22 maio 2009

A Premiação do Óbvio

Nos últimos anos, é prática comum a exaltação, declaração e propagação dos atos de honestidade, quando, sabidamente, deveria ser simplesmente a prática comum e cotidiana de cada um, sejam pessoas ou empresas.
Têm-se repetido a mesma ênfase tocante à prática empresarial, comumente denominada de responsabilidade social.
É rotineira a divulgação de premiações e honrarias sob o pretexto do cumprimento de legislação fiscal e tributária, não exploração de mão-de-obra infantil, proteção e compensações ambientais, entre outras “virtudes”.
Há, inclusive, “selo de cidadania atribuído às empresas que pagam seus impostos, cumprem a legislação, assinam a carteira de trabalho dos empregados e utilizam produtos de comprovada qualidade”.
Em outras palavras, aquilo que deveria ser o óbvio, o padrão de comportamento, passa a ser uma virtude declarada e premiada.
Agrava-se a questão na medida em que setores oficiais passam a conceder outorgas honoríficas pelo cumprimento da lei.
O legal e obrigatório é tido e havido como excepcional. Inversamente, é permitido e possível deduzir que os não premiados, até prova ou prêmios em contrário, estão à margem da legislação.
Ou seja, sua não honestidade é presumida, haja vista que não possuem nem ostentam atestado de idoneidade filantrópica passado por autoridade competente, salvo as burocráticas certidões.
Nestes moldes, os responsáveis por estas premiações estão operando uma vulgarização e banalização do princípio da responsabilidade social.
O solidarismo, o voluntariado e a ação social, que deviam retratar as virtudes e o senso ético de um povo, acabam por dar lugar às práticas interesseiras e marqueteiras.
E por falar em solidarismo, voluntariado e ação social (e sem falar em desgovernos!), vamos lembrar alguns números e estatísticas sobre as crianças pobres brasileiras.
Segundo a UNICEF, 21 milhões de crianças brasileiras vivem na pobreza. Desses, seis milhões em pobreza absoluta.
Entre os critérios de avaliação da UNICEF se destacam sete identificadores do estado de pobreza. Quais sejam: falta de água potável, condições sanitárias precárias, moradia precária, falta de informação, falta de educação, falta de alimento e condições de saúde precárias.
É considerada pobre a criança que sofre pelo menos um desses efeitos. Afetada por mais de um indicador será classificada como vivendo em absoluta pobreza.
As conseqüências desse quadro do horror social são óbvias. Traumas e seqüelas físicas, emocionais e intelectuais. Consequentemente, um futuro sombrio.
Portanto, antes de pensarmos em prêmios, certificados e comendas, convêm observarmos que a erradicação da pobreza é uma obrigação dos governos e um imperativo moral e ético da nação!

18 maio 2009

Crise de Pertencimento (reflexos dos escândalos)

Crise de Pertencimento
(reflexos dos escândalos)

Historicamente, por causa das guerras, invasões e pestes, os povos desenvolveram a necessidade de organização social, a exemplo de fortificações, vilas e cidades.
Essa convivência determinou o surgimento de um sistema de idéias e valores da vida em sociedade, suas possibilidades, expectativas e o papel social do indivíduo.
Segundo o sociólogo alemão Max Weber (1864-1920), seria uma “comunidade política”, voltada para a ação, partilhando valores, costumes, uma memória comum, criando uma “comunidade de sentido”, um “sentimento de pertencimento”.
Pertencimento, ou o sentimento de pertencimento, pode ser entendido como uma idéia ou crença que une as pessoas e expresso por símbolos e valores sociais, morais, estéticos, religiosos, políticos, dentre outros.
Sentir-se pertencente a um lugar, sentir que tal lugar também nos pertence, sentir que vale a pena interferir na rotina e nos seus rumos.
É um sentimento muito parecido com a identificação que estabelecemos com nosso clube social, nosso colégio, com o time de futebol pelo qual torcemos, a terra onde nascemos, nosso bairro.
Daí também nasce a expressão “bairrismo”. Orgulhosa e positivamente falando, é o que se manifesta quando alguém pergunta sobre nosso estado, nossa cidade, nossa vila, nosso povo.
Não é a toa que as comunidades têm suas festas típicas, seus monumentos, atrações artísticas e culturais, tradicionais empresas, homens públicos e artistas de renome.
Ou, então, elogiosas e referenciais características de desenvolvimento sócio-econômico, como progresso, modernidade, urbanidade, limpeza, etc...
Bem, isso tudo é coisa do passado. Em tempos de empobrecimento e desemprego, popularização de (maus) costumes, razões sociais e culturais em desvalorização, todos valores, práticas e comportamentos estão em xeque e estado de choque.
Mais otimista, alguém dirá: mas restam as leis que regem a sociedade, que fundam, fixam e norteiam nossas ações e a vida em sociedade.
Nesse cenário ininterrupto de deboche, fingimento e impunidade, mesmo as leis que restam são como idealizações que não resistem a realidade.
Então, resumindo, sobre valores sociais, costumes comunitários e leis, sempre haverá aquele que pensa e age diversamente, indiferente às construções sociais do passado, e que, deliberadamente ou não, não compartilha dos mesmos costumes!
Pergunto: sobreviverá o ideal do pertencimento? A considerar os históricos valores sociais e suas motivações inaugurais e a degradação em curso, ainda há motivos para ufanismo coletivo e comunitário?

