dois dias, e em regime de urgência, e votação simbólica (outro absurdo que sobrevive na nossa pobre república), foi aprovado o crédito de R$25 bilhões (submarinos e helicópteros).
Nem durante a ditadura militar houve tamanha omissão e falta de debate prévio. Embora possa se compreender a docilidade da base governamental e fraqueza da oposição, há compromissos com princípios de legalidade, economicidade, publicidade e moralidade.
Isso sem falar que já há definição da construtora Odebrecht para a construção do estaleiro dos submarinos. Será que o silêncio dos parlamentares, as votações rápidas, a liberação dos recursos, têm algo a ver com as eleições do ano que vem?
Tudo indica que o assunto já está encerrado. Vergonhosamente. Agora só falta, como dizem alguns bem informados, a provável celebração do anúncio no dia 23 de outubro.
Dia 23 de outubro registra os 103 anos do primeiro vôo do brasileiro Santos Dumont, o pai da aviação, com o seu 14 Bis, no campo de Bagatelle, na capital francesa. Santos Dumont não merecia essa!

11 setembro 2009

A Revolta Necessária e Inadiável

Em setembro de 1879, foi criado um imposto sobre as passagens de bondes. Um grupo de jornalistas, médicos e advogados pediu uma audiência com o Imperador Dom Pedro II para reivindicar a revogação do absurdo imposto. Não foram recebidos!
A indignação precipitou uma grande manifestação pública, em 1º de janeiro de 1880, conhecida como a Revolta do Vintém.
Trágica e violentamente reprimida pela polícia, resultaram mortas três pessoas, bondes depredados e quebra-quebra geral. Diante da reação e dos fatos, o Imperador suspendeu a cobrança do imposto.
Historicamente, houve outras e importantes reações populares contra aumentos e novos impostos. Mas, atualmente, não há mais mobilizações e reações!
A maioria dos cidadãos e contribuintes não sabe os impostos que pagam. E também não sabem sobre o destino dos recursos. Nem o volume de arrecadação, e nem como são divididos entre a União, os Estados e Municípios.
Também não sabem como e com quem reclamar. Mas o que todos sabem, por que “sentem” no bolso, é a certeza do excesso de impostos.
Parece filme de terror. A criatura se volta contra o criador. Afinal, para os fins coletivos e sociais, tributar é ação de Estado e fruto de autorização do cidadão/eleitor. O cidadão é o criador e o Estado é sua criatura.
E a criatura deveria ser disciplinada e subordinada por relações equilibradas e justas com o contribuinte, de acordo com as leis, código tributário e a constituição. Infelizmente, tudo isso ocorre apenas na teoria!
O monstro não pára de crescer e sugar todas as energias (dinheiro!) do seu povo. Batizados com os mais variados nomes se sucedem as taxas, contribuições e impostos que desestimulam o crescimento econômico. Dias após dia, ano após ano.
E ainda há a tirania fiscalóide que alcança todas as formas produtivas. Pequenas ou grandes empresas, individuais ou não, ninguém escapa de uma autuação.
Quem não é autuado por falta de pagamento ou sonegação, é autuado pela complexidade e indecifrável legislação. As prometidas simplificações viraram complexificações!
Relembrando. Já foi calculado. Dos 365 dias do ano, o brasileiro trabalha, em média, 148 dias apenas para pagar impostos!
Não tem jeito. O monstro não se aquieta. Sem vergonha, agora quer recriar a CPMF. Com outro nome. Contribuição Social para Saúde (CSS). Mero pretexto!
Sai governo, entra governo, a administração pública brasileira não cuida da qualidade do gasto público. Não tem preocupação com zelo e poupança.
A partir de uma teoria econômica - “toda maior oferta de recursos cria seu próprio gasto”, essa faceta da administração pública provocou, entre os economistas, uma máxima, ou seja: o gasto público cresce com a maior disponibilidade de receita, simultaneamente!

06 setembro 2009

Um Novo 7 de Setembro (a demagogia do pré-sal)

Não se fala de outra coisa. Ou melhor, o governo não quer falar de outras coisas. É pré-sal no café da manha, no almoço, no lanche e na janta. Para o meu gosto é pouca comida e tempero demais!
Se houver - tomara que haja, o petróleo só vai jorrar a partir de 2016 ou 2020. Há imensos desafios tecnológicos para viabilizar a exploração bem sucedida dos novos campos em águas marítimas profundas.
Mas nos jornais, nos rádios e na televisão já escorre em abundância em forma de farta publicidade, propaganda e promessas miraculosas sobre um novo Brasil de gente com casa, comida, saúde e educação.
De olho nas eleições do ano que vem, o governo cacareja “queimando” milhões em dinheiro público para regar o ufanismo do presidente Lula. Mas a galinha ainda não botou o ovo!
É um raciocínio simplório afirmar que essa riqueza subterrânea significará a redenção nacional e a superação de todas as nossas misérias. É brincar com as esperanças sérias do povo!
Mundo afora, há dezenas de países com imensas riquezas e recursos naturais e nem por isso foram capazes de transformar seus dividendos em benefícios ao seu povo. Basta olhar a situação social dos países produtores de petróleo.
O próprio Brasil não foi capaz de diminuir as diferenças entre os ricos e os pobres, apesar de possuir os maiores estoques mundiais de minério de ferro e prata. Isso sem falar nos ciclos virtuosos da borracha, da cana-de-açúcar, do café e de outras riquezas,
E de todo modo, já estamos começando errado. Os (pseudo) nacionalistas já estão em campanha para a criação de uma nova estatal. Mais um gigante perdulário para saquear o dinheiro público. Já não basta a Petrobrás e sua (nossa!) gasolina mais cara do planeta?
O presidente vai remeter, ou já remeteu, uma série de propostas de leis para garantir as reservas e sua exploração para a Petrobras, em detrimento das concorrentes estrangeiras.
Isso significa que a Petrobrás necessitará de muito dinheiro para as pesquisas, equipamentos e exploração do pré-sal. E com que dinheiro? Você já sabe com que dinheiro. Está embutido na sua gasolina, no óleo diesel e no gás de cozinha!
Não seria mais simples abrir tudo para exploração de empresas nacionais e estrangeiras, e que assumissem riscos e gastos mediante uma parcela remunerativa?
Vamos sofrer uma recaída nacionalista, de viés demagógico e irresponsável do ponto de vista fiscal e orçamentário. Quem viver, verá!
Domingo à noite, o presidente Lula declarará um novo dia da independência. E assim, de olho na eleição presidencial do ano que vem, o debate já estará posto. A lengalenga entre privatização e estatização. De volta ao passado!

