30 outubro 2009

Ora, mulheres...

Na histórica democracia grega, o acesso a “pólis” (cidade, comunidade) só era permitido aos homens. Escravos e mulheres não tinham significação política. Em várias outras civilizações, através dos tempos, ocorria e ocorreu o mesmo.
De modo que uma das maiores conquistas do movimento feminista foi a ruptura da influência patriarcal na discussão, organização e construção dos destinos da sociedade. A mulher passa de coadjuvante a ator principal, de igual para igual com o homem.
A filósofa Hannah Arendt (1906-1975) disse que “era o exercício do direito a ter direitos, uma vez que a conquista dos direitos exigiria um sujeito que tivesse ação na esfera política”.
Histórica e tradicionalmente, os grandes adversários femininos eram o Estado e a Igreja. Para seu enfrentamento, a mulher inova na contestação política e social e introduz temáticas novas e transformadoras.
Sobretudo relativamente aos temas planejamento familiar, filhos, aborto, pílula e sexo. Não era a toa que seu grito de batalha era “nosso corpo nos pertence"!
Família, sexualidade, trabalho doméstico, a divisão doméstica do trabalho, saúde das crianças, creches e escolarização, entre outros temas importantes, lideram a pauta política.
Outro aspecto relevante é que o sucesso da pauta feminina faz emergir novas demandas até então discriminadas e distantes do discurso público-político, a exemplo dos direitos de participação dos grupos de gays, lésbicas, negros, idosos e portadores de necessidades especiais.
Mas apesar de todas essas conquistas, ainda há graves desigualdades e abusos comportamentais. Ou não é abuso e atraso social a vulgarização e o comércio do corpo e da sexualidade feminina?
Por que estou lembrando essas conquistas político-sociais e da ação da mulher na área pública?
Porque a exemplo da eleição presidencial de 2006, quando Heloísa Helena (PSOL-Partido Socialismo e Liberdade) concorreu, teremos novamente uma candidatura feminina em 2010. Talvez duas candidatas. Depende de Marina Silva (PV-Partido Verde).
A outra candidata será a incensada Dilma Roussef (PT-Partido dos Trabalhadores), escolhida a dedo pelo Presidente Lula.
Apesar de todas essas conquistas e avanços, a participação feminina nas esferas de poder, na política em particular, ainda é pequena.
Os números não mentem. Entre 5.562 municípios brasileiros, apenas 418 são comandados por mulheres. Entre 27 estados, apenas três governadoras. Entre 513 deputados federais, apenas 44 mulheres. E no Senado Federal, entre 81 membros, apenas nove são mulheres.
A participação feminina nas estruturas de poder, tanto público quanto privado, está diretamente relacionada aos níveis de educação e desenvolvimento de uma nação.
Indicadores confirmam que quanto melhor o IDH (índice de desenvolvimento humano) de um país, mais equilibrada é a participação das mulheres. Nos países nórdicos, por exemplo, a participação parlamentar feminina chega a 50% dos cargos.
Sejam, pois, bem vindas todas as candidatas!

23 outubro 2009

Realismo Crítico

Dentre as mensagens que recebo de leitores, algumas observam uma tendência exageradamente crítica (e severa) de vários dos meus artigos, notadamente em relação aos governantes.
Agradeço a leitura, o contato e retribuo a correspondência, educadamente. Mas, na medida do possível, esclareço e amplio o entendimento e a interpretação com argumentos objetivos.
E mais: juro que toda semana, no momento de escrever o “contraponto”, prometo me concentrar sobre temas positivos e repletos de esperança e glória.
Mas a realidade é inconteste, urgente e inadiável. O otimismo desejado sucumbe aos fatos e sua gravidade. Ainda mais quando os fatos ocorrem em paralelo com a demagogia e o falso ufanismo das autoridades.
Por exemplo, tomemos o caso dessa semana. Do abatimento a tiros do helicóptero da polícia militar carioca. Da queima de vários ônibus. Do cerco dos morros. Do desespero da população local.
Mas também podemos considerar como exemplo os fatos e as estatísticas criminais dos demais estados brasileiros. Ou mesmo da nossa região!
Vou repetir algo que já escrevi. O Brasil é o campeão mundial de homicídios. Resultado sangrento da combinação de maus indicadores sociais e econômicos, desigualdade de renda, corrupção, acesso fácil a armas de fogo, crescimento do narcotráfico, urbanização desordenada, desestruturação familiar e, principalmente, impunidade.
Cotidiano de mortes, impunidade e velórios. Uma nação à beira de um ataque de nervos.
Mas o maior prejuízo da nação diz respeito à sua juventude. Trata-se de uma geração que nasce e cresce sob o signo da violência.
45 mil pessoas perdem a vida a cada ano. É número muito maior que as mortes de muitas guerras internacionais. Quer queiram ou não os otimistas, o nome disso é guerra civil. Guerra civil!
Doloroso é ver que nós continuamos nos comportando como se nada estivesse acontecendo. Aceitamos o lero-lero oficial e não reagimos!
E em meio a essa tragédia sem fim, o mais chocante não é a omissão, o ufanismo patético e demagógico dos governantes.
O pior é ver um ensaio de retrocesso no tempo da memória histórica. E assistir o exercício da repetição do culto à personalidade.
De modo que repito: não convém confundir realismo crítico com pessimismo!

