26 fevereiro 2009

A Era da Ignorância

Tanto em volume quanto em divulgação, nunca foram tantas as alternativas e oportunidades de acesso a educação, ao saber, a cultura, a escolarização e a produção científica.
O conhecimento acumulado acerca da existência humana e do meio-ambiente é fantástico e imenso. A racionalidade e a ciência prosperam e asseguram uma vida melhor.
Passo a passo, crendices e superstições dão lugar ao saber científico e metodológico. Mais e mais pessoas vão além de um conhecimento que tinham e que adquiriram em seus meios de origem social.
Porém, a plena receptividade, a compreensão, o estabelecimento e o desenvolvimento dessas mensagens ainda dependem do esforço e empenho pessoal e individual. Daí que assistimos e vivenciamos um incrível paradoxo.
Ao mesmo tempo em que avançamos grandiosamente na produção e divulgação do saber científico, nunca foi tão grande o número de pessoas (com)partilhando superstições e explicações simplistas, erradas e idiotas. Como se verdade fosse!
A fartura, exuberância e instantaneidade dos modernos meios de comunicação, a exemplo de celulares multimídia e da própria internet, garantem sua propagação.
Bem, podemos dar um “desconto” e admitir, como bem demonstra a história em todos os períodos e sociedades, que a cultura científica sempre foi restrita e elitista.
E que sempre houve uma “competição” da ciência com a cultura popular, rica em simplificações ingênuas e travestidas em conhecimento popular e senso comum.
Um bom exemplo da massificação da ignorância é a crescente oferta e divulgação dos manuais de astrologia e auto-ajuda, com práticas e garantias de “sucesso pessoal, no amor e nas finanças”.
Também prospera o fundamentalismo religioso. Explicações sobre a origem do universo, da vida, da humanidade, que ignoram e contrariam, sem cerimônia, a biologia, a antropologia, a arqueologia e a história, entre outras ciências.
Isso sem falar na “indústria” religiosa, o comércio da fé e seus teólogos da prosperidade, que expurgam “demônios” e abençoam carteiras de trabalho.
Repetindo, haja vista a fartura tecnológica e o acesso universal, muitas pessoas propagam a ignorância, preconceitos e a falsa ciência, sem restrições e sem constrangimentos. Como se houvesse uma genialidade natural, uma geração espontânea do saber.
Mas com tantos corações carentes de afeto, ouvidos ávidos de atenção e estômagos vazios, não é surpresa a supremacia da ignorância, da mistificação e do curandeirismo.

20 fevereiro 2009

Opinião e Julgamento Sumário

Parafraseando no nosso quase unânime e verborrágico presidente, que cunhou a pérola semântica e demagógica “do nunca antes!”, quero dizer, também, que nunca antes houve tanta opinião e julgamento sumário.
E nem me refiro às corriqueiras conversas de esquina, dos fofoqueiros de plantão ou de vizinhas ao pé da cerca, de cuia e vassoura na mão.
A maioria das notícias é apresentada como opinião. Sem provas formais, indícios e suspeitas se tornam evidências incontestáveis e os suspeitos julgados, culpados e condenados. Ou absolvidos. Tudo em 30 segundos!
Não são apenas os renovados escândalos políticos e econômicos, de representantes e autoridades constituídas, instituídas e “prostituídas”.
Mas também no âmbito social, no mundo das pessoas sem poder e sem representação, ocorrem as precipitações de condenação e absolvição.
Dizem que se trata de um fenômeno mundial, fruto da aldeia global e multimídia. Aliás, hoje em dia tudo é pós-moderno, apesar do viés medieval!
Veja fato recente como a brasileira “mutilada” na Suíça. Tudo indica que haverá reversão total das versões pré-enunciadas e anunciadas. Até o experiente Itamaraty “embarcou”!
Tardiamente, os pais afirmaram que a filha sofre de uma doença (Lúpus) que causa alucinações. Bem antes, entretanto, colegas de trabalho da brasileira já haviam dito que a ultrassonografia que ela enviara sobre sua gravidez se tratava de uma imagem copiada da internet.
O fato é que entre a notícia inicial e as informações mais recentes ocorreram muitas acusações, condenações e absolvições prévias, de pessoas comuns, de altas autoridades, partido político suíço e nacionalidades.
Outro exemplo: e aqui entre nós, o que pensar e dizer sobre o suicídio do jovem assessor do governo gaucho, em Brasília. Andava triste e deprimido, dizem seus amigos e familiares, visto que não mais suportava a imputação criminosa que lhe fora feita na CPI do DETRAN, ainda que sem provas, nem processo, nem condenação judicial.
Descontadas e perdoadas as precipitações comuns a todos nós, a verdade é que vivemos uma profunda crise ética acerca da manipulação das palavras e a (des)construção da verdade.
O sacrifício da verdade tem fraudado nossas boas e necessárias expectativas comunitárias. Afinal, qual a motivação de participação e credibilidade se não é dita e pretendida a verdade? Ou, então, se é fomentado o preconceito?
O pior fruto da ausência da verdade, ou da existência da mentira, é a conseqüente hierarquia e supremacia da intolerância.
E não é por falta de recomendações e lições. Exemplarmente, em 26 de agosto de 1789, os franceses já escreviam na sua Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão que toda pessoa é considerada inocente até prova em contrário, e que ninguém poderá ser condenado por suas idéias, mas somente por seus atos.
Também o filósofo alemão Hegel (1770-1831) já dissera que a transformação sumária do suspeito em culpado e sua condenação à morte sem direito de defesa, é uma morte efetuada sob a forma do espetáculo público.