28 agosto 2009

O Princípio da Cooptação

A razão de existir de um sistema político, e de um governo, está diretamente relacionada com sua função de facilitar e melhorar a vida dos cidadãos.
Pela mesma razão, há eleições livres, diretas e periódicas dos governantes e representantes, de modo a verificar e julgar a qualidade e a confirmação da melhoria.
Para que este sistema funcione bem é necessário que o cidadão saiba o que o governo tem feito para cumprir suas obrigações.
Do mesmo modo, precisa saber o que o governo e a oposição defendem e tem como objetivos.
Mais: é necessário que o cidadão consiga compreender e analisar essas informações para poder julgar qual sua adequação, viabilização, consequência social e oneração financeira.
Mas há um problema grave para a realização deste ideal: a maioria da população brasileira não tem capacidade para entender e analisar estas informações.
Isto na suposição de que as informações cheguem a todos os cidadãos, minimamente. Normalmente, não chegam!
Consequentemente, e sabedores dessa realidade, os detentores do poder, aqui nominados governantes e representantes, tendem a desdenhar e corromper o sistema idealizado.
Não é a toa que o voto dos pobres é comprado em troca de uma esmola e a corrupção financie a perpetuação no poder.
Na eleição presidencial de 2006, por exemplo, a esmola distribuída ao povo, denominada Bolsa Família, cumpriu um papel eleitoral fundamental pró-governo.
A tal ponto que os escândalos e crimes contra a economia, o dinheiro público e a normalidade institucional não repercutirem, objetiva e eleitoralmente.
Aliás, até hoje quem questiona esses métodos – distribuição da esmola – é rotulado como elitista. Ou chamado de imbecil, como disse recentemente o presidente Lula.
Rotulado de elitista e imbecil ainda que o legítimo questionamento fosse de teor econômico, sócio-educativo, ético, moral, entre outras abordagens possíveis.
Ou seja, estamos em meio à absoluta mediocrização do debate político e da ação governamental responsável.
O mesmo desdém ocorre em relação àqueles que querem e exigem o respeito às leis e às instituições – e o esclarecimento dos sucessivos escândalos.
Diante da legitimação de tantos maus exemplos, surpreendentemente abençoados com o sucesso eleitoral, caminha rápida a desqualificação absoluta da política e da administração pública.
Pior: como consequência, não há mais nem oposição ideológica e institucional. O princípio da cooptação venceu!

21 agosto 2009

A Força do Ralo Ideológico

A frustração das expectativas políticas, a histórica e repetida evaporação das esperanças depositadas nas urnas, parecem ser uma praga brasileira.
Regra geral, uma vez no poder, os partidos e seus representantes se acomodam de tal modo que esquecem o conjunto das promessas e das responsabilidades públicas.
A decisão de arquivamento das denúncias contra o senador José Sarney, com o apoio do Partido dos Trabalhadores, é apenas mais uma página negra no histórico da política nacional.
No caso do PT, dada a natureza da ocupação (e locupletação) do governo, das ações e das opções de estilo no exercício de poder, os prognósticos e o desfecho eram previsíveis.
Não custa relembrar a radical alteração de rotinas e procedimentos partidários. Desde a ascensão ao poder, controvérsias internas são solucionadas pela via administrativa e não mais pelo debate democrático.
A opinião partidária foi relegada a segundo plano. É o governo que está pautando administrativamente o partido. A verticalidade burocrática venceu a democracia e o consenso até então horizontalmente formados.
Mas o mais surpreendente é a aceitação e o silêncio sepulcral de suas bases, submetidas à ditadura do alto clero governamental e partidário.
Ironicamente, é o Poder Executivo que está organizando a posição do partido e não o inverso. Não é a toa que o Governo está cercado de grupos de trabalhos, conselhos, comissões, numa tentativa centralizadora de “organizar” a posição da sociedade (sic).
Outro aspecto relevante, desde a primeira hora, diz respeito à adoção de uma agenda política de centro e continuísta.
Bem, façamos algumas concessões devido às dificuldades de concretizar e manter um governo. Mas, mesmo assim, ninguém imaginaria tanta rapidez e subordinação na adoção de práticas reformistas de outros governos, tidos conservadores e responsáveis pela midiática “herança maldita”.
Assim, objetiva e ideologicamente, e do ponto de vista eleitoral, o desastre ético do PT provoca a abertura de um importante espaço político à esquerda.
É cada vez mais evidente e expressiva a perda do apoio de segmentos formadores de opinião, lideranças acadêmicas e sindicais.
Dia após dia, e em efeito dominó, se consolida a convicção de que o espírito de mudança esvaneceu nas mãos de Lula e do PT.
Mas a luta continua. Não custa lembrar uma frase do teólogo e humanista holandês Erasmo de Roterdã (1466-1536):
”O ideal que não triunfa na realidade, permanece nela como uma força dinâmica. São precisamente os ideais não cumpridos os que se revelam invencíveis.
Que uma idéia não se faça realidade, não quer dizer que esteja vencida ou seja falsa. Uma necessidade, ainda que demore, não é menos necessária, ao contrário: só os ideais que não se consumaram ou não estejam comprometidos porque não se realizaram, seguem tendo efeito em cada nova geração como um elemento de impulso moral. Só os não cumpridos retornam eternamente".

14 agosto 2009

HAL 9000 (o governo está de olho em voce!)

HAL 9000 é um personagem do escritor britânico Arthur Clarke (1917-2008), famoso por suas obras de ficção científica e, principalmente, pelo filme “2001: uma odisséia no espaço” (1968), do cineasta Stanley Kubrick.
No filme, a bordo da nave espacial Discovery e responsável por todo seu funcionamento, HAL 9000 é, na verdade, um supercomputador.
Dotado de várias câmeras e microfones, nada lhe escapa. HAL fala, faz reconhecimento facial e vocálico, leitura labial, interpreta e expressa emoções, raciocina e joga xadrez.
Desde maio de 2009, “trabalha” em Brasília outro supercomputador que se tornará famoso. Seu nome é CCS, sigla de Cadastro de Clientes do Sistema Financeiro Nacional. Por causa dos poderes e da fama mundial de HAL 9000, os “amigos” chamam CCS de HAL.
CCS, ou HAL brasileiro, também tem poderes fantásticos. Há dois sistemas parecidos no mundo. Um na Alemanha e outro na França. Mas ambos são inferiores ao brasileiro!
O HAL brasileiro reunirá, atualizará e fiscalizará as contas bancárias de todos os brasileiros. Contas abertas, fechadas, movimentadas ou abandonadas em qualquer banco. Pessoas físicas e jurídicas. Pobres e ricos, empresas pequenas e grandes!
Os “amigos” de HAL, os fiscais da Receita Federal, vão cruzar todas as informações que envolvam CPF e CNPJ. Cartórios de imóveis, detrans, bancos e empresas. Terrenos, casas, aptos, sítios e construções. Registro de propriedade de carros, motos, barcos e jet-skis. Cartões de crédito e débito, aplicações, movimentações e financiamentos. Folha de pagamentos, FGTS, INSS, IRRF, compra e venda de mercadorias e serviços, contas de luz, água, telefone, saúde, etc...
O controle fiscal das pessoas e das empresas ficará tão sofisticado que a Receita Federal passará a oferecer a declaração de imposto de renda já pronta, para verificação e validação do contribuinte.
Também os devedores não escaparão. Já foi aprovada a penhora on-line. O juiz decretará instantaneamente e por meio eletrônico a indisponibilidade de dinheiro e bens do contribuinte submetido a processo de execução fiscal.
No combate a fraudes, caixa dois e lavagem de dinheiro, os juízes brasileiros poderão acessar diretamente o supercomputador e verificar as contas que um cidadão ou uma empresa mantêm no Brasil.
Como todas as conquistas científicas e tecnológicas da humanidade podem ser usadas para o bem e para o mal, dependendo de quem as manipule, ao ler e refletir sobre o HAL brasileiro não há como não lembrar do Big Brother orweliano.
Escrito em 1948 pelo inglês George Orwell (1903-1950), o romance “1984” retrata o cotidiano de uma sociedade totalitária sob o regime do Grande Irmão.
Com o objetivo de manter o poder, o meio principal de controle das pessoas é a Teletela. Um televisor bidirecional que permitia tanto ver quanto ser visto, em qualquer lugar, na rua ou na própria casa!
Pensando na nossa realidade social, econômica e política, e em meio a tantos escândalos, escutas telefônicas não autorizadas, invasões de privacidade, denúncias e acusações sem provas, chantagens de todas as naturezas, ações típicas dos jogos e objetivos de posse e poder, o CCS, ou HAL brasileiro, não será nosso futuro Teletela?