12 maio 2009

DALITS

A novela global “Caminho das Índias” tem proporcionado à maioria de nosso inculto e mal-informado povo o conhecimento da realidade social da Índia, o gigante país asiático.
Muitos indianos radicados no Brasil têm reclamado e dito que o retratado pela novela não corresponde à realidade atual.
É verdade que desde Ghandi há um imenso esforço legal e constitucional para a superação dessas diferenças. Mas os costumes resistem influenciados pela conservadoríssima religião hindu.
Observando os intocáveis dalits, com suas vidas em paralelo aos demais cidadãos, considerados e tratados como não parte do sistema social, pensei em milhões de brasileiros. As castas também existem por aqui?
As crescentes e permanentes dificuldades que nosso povo tem enfrentado, haja vista o evidente e continuado empobrecimento geral, têm gerado e lançado às ruas um exército de miseráveis.
São viradores de lixo, catadores de papel, guardadores de carro e moradores de rua (sem-teto). Uma multidão de sem-nada!
Tirante a estética da pobreza, que enriquece poucos e que a mídia explora muito bem, notadamente o cinema e a televisão, resta a verdade nua e crua das rotinas de sobrevivência.
São várias, variadas e notórias situações de exclusão absoluta, degradação humana, alcoolismo, drogadição, loucura, perda de identidade, entre outras anomalias comportamentais e existenciais.
Miséria, fome, fracasso, sofrimento, é o que têm em comum estes personagens de nosso cotidiano. Eu disse nosso cotidiano?! Errado!
Eles são invisíveis. Ninguém os vê ninguém os percebe. Apesar de estarem aqui, ali e acolá, é como se não existissem. Pois esta é uma resolução de nossa sociedade. Ignora-se!
Gestos isolados como a mão que alcança uns trocados, uma roupa usada, um cigarro pela metade, não tornam seus corpos visíveis por inteiro; talvez apenas suas mãos estendidas.
Seus rostos e seus espíritos continuam nas trevas às quais os relegamos. Nem ousamos olhar em seus olhos porque é insuportável!
Olhar fixamente em seus olhos é como uma fotografia que nos acompanhará para sempre. Incomodativa e indeletável!
São homens, mulheres e crianças que caminham à margem de nossos belos e floridos jardins de nossas casas e imponentes condomínios.
São com eles que cruzamos a caminho do trabalho, à saída para as baladas noturnas, à porta e escadarias de nossas soberbas e centenárias igrejas e palácios de governo.
São os nossos dalits!

04 maio 2009

A Turma do "Deixa-Disso"

Todos os dias somos confrontados com casos de corrupção, fraudes, apropriação indébita, usurpação de funções, enfim, escândalos de todas as naturezas e origens.
No centro de todos os casos algumas constatações e óbvias coincidências: excesso de estado, ausência de controles, não transparência e impunidade.
São variáveis que convergem para um mesmo fim: é um bom negócio e de baixo risco “assaltar” os cofres públicos e privados!
Apesar de todas as vozes de revolta e indignação, se trata de um assunto/debate que inevitavelmente nos leva a outras desagradáveis constatações e conclusões.
Entre tais observações concorrem inúmeras notícias e episódios diários que relacionam a conduta do brasileiro ao famoso estigma de “querer levar vantagem em tudo”.
Menor valor e/ou conseqüência social não são razões para inibir a tentação e o oportunismo. Apenas confirmam uma índole suspeita. Uma incompatibilidade e não vocação comunitária. Uma carência de perspectiva ética balizadora.
E exemplos não faltam. Fraudes relacionadas à distribuição e utilização do Programa Bolsa Família, às pensões do INSS, às licenças médicas fraudadas, entre outros.
A maioria destas fraudes é praticada por autoridades, representantes político-partidários e funcionários públicos, quase sempre em conluio com pessoas do povo e da própria comunidade.
E por mais que algumas pessoas “coloquem a boca no trombone”, são pecados social e localmente assimiláveis. Graças a “Turma do Deixa-Disso”.
A regra-geral da “Turma do Deixa-Disso” é uma conduta muito adotada pelos especialistas em sobrevivência política e social em pequenas e médias cidades.
Qual seja: nunca critique, sempre elogie; nunca seja contra, seja sempre a favor; nunca afirme com convicção, apenas cogite. Acusar, cobrar, condenar? Jamais!
Afinal, não passam rápido ao “esquecimento” escandalosas viagens e diárias de vereador, contas e prestações de contas mal esclarecidas de festas da alegria, e, mais recentemente, generosa e bem-paga compra de terras em período pós-eleitoral?
A ironia no descobrir e desvendar dos pequenos e grandes “negócios de ocasião” é que quase sempre é por causa de alguém que não foi contemplado ou lembrado na hora da repartição do butim.
Alguém lembrou: e a honra, a dignidade, a verdade e a justiça?
Mas quem, hoje, dá “bola” para estes ditos, apregoados e teóricos valores pessoais, sociais e institucionais?
Afinal de contas, no frigir dos ovos existenciais todos somos dotados de boa índole e das melhores intenções. Ah, e desvios de conduta são inerentes à condição humana!
Mas resta uma perturbadora indagação: será que é possível que tenhamos e suportemos vários níveis de tolerância ética? Diferentes níveis de concessões políticas e sociais? Alternativos níveis de delinqüência e corrupção toleráveis? E que todas estas concessões não têm nada a ver conosco e com a atual situação da nação?