16 outubro 2009

Os "Ficha Suja"

Os brasileiros estão cansados de tanta roubalheira, de tanta maracutaia envolvendo homens públicos. São alguns políticos e governantes, porém presentes em todos os partidos e em todas as instâncias de representação. Fatos que denigrem e desmoralizam nosso sistema democrático.
Como conseqüência dos escândalos, dos abusos e da impunidade, cresce a convicção sobre a necessidade de adoção de barreiras legais e eleitorais para impedir a candidatura, a eleição e a reeleição dessas pessoas. Em bom e simples português: quem tem "ficha suja" não pode se candidatar!
Por "ficha suja" deve-se entender aqueles candidatos, atuais políticos ou não, que foram condenados, ou com denúncia recebida por tribunal, em razão de irregularidades. Mesmo que ainda não haja condenação definitiva!
Entretanto, na opinião de advogados e juízes, principalmente do Supremo Tribunal Federal, ninguém pode ser privado de direitos sem condenação transitada em julgado. Está na lei, está na constituição!
E nem admitem remendos, ou meio-direito. Afirmam que o princípio da presunção da inocência não admite meio-termo. Ou seja, condenação em primeira instância não vale. Ou a condenação é definitiva ou os direitos políticos não podem ser restringidos!
Outro aspecto. Há receio de que possam ocorrer instaurações de procedimentos policiais e judiciais por conta da rixas político-partidárias. Denúncias e processos apenas para prejudicar adversários políticos, de modo a impedi-los de concorrer.
O Poder Judiciário diz que não tem culpa se há tantos subterfúgios legais, tantos recursos possíveis que impedem o bom e rápido andamento da justiça.
Resumo: isso se deve às leis. Afinal, as leis são aprovadas pelos políticos. Assim, não é à toa que os políticos são acusados de legislarem em causa própria.
Com todo o respeito aos doutores e ministros do Supremo Tribunal Federal, eu não concordo. Voltando a questão do direito constitucional e o principio da presunção da inocência, entendo que deveria haver uma conjugação e confrontação valorativa de princípios.
Afinal, também há outros princípios legais e constitucionais, a exemplo de moralidade e transparência, probidade administrativa e correta vida pregressa.
Um exemplo comparativo: um servidor público, um professor, um juiz, um promotor, por exemplo, mesmo depois de se submeter a um concurso, mas que tenha uma restrição de crédito pessoal (tipo Serasa, SPC), ou judicial, não pode ser nomeado!
E por que um político pode se candidatar mesmo tendo acusações, ocorrências policiais, ações judiciais e até condenações, ainda que sem julgamentos definitivos?
Tocante ao direito de concorrer a um cargo público, o que é mais importante: o princípio da presunção da inocência ou o princípio da moralidade pública?
Acredito que os direitos políticos não são pessoais. É parte dos interesses da sociedade. A eleição como processo, e a delegação de função como fim para o exercício da representação pública, exigem, sem dúvida, o imperativo da idoneidade moral. Como no caso de qualquer outro servidor público.
O povo pode não entender de direito e constituição, mas tem uma percepção lógica e clara sobre o que é justo e injusto, sobre o que é certo e errado!