07 agosto 2009

Mofo Político

A política sempre provoca a repetição e a renovação de algumas idealizações que não resistem a um exame e confrontação com a realidade.
O estado brasileiro continua sob controle político e econômico de grupos não comprometidos com os interesses e necessidades do povo.
Consequentemente, os marginalizados, pobres principalmente, resolvem seus conflitos do cotidiano fora do espaço público, sem direito e proteção do Estado.
De modo que a violência, sistemática e crescente, e fora dos limites e controles da lei, rege a tudo e a todos.
É unânime que a pré-condição para a superação destas diferenças, notadamente as econômicas e sociais, é a democratização do Estado, a socialização da coisa pública e a popularização da justiça.
Mas a realidade é outra: há falta de entusiasmo, falta de convicções, apatia política, enfim, governantes incapazes de empolgar o povo e renovar as esperanças. Em verdade, são líderes (e candidatos a líderes) muito aquém das necessidades da nação.
Concorre para a desconfiança e apatia popular o fato de que o Estado já não responde pela sociedade como um todo.
Mas o esvaziamento do Estado não significa que suas atribuições tenham-se esgotado, ou que suas responsabilidades sejam menores.
Objetivamente, significa a necessidade de uma reconceituação de competências, assentadas sobre novos modelos de gestão, eficácia e qualidade. Nada a ver com este Estado gigante, ineficiente, expropriador, corrupto e corruptor.
Creio que este é um ponto que os políticos ainda não entenderam. Daí, este cheiro de mofo no ar!

Amigos Para Sempre

Não devia haver surpresas. Havia antecedentes de comportamento. Por ocasião do mensalão, dinheiro na cueca e outros escândalos, Lula já se posicionara do mesmo modo.
Agora, em relação aos seus “novos amigos”, Renan Calheiros, Fernando Collor e José Sarney, o presidente faz uso novamente de métodos inadequados a um presidente da república. Refiro-me a sistemática desqualificação dos acusadores e da imprensa.
O presidente e seus “rasputins” ignoram a opinião pública e peregrinam soberbos na companhia de amigos e aliados apanhados com a mão na bolsa de moedas.
Infelizmente, as atuais formas de poder servem para usurpar, legislar e manipular na manutenção de seus feudos medievais.
Tipicamente fanfarrão, o presidente esquece seu próprio discurso e a dimensão ética do cargo: “Ninguém neste país tem mais autoridade moral e ética do que eu para fazer o que precisa ser feito neste país." (Lula em 21/06/2005).
O PT, completamente submisso e entregue aos prazeres do poder, não reage. A ascensão de um partido de esquerda ao governo, com apoio e legitimidade popular, evidenciara e reacendera a esperança do povo. Em vão!
Por sua trajetória político-sindical, pelo conjunto de seus comprometimentos originais, se esperava que a ascensão de Lula pudesse se constituir numa novidade positiva. Também em vão!

31 julho 2009

A Economia das Fraudes Inocentes

Em entrevista à revista Veja, edição de 15 de dezembro de 2004, o brilhante professor, escritor e economista norte-americano John Kenneth Galbraith (1908-2006), declarou o seguinte:
“A economia moderna é produto do surgimento de corporações poderosas e de novos métodos de administração.
O ponto forte dessa economia é a capacidade de mobilizar recursos científicos, organizacionais, culturais e políticos muito variados.
O maior de seus efeitos negativos é a habilidade das corporações de imiscuir-se à força nas políticas governamentais e direcioná-las.
O desserviço da economia moderna está na sua tendência de favorecer concentrações de poder.
A intromissão do setor privado no chamado setor público é ostensiva e crescente, e negá-la é uma fraude, nada inocente.”
À época, já com 96 anos de idade, e 70 dos quais dedicados à economia, Galbraith escrevera a obra “A economia das fraudes inocentes: verdades para nosso tempo”. O livro tem inúmeras referências a diversas áreas da economia, inclusive sobre saneamento e abastecimento de água.
Entre reflexões provocativas e irônicas, questiona “como é possível a fraude inocente, ou como a inocência pode ser fraudulenta”.
E diz mais: “se há inocência, ela indica ausência do sentimento de culpa ou responsabilidade. Se há fraude, ela remete à deturpação deliberada da realidade”.
Comumente, os estudos e debates relacionados à água tratam da redução de desperdícios, técnicas de preservação, recuperação de mananciais hídricos e de custos de tratamento de esgotos doméstico-industriais.
Mas um tema persiste polêmico, grave e preocupante. Trata-se da questão dos destinos econômicos e políticos dos serviços e reservas de água.
Uma observação antes de prosseguir: a redução da intervenção estatal é uma pauta correta e consolidada através alienações de patrimônio, concessões, permissões e/ou terceirizações.
Entretanto, e em desfavor das privatizações, essas mudanças revelaram uma falta de qualidade e capacidade de (auto) defesa do cidadão (consumidor) pelos partidos políticos, sindicatos e associações de moradores. Principalmente, pela ineficácia de instrumentos ativos de regulação e reclamação.
Em quase todos os lugares a privatização das águas foi prejudicial para as comunidades, incorrendo em tarifas extorsivas e casos de corrupção.
Prioridades como a qualificação da prestação de serviços e a universalização do atendimento foram prejudicadas em favor dos resultados financeiros.
De modo que para impedir tramitações rápidas (e mal esclarecidas) nas mudanças de serviços essenciais importa exigir a obrigatoriedade de discussões prévias e plebiscitárias.
Mas entre outras e tantas incertezas, há uma pergunta que não quer calar. Qual o porquê da precipitação e facilitação das privatizações por alguns políticos e seus partidos?
Provavelmente, talvez porque empresas estatais estão legalmente impedidas de financiar campanhas políticas. Mas as empresas privadas não têm esta restrição!
Uma longa concessão representa apoio financeiro para as eleições durante muitas legislaturas. Garantia de eleição até dos netos. Que dirá dos filhos!