13 fevereiro 2009

Prometeu e o Abutre

Na identificação e conceituação de (quase) tudo, e sempre, a perspectiva e a proximidade são fatores determinantes. Também, e ao fim, ainda se acrescenta um juízo de valor otimista ou pessimista.
Mas se perspectiva e proximidade são fatores objetivos e mensuráveis, os juízos de otimismo e pessimismo são sujeitos e influenciados por motivações e interpretações pessoais e/ou grupais.
Dito isso, quero contestar o ufanismo governamental e seu séquito obediente e nababesco.
São poucos os países no mundo que tem uma distância e uma convivência tão injusta entre sua riqueza real e potencial e a pobreza material e pessoal dos seus habitantes.
Se no passado, em outra circunstância histórica, o Estado foi responsável por ondas de progresso social e industrializante, hoje é o principal fator de atraso e travamento do desenvolvimento nacional.
A nação está sufocada em seu potencial de crescimento social e econômico por um Estado não funcional, perdulário nos seus gastos, inoperante e incompetente nos investimentos produtivo e educacional.
A excessiva e inesgotável centralização estatal retroalimenta sua insaciável voracidade tributária e determina, na mesma proporção, as negociatas, falcatruas e a corrupção.
O Brasil parece Prometeu. Um gigante acorrentado a uma rocha pelos grilhões e condenado a ter seu fígado devorado por um abutre que o debilita continuamente.
No papel do abutre devorador está o Estado (governo federal, principalmente). Prometeu é o povo brasileiro. O fígado é seu bolso e seu futuro.
Dia e noite, noite e dia o “abutre” suga o bolso dos cidadãos acorrentados às centenas de grilhões tributários, fiscais e regulatórios e uma burocracia vigilante e persecutória.
Mas a dependência e os grilhões também são psicológicos. Diariamente, o povo apela e quer que o Estado resolva pequenos problemas locais.
Irônica e paradoxalmente o povo insiste em cobrar serviços desse mesmo e falido Estado, que lhe faz pequenas concessões com “uma mão” e lhe retira mais com a “outra mão”. O centralismo contaminou a sociedade.
Se não dermos um basta ao abutre, e nos libertarmos da ignorância e dos grilhões, continuaremos acorrentados.
Na mitológica história grega, Prometeu e seu irmão Epimeteu foram encarregados pelos deuses para criar homens e animais.
Esgotados os recursos disponíveis, ficara pendente a determinação da superioridade humana. Prometeu, então, destina o domínio do fogo aos humanos. Mas para isso roubara o fogo, exclusividade dos deuses.
Como castigo a Prometeu, Zeus, o senhor do Olimpo e deus supremo, ordenou que fosse acorrentado ao monte Cáucaso, onde todos os dias um abutre ia dilacerar seu regenerável fígado. Esse castigo devia durar 30.000 anos!

06 fevereiro 2009

Sonhar e aventurar

A renovação da utopia e o congraçamento universal são as marcas da organização e realização do Fórum Social Mundial, recém encerrado em Belém do Pará.
Um evento de contraposição à inevitabilidade histórica, ou ao dito fim da história. Um delírio coletivo aos olhos e coração de um conservador!
Politicamente conscientes ou não, conservadores acreditam que “a vida é assim mesmo, que as pessoas são o que são, e que os governos são todos iguais, enfim, o mercado é que sabe.”
Mas é possível crer em “outro mundo”. Povos e governos experimentam ao longo de suas existências diversas teorias políticas e econômicas, alternando sucessos e fracassos.
Historicamente, nos dois extremos das experiências recentes encontramos o capitalismo e o comunismo, teorias ainda em busca de uma síntese. Imaginava-se essa síntese realizada no Estado de Bem-Estar Social tipo europeu, o famoso welfare-state.
Infelizmente, as alterações geopolíticas na Europa modificaram dramaticamente aquela realidade, submetendo-a a graves distúrbios sócio-econômicos alavancadas pelo massivo desemprego.
De modo que, mesmo sob protestos reina o capitalismo com todos os seus defeitos. E no núcleo de tudo, o egoísmo, isso que alguns denominam de inevitabilidade da condição e natureza humana.
Ultimamente, a mundializacão da economia e a concentracão do capital afetam e comprometem a unidade e coesão social dos povos. A supremacia dos mercados parece agravar as desigualdades econômicas.
Consequentemente, a imperfeição do modelo dominante legitima a revolta e a agitação popular. São incertezas e contradições que demandam um esforço e exercício de mobilização, resistência, organização e construção de alternativas.
Todavia, vacinados contra tiranetes e demagogos, há de se lembrar sempre que não podemos prescindir do exercício da liberdade, tolerância e solidariedade.
E no exercício dos pensamentos e dos ideais almejados já fluem algumas utopias reunidas. Vejamos:
As relações econômicas devem estar a serviço da pessoa, e não a pessoa a serviço da economia. A economia é objeto da pessoa e esta seu sujeito, e não a economia sujeito da pessoa e esta seu objeto.
A liberdade de autodeterminação não pode se limitar a capacidade e autonomia de consumo, mas alcançar à idéia de um sentido próprio a vida, de sua consagração positiva.
Resumo das utopias reunidas: trata-se de alimentar a esperança de que a razão e a solidariedade podem superar o instinto predador. Não custa sonhar e se aventurar!
“Aventurar-se causa ansiedade, mas deixar de arriscar-se é perder a si mesmo. Aventurar-se no sentido mais amplo é precisamente tomar consciência de si próprio.”, dizia o teólogo e filósofo dinamarquês Soren Kierkegaard (1813-1855).