17 julho 2009

A Nova Escravidão

A falta de uma boa educação básica é a principal razão e explicação para a grande desigualdade social e econômica entre os brasileiros.
O ensino público brasileiro é de baixa qualidade. Essa carência exclui as pessoas de melhores oportunidades de emprego e salário, e aumenta a segregação social.
De cada quatro brasileiros, três não completam o ensino médio. E entre os maiores de 15 anos, 20 milhões são analfabetos.
Isso sem contar os analfabetos funcionais. São 30 milhões. Eles conhecem as letras, mas não conseguem ler frases mais longas, nem formular idéias com alguma complexidade.
Se para os pobres a coisa está feia, para quem tem algum dinheiro não é assim tão simples. Para muitas famílias a escola privada é um sacrifício financeiro imenso.
Para se educar um filho dos 04 aos 25 anos, da pré-escola à universidade, um cidadão de classe média gasta R$ 250 mil.
Este é o custo médio das escolas particulares na educação básica e no ensino médio, somado ao que o governo gasta por aluno nas universidades públicas.
Comparando os investimentos, aluno na rede pública municipal ou estadual, o filho do pobre custa 80 vezes menos!
Bem, aqui está uma pergunta decisiva: se investimos 80 vezes menos com o que deveria ser a educação básica, como podemos esperar menos desigualdade social e econômica?
Vamos emendar outra pergunta. Para os governantes. Só para provocar. E nem vou falar de corrupção e escândalos.
Como é possível que os mesmos governantes que constroem estradas e viadutos, palácios de governo, navios e usinas nucleares, e que têm tamanha eficiência na arrecadação de impostos, não consigam manter escolas públicas de qualidade e assegurar salários adequados aos professores?
Resposta: a não solução dos problemas da escola pública (e da saúde!) é a ausência de representação política do povo.
Também a desorganização popular e comunitária contribuem para o conformismo e submissão dos cidadãos às condições dispostas e impostas pelos governantes.
A população não tem organização, não tem voz, e não tem qualidade argumentativa para exigir serviços de qualidade.
E na exata proporção de sua desorganização, de sua não representatividade, de sua não ação cívica e cidadã, ocorre o desdém governamental, ocorre a não contrapartida de ações públicas.
Voltando à educação. Não é a toa que o povo diz: se a escola pública fosse boa, os filhos dos "hômi" estudavam nela.
Geralmente, filhos de administradores públicos e políticos, mesmo os da área de educação, não estudam em escolas da rede pública.
Para se libertar dessa escravidão cultural, e para poder cobrar mudanças, um bom começo seria lembrar em quem votou e porque votou!

A Morte Pede Carona

Crescemos estudando, lendo e ouvindo acerca de que o Brasil é o país do futuro. Privilegiado pela natureza, em que se plantando tudo dá, e habitado por um povo gentil e faceiro, não é a toa que atrai a atenção de todo o mundo.
Mas há algo errado nessas expectativas e no nosso ufanismo. Todas as notícias boas sobre nossa terra e nossa cordialidade não resistem a alguns números. Os números da morte!
O Brasil é o campeão mundial de homicídios. Só perdemos para a Colômbia, em conflito com guerrilheiros, e para El Salvador, que vive em estado de guerra civil.
Embora com 3% da população mundial, o Brasil concentra 13% dos homicídios mundiais. Anualmente, mais de 45 mil pessoas perdem a vida. Um brasileiro morre a cada 12 minutos!
O número de mortes por homicídios supera o de vítimas de acidentes de trânsito. Uma matemática trágica superada por outra maior!
Essa estatística macabra resulta da combinação de maus indicadores sociais e econômicos, desigualdade de renda, acesso fácil a armas de fogo, crescimento do narcotráfico, urbanização desordenada, desestruturação familiar e, principalmente, impunidade.
Claro que a criminalidade e a morte em números expressivos não ocorrem só no Brasil. Muitos outros países enfrentam esse problema.
A diferença é que enquanto outros países têm dois ou três fatores entre as razões para alta mortandade, nós reunimos quase todos os indicadores negativos.
Em meio a esse conjunto de fatores não podemos esquecer a questão da impunidade, o principal alimento da violência!
Segundo as estatísticas, apenas 1% dos homicídios é esclarecida pela polícia. A média nacional de aprisionamento de homicidas não chega a 10%, embora nossos presídios já estejam lotados.
Mais de 70% dos casos são arquivados por deficiência nas investigações policiais ou desqualificados nos julgamentos no judiciário.
Não bastassem as mortes, a impunidade e o estado de espírito neurótico e depressivo geral e instalado, a violência tem um custo financeiro astronômico.
Por ano, são bilhões de reais que se esvaem nos aparatos de segurança, no sistema judiciário e carcerário, na assistência médica e hospitalar. Toda a sociedade paga a conta!
Mas o maior prejuízo da nação diz respeito ao seu povo. Mais precisamente, a sua juventude. Refiro-me as gerações que nasceram e crescem sob o signo da violência.
Independentemente da opção e/ou destino pessoal, agente ou vítima da violência, a morte resultou vulgarizada.
Falhamos todos. Famílias, escolas e governos. Doloroso ver que continuamos nos comportando como se nada estivesse acontecendo.
As autoridades, principalmente, com seus sorrisos cínicos, números falsos e ufanismo demagógico. E a morte como carona!

03 julho 2009

Os Aristocratas

Quando políticos e funcionários públicos importantes, que representam as expectativas e esperanças do povo, fazem o que estão fazendo, de forma audaciosa, indistinta e indiferente às conseqüências, isso não se constitui apenas numa triste realidade, mas tem o dom de nos fazer ver e revelar o tamanho de nossa ignorância sobre a estrutura social e política.
Afinal, no dizer do presidente Lula, ao afirmar que Sarney não é um homem comum, e por conseqüência também ele, o próprio Lula (ato de defesa prévia e futura!), fica claro nosso sistema de castas, agora melhor entendido graças à novela global.
Então, está aí uma questão nacional mal resolvida: a diferença e a distância entre os que tem poder e as pessoas comuns.
Esses escândalos recentes, que na verdade não são novidade porque repetidos sempre e historicamente, são bons exemplos para compreendermos e “enxergarmos” o imenso vazio gerado e estabelecido pelo nosso sistema de formalidades, leis e instituições.
Embora com a promessa de resolver todos nossos problemas, os decretos, as leis, os governos e as ideologias apenas confirmam as práticas antigas.
Ou a arrogância dos políticos e das autoridades não é uma confirmação de um histórico sinal da separação entre o lado de lá e o de cá do balcão, como se diz popularmente?
Senão, como explicar outro histórico sintoma, agora agravado, que é a total perda de consciência da razão pela qual foram eleitos e constituídos parlamentares e servidores públicos?
É como se a rotina das práticas políticas e das formalidades legais, inerentes ao estado democrático de direito, tivessem o dom de corromper os bastidores do exercício do poder.
Como se a legitimidade e a popularidade construída nas ruas e nas urnas se corrompesse e travestisse num antigo aristocratismo.
Como se a investidura num cargo público concedesse ao investido a propriedade do cargo. Parece que se lhes “desce” um espírito da antiga nobreza que “por direito divino” se supunha superior à plebe!
Mas assim como no passado, por desonra e roubo, os nobres abusados perderam a legitimidade e a própria cabeça na forca e na guilhotina, assim também os “novos aristocratas” serão avaliados e condenados. Democrática e ainda que tardiamente!
Talvez agora, com a sucessão de escândalos e os roubos escancarados, e a defesa debochada da “turma do mensalão”, Sarney e Renan pelo Presidente Lula, as pessoas possam compreender melhor o que realmente significa “se lixar para a opinião pública”!

26 junho 2009

República de Ladrões

Hoje é o Senado Federal. Ontem foi o dinheiro nas cuecas. Amanhã serão a Petrobrás e os fundos de pensão. A sucessão de escândalos permite três óbvias constatações que agravam nosso pessimismo.
Os escândalos são apenas a ponta de um imenso iceberg denominado estado brasileiro, um gigante fora de controle público (1);
predomina o império do “jeitinho” e da omissão, não havendo conseqüências administrativas e penais (2);
o espírito do saque ao dinheiro público é uma epidemia nacional. Nepotismo (emprego de parentes), compadrio, favorecimentos e manipulação licitatória, são comuns em todas as esferas públicas (3).
Aliás, os escândalos e as constatações me fazem lembrar de um comentário (dos eleitores) que muito ouvi ao longo das inúmeras campanhas eleitorais de que participei.
Em tempos de ditadura e abertura democrática, empenhados e otimistas na renovação político-partidária, éramos surpreendidos. Muitos diziam:
“- É tudo igual mesmo. Melhor deixar o cachorro gordo no poder do que colocar um magro. Vai custar caro engordar outro!”
Ouvia triste e a contragosto porque não concordava. Como não concordo até hoje. Mas no olhar e sentir de muitas pessoas do povo a sucessão e a renovação político-partidária é uma simples troca de cachorros. Cachorros atrás do osso!
Voltando mais no tempo e na história, à época da colonização, e depois do fracasso das capitanias hereditárias, o governo português inventou os governadores-gerais. E com eles, a burocracia.
Há registros históricos sobre o desembarque de nobres, funcionários públicos, soldados e criminosos (réus e degredados). Aliás, quase todos solteiros e interessados em grana fácil.
Resultou uma estrutura estatal forte, organizada, centralizadora e burocrática. Que não encontrou resistência civil. Conseqüentemente, nossa sociedade de então se adaptou a esta estrutura estatal.
Trata-se do domínio de uma casta de altos funcionários aliada ao patronato político cujos interesses comuns formam uma associação parasitária.
Juntos compõem uma rede que, espalhada pelo país, extrai dele tudo o que pode (leia mais em Os Donos do Poder (1958), do gaucho Raimundo Faoro (1925-2003).
O fruto principal dessa deformação histórica e dessa adaptação da sociedade é o “jeitinho brasileiro” e o famoso “querer levar vantagem em tudo”.
Nepotismo (emprego de parentes), compadrio, fraudes, falsificações, desrespeito a contratos, entre outros exemplos, são ações e atitudes que não sofrem reprovação moral. Ou então, se descobrirem, “não dá nada!”
De modo que o espírito do saque e o ânimo dominante confirmam a máxima de Aparício Torelly, o popular Barão de Itararé: “Negociata é um bom negócio para o qual não fomos convidados!”
Em verdade, estamos a merecer, como povo e sociedade, um apurado estudo de caráter sociológico sobre nosso caráter e nossa natureza (a) ética.
Ou tudo será, simplesmente, falta de educação, repressão, punição e cadeia?

19 junho 2009

Migrações Humanas

Abertas as urnas, as recentes eleições para o Parlamento Europeu confirmaram o que já se esperava. Um crescimento do nacionalismo e da xenofobia.
Vulgar e politicamente falando, xenofobia é uma rejeição, uma aversão em relação a pessoas, culturas ou raças diferentes, geralmente os estrangeiros.
Ainda que não maioria, e limitado a conquista de algumas cadeiras, os vitoriosos simbólicos foram os partidos de direita e centro-direita que defendem, principalmente, as políticas anti-imigração.
Durante muitos anos a Europa estimulou a vinda de estrangeiros, originários principalmente da América Latina e da África, e direcionados e empregados em atividades menos atraentes - e higiênicas! - do mercado de trabalho.
Mais recentemente, com a criação e a ampliação da Comunidade Européia, a oferta de mão-de-obra está sendo suprida pelos trabalhadores do leste europeu, países mais pobres da atual Europa.
Porém, face o desemprego que castiga duramente a Europa, cresce o sentimento de rejeição aos imigrantes latinos e africanos. Mas cresce também em relação aos trabalhadores vindos do leste europeu.
O problema da discriminação é tão grave que mesmo na unificada Alemanha um alemão originário da Alemanha Oriental sofre o preconceito. Então, que dirá um trabalhador não alemão, um não europeu.
Repito, no centro de todo esse processo de rejeição ao imigrante, ao estrangeiro, está o desemprego. E que atinge os jovens, principalmente.
O Brasil é um grande exportador de mão-de-obra qualificada e pouco qualificada. Os números são impressionantes. Há 250 mil brasileiros no Japão. 65 mil em Portugal. 65 mil na Itália. 45 mil na Suíça. 30 mil no Reino Unido. 20 mil na Bélgica. 350 mil no Paraguai E outros 500 mil nos demais países!
Sem contar os 1.500.000 de brasileiros que vivem nos Estados Unidos, especialmente nas cidades de Nova York, Miami, Houston, Chicago, Boston e São Francisco. Detalhe muito importante: metade desses brasileiros estaria trabalhando ilegalmente.
Mas essa história tem outro lado. Nosso país também recebe muita gente de outros países. A partir da metade do século XIX, o Brasil recebeu milhares de imigrantes vindos da Alemanha, Itália, Japão, Polônia e Portugal, principalmente.
Ultimamente, face os graves problemas político-econômico-financeiros enfrentados pela maioria dos países sul-americanos acontece um movimento migratório de sul-americanos rumo ao Brasil.
Claro que essa movimentação guarda relação com o mencionado endurecimento das regras de imigração nos Estados Unidos e na Europa.
Mas também sinaliza e caracteriza que há um reconhecimento em torno de nosso desenvolvimento econômico, cultural e social.
Sem dúvida, estamos sempre de portas abertas e receptivos. Por exemplo, votado pelo Congresso Nacional, nos próximos dias o presidente Lula vai anistiar 50.000 imigrantes ilegais que estão no Brasil.
Encerro e pergunto: estamos preparados para receber grandes fluxos migratórios internacionais quando também nos enfrentamos graves problemas de desemprego, de déficit de infra-estrutura social e habitacional?

12 junho 2009

REELEIÇÃO, DÉFICIT PÚBLICO E O VIR-A-SER

O direito à reeleição dos governantes é um assunto que suscita as mais variadas defesas e contestações. Mesmo entre os não fanáticos.
Teoricamente, procede a tese de defesa da continuidade administrativa e o direito do governante ter sua administração referendada (ou não) pelos cidadãos.
Claro que uma boa gestão também pode ser aprovada (e reeleita) através da eleição de um dos seus membros administradores ou partidários, sem ser o atual governante, assim evitando o risco e excesso personalista.
Isso tudo teoricamente. Porque não prática a história é outra. Não podemos ignorar a prática política real dos governantes.
Aberta a possibilidade da reeleição não é à toa que são, e foram, inevitáveis e crescentes os escândalos político-econômicos.
Também contrariamente ao direito de reeleição, devemos considerar os habituais e ruins níveis de gerência e eficácia dos negócios públicos e a quase completa ausência de fiscalização popular.
Se ainda pudéssemos contar com o parlamento. Infelizmente, é ineficaz a atuação das Câmaras de Vereadores, das Assembléias Legislativas e do Congresso Nacional, todos de atividades mansas, subservientes, e de pouco exercício essencial, ou seja, naquilo que lhes é essencial: a fiscalização do Poder Executivo.
Objetiva e consequentemente, o que tivemos e teremos, sempre, é uma explosão de gastos públicos, endividamento, e um aviltamento do processo eleitoral, desigual em todos os sentidos.
Inversão de prioridades públicas e gestão marcada pelo fisiologismo, o clientelismo e o interesse eleitoral do prefeito, do governador e do presidente, preocupados, unicamente, com sua reeleição.
Pode-se agregar a estes temores mais um aspecto fundamental, suponho que de natureza ética. Diz respeito à imprensa, aos meios de comunicação, que recebem muito dinheiro de órgãos públicos.
Inevitavelmente, interferirão indiretamente no processo eleitoral tendendo a comunicar “as boas novas administrativas e o ótimo desempenho do prefeito, do governador, do presidente...”, em paralelo ao processo eleitoral e à margem da equidade desejada pela legislação eleitoral.
Irônica e contraditoriamente aos esforços de controle da inflação, redução do déficit orçamentário, enxugamento dos gastos públicos, os candidatos à reeleição colaboram para o agravamento do desequilíbrio das contas públicas.
Falando em outros e objetivos termos, e dando lugar à compreensão acerca das fraquezas humanas e das vocações autoritárias dos grupelhos políticos, entende-se o atual e oportunista movimento queremista. É da natureza da política e dos políticos seu agudo instinto de sobrevivência. Se necessário mudam o comportamento, esquecem as promessas juramentadas, mudam de companheiros, mudam as regras, mudam o que for necessário e de acordo com a perspectiva nova. Afinal, um político raramente é o que tem sido, ou é o que foi ontem, mas é o que pode vir a ser!
Então, por todas as razões éticas, pelos princípios republicanos, e no interesse da boa administração pública, se já é discutível (e ruim) uma reeleição, o que dirá uma segunda reeleição!

05 junho 2009

Capitalismos

Ao longo de sua história, povos e governos experimentam e vivenciam diversas teorias políticas e econômicas, alternando sucessos e fracassos. Reais e ilusórios. Catastróficos, às vezes!
Nos dois extremos mais recentes destas experiências encontramos o capitalismo e o comunismo, teorias ainda em busca de uma síntese.
Esta síntese se imaginava realizada no estado de bem-estar social tipo europeu, o famoso welfare-state. Infelizmente, as alterações geopolíticas na Europa (e no mundo) modificaram dramaticamente aquela realidade, ora submetida a graves desafios e distúrbios sócio-econômicos.
Enquanto não encontramos ou realizamos a boa síntese, nos resta, com ares definitivos, o capitalismo com todos os seus defeitos, sua hipocrisia e cinismo. E com suas virtudes!
No núcleo e motor de tudo, o egoísmo e a busca do lucro, isto que alguns filósofos denominam de inevitabilidade da condição e natureza humana.
Adiadas e não (re)descobertas as utopias da sociedade humana ideal, restam as dificuldades inerentes e o inevitável humor sobre suas contradições e paradoxos. Veja alguns divertidos (e não menos verdadeiros) exemplos nacionais de teoria capitalista:
Capitalismo ideal: Você tem duas vacas. Vende uma e compra um touro. Eles se reproduzem e a economia cresce. Você vende o rebanho e se aposenta rico!
Capitalismo norte-americano: Você tem duas vacas. Vende uma e força a outra a produzir leite de quatro vacas. Fica surpreso quando ela morre.
Capitalismo Alemão: Você tem duas vacas. Elas produzem leite regularmente, segundo padrões de quantidade e horário previamente estabelecido, de forma precisa e lucrativa. Mas o que você queria mesmo era criar porcos!
Capitalismo Chinês: Você tem duas vacas e 300 pessoas tirando leite delas. Você se gaba de ter pleno emprego e alta produtividade. E prende o sujeito que divulgou os números.
Capitalismo Japonês: Você tem duas vacas. Redesenha-as para que tenham um décimo do tamanho de uma vaca normal e produzam 20 vezes mais leite. Depois cria desenhinhos de vacas chamados Vaquimon e os vende para o mundo inteiro.
Capitalismo Suíço: Você tem 500 vacas, mas nenhuma é sua. Você cobra para guardar a vaca dos outros.
Capitalismo Britânico: Você tem duas vacas. As duas são loucas.
Capitalismo Português: Você tem duas vacas. E reclama porque seu rebanho não cresce...
Capitalismo Indiano: Você tem duas vacas. Ai de quem tocar nelas!
Capitalismo Brasileiro: Você tem duas vacas. Uma delas é roubada. O governo cria a CCPV- Contribuição Compulsória pela Posse de Vaca. Um fiscal vem e aplica uma multa, porque embora você tenha recolhido corretamente a CCPV, o valor era pelo número de vacas presumidas e não pelo de vacas reais. A Receita Federal, por meio de dados também presumidos do seu consumo de leite, queijo, casacos e sapatos de couro, presumia que você tivesse 200 vacas. Para se livrar da encrenca, você dá a outra vaca para o fiscal “deixar por isso mesmo”!

02 junho 2009

A Dor de Liane

Estamos ameaçados e acuados. Sentimento real ou psicológico, não importa, é o que todos sentimos. Desconfiança e insegurança.
Em cada transeunte, em cada cidadão que passa, vemos um suspeito, uma ameaça ao nosso bolso e à nossa integridade física. Estamos à beira de um ataque de nervos!
Vejam só nossas casas, pátios e empresas. À porta de entrada, guaritas. Grades, cercas elétricas, cães e vigias. “Bunkers” é o que parecem.
Nossas ruas são imensos corredores gradeados. Verdadeiros alçapões. Quem precisar correr, fugir, buscar socorro em alguma casa ou pátio alheio está perdido.
Não tem por onde entrar, nem por onde sair, nem para onde correr. Presa fácil do bandido da ocasião. Ou presa fácil de um cachorro violento e desgarrado.
Como aconteceu agora com a senhora Liane Anton, em Santa Cruz do Sul(RS), que teve partes do seu corpo dilaceradas pelo ataque e violência de dois pitpulls. Liane está hospitalizada e em estado gravíssimo.
Nesse caso, como em outros tantos, fica evidente a perigosa combinação de nossos medos, dos nossos excessos de proteção e de nossas negligências e imprudências.
É o mesmo caso do pai que tem uma arma em casa, mas não a guarda com a devida cautela e zelo. Quantas tragédias não conhecemos consequência da inabilidade e curiosidade infanto-juvenil.
E com os cães de guarda não é diferente. Ora são os canis impróprios, ora as cercas frágeis e as guias inadequadas.
Mas a maior imprudência, a maior negligência, é a cega confiança que o dono nutre por seu cão, inadequada e soberbamente. Por excesso de afeição e ignorância, muitos donos esquecem que seus “bichinhos” são animais irracionais.
Apesar de todos os estudos, pesquisas e adestramentos, não compreendemos e dominamos plenamente suas reações e seus limites.
O que nos leva a imaginar que o mais singelo bichinho pode ser controlável? E que “linguagem” animal é esta que os donos supõem dominar a ponto de cogitar/controlar/dialogar com seus bichos e suas reações ancestrais e atávicas?
Quanto às feras em destaque, a exemplo de pitbulls, rottweilers e dobermanns, em especial, com um histórico genético complexo e antecedentes de violência, a imprudência e a negligência dos donos dá margem à cogitação de ocorrência de dolo eventual. Caso de polícia e justiça!
Quantas pessoas mais deverão morrer, a exemplo de dezenas de velhos e crianças trucidadas, e outros tantos que restam mutilados e com prejuízos funcionais e estéticos irreversíveis?
Em respeito e diante da imensa dor de Liane, não vou simplificar e discorrer sobre condomínios, parques e ruas que estão tomados de animais e sua urina e fezes.
Seja por razões de higiene pública, seja por razões de segurança das pessoas, não deveria ser assim tão simples e inconseqüente a divisão dos espaços públicos com os animais.
Afinal, na rua, no parque ou na praça, diante da aproximação de um cão, independentemente do seu tamanho, por que deveríamos adivinhar se é manso ou não? Explique isto para uma criança!?

22 maio 2009

A Premiação do Óbvio

Nos últimos anos, é prática comum a exaltação, declaração e propagação dos atos de honestidade, quando, sabidamente, deveria ser simplesmente a prática comum e cotidiana de cada um, sejam pessoas ou empresas.
Têm-se repetido a mesma ênfase tocante à prática empresarial, comumente denominada de responsabilidade social.
É rotineira a divulgação de premiações e honrarias sob o pretexto do cumprimento de legislação fiscal e tributária, não exploração de mão-de-obra infantil, proteção e compensações ambientais, entre outras “virtudes”.
Há, inclusive, “selo de cidadania atribuído às empresas que pagam seus impostos, cumprem a legislação, assinam a carteira de trabalho dos empregados e utilizam produtos de comprovada qualidade”.
Em outras palavras, aquilo que deveria ser o óbvio, o padrão de comportamento, passa a ser uma virtude declarada e premiada.
Agrava-se a questão na medida em que setores oficiais passam a conceder outorgas honoríficas pelo cumprimento da lei.
O legal e obrigatório é tido e havido como excepcional. Inversamente, é permitido e possível deduzir que os não premiados, até prova ou prêmios em contrário, estão à margem da legislação.
Ou seja, sua não honestidade é presumida, haja vista que não possuem nem ostentam atestado de idoneidade filantrópica passado por autoridade competente, salvo as burocráticas certidões.
Nestes moldes, os responsáveis por estas premiações estão operando uma vulgarização e banalização do princípio da responsabilidade social.
O solidarismo, o voluntariado e a ação social, que deviam retratar as virtudes e o senso ético de um povo, acabam por dar lugar às práticas interesseiras e marqueteiras.
E por falar em solidarismo, voluntariado e ação social (e sem falar em desgovernos!), vamos lembrar alguns números e estatísticas sobre as crianças pobres brasileiras.
Segundo a UNICEF, 21 milhões de crianças brasileiras vivem na pobreza. Desses, seis milhões em pobreza absoluta.
Entre os critérios de avaliação da UNICEF se destacam sete identificadores do estado de pobreza. Quais sejam: falta de água potável, condições sanitárias precárias, moradia precária, falta de informação, falta de educação, falta de alimento e condições de saúde precárias.
É considerada pobre a criança que sofre pelo menos um desses efeitos. Afetada por mais de um indicador será classificada como vivendo em absoluta pobreza.
As conseqüências desse quadro do horror social são óbvias. Traumas e seqüelas físicas, emocionais e intelectuais. Consequentemente, um futuro sombrio.
Portanto, antes de pensarmos em prêmios, certificados e comendas, convêm observarmos que a erradicação da pobreza é uma obrigação dos governos e um imperativo moral e ético da nação!

18 maio 2009

Crise de Pertencimento (reflexos dos escândalos)

Crise de Pertencimento
(reflexos dos escândalos)

Historicamente, por causa das guerras, invasões e pestes, os povos desenvolveram a necessidade de organização social, a exemplo de fortificações, vilas e cidades.
Essa convivência determinou o surgimento de um sistema de idéias e valores da vida em sociedade, suas possibilidades, expectativas e o papel social do indivíduo.
Segundo o sociólogo alemão Max Weber (1864-1920), seria uma “comunidade política”, voltada para a ação, partilhando valores, costumes, uma memória comum, criando uma “comunidade de sentido”, um “sentimento de pertencimento”.
Pertencimento, ou o sentimento de pertencimento, pode ser entendido como uma idéia ou crença que une as pessoas e expresso por símbolos e valores sociais, morais, estéticos, religiosos, políticos, dentre outros.
Sentir-se pertencente a um lugar, sentir que tal lugar também nos pertence, sentir que vale a pena interferir na rotina e nos seus rumos.
É um sentimento muito parecido com a identificação que estabelecemos com nosso clube social, nosso colégio, com o time de futebol pelo qual torcemos, a terra onde nascemos, nosso bairro.
Daí também nasce a expressão “bairrismo”. Orgulhosa e positivamente falando, é o que se manifesta quando alguém pergunta sobre nosso estado, nossa cidade, nossa vila, nosso povo.
Não é a toa que as comunidades têm suas festas típicas, seus monumentos, atrações artísticas e culturais, tradicionais empresas, homens públicos e artistas de renome.
Ou, então, elogiosas e referenciais características de desenvolvimento sócio-econômico, como progresso, modernidade, urbanidade, limpeza, etc...
Bem, isso tudo é coisa do passado. Em tempos de empobrecimento e desemprego, popularização de (maus) costumes, razões sociais e culturais em desvalorização, todos valores, práticas e comportamentos estão em xeque e estado de choque.
Mais otimista, alguém dirá: mas restam as leis que regem a sociedade, que fundam, fixam e norteiam nossas ações e a vida em sociedade.
Nesse cenário ininterrupto de deboche, fingimento e impunidade, mesmo as leis que restam são como idealizações que não resistem a realidade.
Então, resumindo, sobre valores sociais, costumes comunitários e leis, sempre haverá aquele que pensa e age diversamente, indiferente às construções sociais do passado, e que, deliberadamente ou não, não compartilha dos mesmos costumes!
Pergunto: sobreviverá o ideal do pertencimento? A considerar os históricos valores sociais e suas motivações inaugurais e a degradação em curso, ainda há motivos para ufanismo coletivo e comunitário?

12 maio 2009

DALITS

A novela global “Caminho das Índias” tem proporcionado à maioria de nosso inculto e mal-informado povo o conhecimento da realidade social da Índia, o gigante país asiático.
Muitos indianos radicados no Brasil têm reclamado e dito que o retratado pela novela não corresponde à realidade atual.
É verdade que desde Ghandi há um imenso esforço legal e constitucional para a superação dessas diferenças. Mas os costumes resistem influenciados pela conservadoríssima religião hindu.
Observando os intocáveis dalits, com suas vidas em paralelo aos demais cidadãos, considerados e tratados como não parte do sistema social, pensei em milhões de brasileiros. As castas também existem por aqui?
As crescentes e permanentes dificuldades que nosso povo tem enfrentado, haja vista o evidente e continuado empobrecimento geral, têm gerado e lançado às ruas um exército de miseráveis.
São viradores de lixo, catadores de papel, guardadores de carro e moradores de rua (sem-teto). Uma multidão de sem-nada!
Tirante a estética da pobreza, que enriquece poucos e que a mídia explora muito bem, notadamente o cinema e a televisão, resta a verdade nua e crua das rotinas de sobrevivência.
São várias, variadas e notórias situações de exclusão absoluta, degradação humana, alcoolismo, drogadição, loucura, perda de identidade, entre outras anomalias comportamentais e existenciais.
Miséria, fome, fracasso, sofrimento, é o que têm em comum estes personagens de nosso cotidiano. Eu disse nosso cotidiano?! Errado!
Eles são invisíveis. Ninguém os vê ninguém os percebe. Apesar de estarem aqui, ali e acolá, é como se não existissem. Pois esta é uma resolução de nossa sociedade. Ignora-se!
Gestos isolados como a mão que alcança uns trocados, uma roupa usada, um cigarro pela metade, não tornam seus corpos visíveis por inteiro; talvez apenas suas mãos estendidas.
Seus rostos e seus espíritos continuam nas trevas às quais os relegamos. Nem ousamos olhar em seus olhos porque é insuportável!
Olhar fixamente em seus olhos é como uma fotografia que nos acompanhará para sempre. Incomodativa e indeletável!
São homens, mulheres e crianças que caminham à margem de nossos belos e floridos jardins de nossas casas e imponentes condomínios.
São com eles que cruzamos a caminho do trabalho, à saída para as baladas noturnas, à porta e escadarias de nossas soberbas e centenárias igrejas e palácios de governo.
São os nossos dalits!

04 maio 2009

A Turma do "Deixa-Disso"

Todos os dias somos confrontados com casos de corrupção, fraudes, apropriação indébita, usurpação de funções, enfim, escândalos de todas as naturezas e origens.
No centro de todos os casos algumas constatações e óbvias coincidências: excesso de estado, ausência de controles, não transparência e impunidade.
São variáveis que convergem para um mesmo fim: é um bom negócio e de baixo risco “assaltar” os cofres públicos e privados!
Apesar de todas as vozes de revolta e indignação, se trata de um assunto/debate que inevitavelmente nos leva a outras desagradáveis constatações e conclusões.
Entre tais observações concorrem inúmeras notícias e episódios diários que relacionam a conduta do brasileiro ao famoso estigma de “querer levar vantagem em tudo”.
Menor valor e/ou conseqüência social não são razões para inibir a tentação e o oportunismo. Apenas confirmam uma índole suspeita. Uma incompatibilidade e não vocação comunitária. Uma carência de perspectiva ética balizadora.
E exemplos não faltam. Fraudes relacionadas à distribuição e utilização do Programa Bolsa Família, às pensões do INSS, às licenças médicas fraudadas, entre outros.
A maioria destas fraudes é praticada por autoridades, representantes político-partidários e funcionários públicos, quase sempre em conluio com pessoas do povo e da própria comunidade.
E por mais que algumas pessoas “coloquem a boca no trombone”, são pecados social e localmente assimiláveis. Graças a “Turma do Deixa-Disso”.
A regra-geral da “Turma do Deixa-Disso” é uma conduta muito adotada pelos especialistas em sobrevivência política e social em pequenas e médias cidades.
Qual seja: nunca critique, sempre elogie; nunca seja contra, seja sempre a favor; nunca afirme com convicção, apenas cogite. Acusar, cobrar, condenar? Jamais!
Afinal, não passam rápido ao “esquecimento” escandalosas viagens e diárias de vereador, contas e prestações de contas mal esclarecidas de festas da alegria, e, mais recentemente, generosa e bem-paga compra de terras em período pós-eleitoral?
A ironia no descobrir e desvendar dos pequenos e grandes “negócios de ocasião” é que quase sempre é por causa de alguém que não foi contemplado ou lembrado na hora da repartição do butim.
Alguém lembrou: e a honra, a dignidade, a verdade e a justiça?
Mas quem, hoje, dá “bola” para estes ditos, apregoados e teóricos valores pessoais, sociais e institucionais?
Afinal de contas, no frigir dos ovos existenciais todos somos dotados de boa índole e das melhores intenções. Ah, e desvios de conduta são inerentes à condição humana!
Mas resta uma perturbadora indagação: será que é possível que tenhamos e suportemos vários níveis de tolerância ética? Diferentes níveis de concessões políticas e sociais? Alternativos níveis de delinqüência e corrupção toleráveis? E que todas estas concessões não têm nada a ver conosco e com a atual situação da nação?