09 outubro 2009

Por Uma Vida Desplugada

Quando saio às ruas ainda fico impressionado com a quantidade de gente que está ocupada com seus telefones celulares, suspensos aos ouvidos, ou falando em pequenos microfones presos à lapela.
Ainda me surpreendo com o total abandono da privacidade, substituída pela devassidão das intimidades ditas em altas e repetidas vozes.
Imediatamente, me advém óbvias e superficiais constatações: quanto assunto pendente, quanta coisa para decidir, quanta urgência, quanta novidade para contar!
Havia tudo isso, e tanto quanto, e de fato, represado ao longo de todos esses anos em que telefones eram restritos às salas e suas aquisições dependentes de filas e financiamentos?
Às vezes, para afastar e refutar minhas convicções de que nada pode ser tão importante que demande tamanho estardalhaço, ou que não possa esperar pelo ambiente pessoal e adequado, “espicho” os ouvidos para encontrar nas conversas alheias uma razão fundamental e urgente. Em vão!
Regra absoluta e geral, se confirma a obviedade, a futilidade, a irrelevância das conversas inconseqüentes e sem fim.
Fica quase uma certeza que reina uma carência absoluta de ser lembrado, de conversar, ainda que à toa, e de ser ouvido. Ser amado, talvez!
Como se fosse para dar sentido a alguma coisa, algum sentimento oculto e retraído, e que pode ser a própria vida, desconfiados de que ela é sem sentido.
Daí que também associo, a exemplo dos telefones celulares, a questão do uso de computadores. Ou mais precisamente, a utilização de seus mecanismos e softwares de comunicação e arquivos, tipo facebook, orkut, twitter, msn e similares, que escancaram a privacidade pessoal e alheia através de fotos, hábitos e relacionamentos pessoais.
E por que estou falando de tamanha obviedade, já enraizada no comportamento cotidiano das pessoas, e dos jovens, principalmente?
Porque há uma evidente descaracterização da essência do relacionamento interpessoal, um esvaziamento exagerado de alguns sentidos humanos.
Não é toa que recentemente o presidente do Google, Eric Schmidt, ao falar numa formatura na Universidade da Pensilvânia, nos Estados Unidos, disse aos graduandos que eles precisam encontrar as respostas que realmente importam, vivendo uma vida mais analógica.
Na ocasião, para descontrair o ambiente, e melhor se fazer compreender, observou, em relação às diferenças de gerações, “que as pessoas de sua geração passavam a vida tentando esconder seus momentos embaraçosos, enquanto que a geração atual grava e publica esses momentos no YouTube!”.
Na verdade, ao falar nesse tom, estava estimulando e encorajando os universitários a se afastar do mundo virtual e (re)criar relações humanas.
Literalmente, disse o seguinte: “Desliguem os seus computadores. Vocês precisam mesmo desligar seus telefones e descobrir tudo que há de humano a sua volta.”
Pois é, minha jovem gente, um outro mundo é possível, para além dos games, dos bloggers, das salas de bate-papo e da geléia-geral do ciberespaço. Uma vida real e desplugada!

03 outubro 2009

Sonho ou pesadelo?

Acho que a absoluta maioria das pessoas gosta das olimpíadas. Afinal, é uma extraordinária e pacífica reunião de pessoas e nações em torno das tentativas de superação das limitações físico-humanas e das leis da gravidade.
Escrevo horas antes da decisão acerca da cidade-sede dos jogos de 2016. Dizem que o Rio de Janeiro é favorito. Boas razões não lhe faltam. E o principal argumento é que a América Latina nunca sediou a competição. Mas nem tudo é otimismo.
Assim como nas demais cidades-candidatas, também no Brasil muita gente é contra os jogos, embora em percentual menor.
Por quê? Por causa do excesso de comprometimento de dinheiro público e o prenúncio de mais escândalos e corrupção, a exemplo do que ocorreu no Pan-americano (Rio, 2007).
Não custa recordar. Cinco anos antes dos jogos do Pan-americano, a União, o Estado e o município do Rio de Janeiro afirmaram que gastariam R$ 409 milhões na organização. Pois a conta alcançou R$ 3,7 bilhões. Um custo 800% maior que o previsto!
O Pan do Rio custou várias vezes mais que qualquer outra edição dos jogos. Até hoje não há explicações claras e suficientes sobre a dimensão dos abusos, apesar de algumas ações e tentativas dos Tribunais de Contas e das denúncias da imprensa.
Isso sem falar nas promessas não cumpridas, a exemplo de melhorias nos transportes - uma linha de metrô e um bonde até o aeroporto, uma nova linha de barca Barra da Tijuca-Centro e, duplicação da via expressa à zona sul. E a despoluição da Baía de Guanabara e cinco lagoas da região.
Agora não é diferente. Novamente algumas promessas são apresentadas e renovadas. Um novo sistema de transporte rápido interligando as regiões dos Jogos, a reforma da zona portuária e do aeroporto internacional, o aumento da oferta de acomodação, e, outra vez, a limpeza da baía e das lagoas da cidade.
Para a realização dos Jogos Olímpicos no Rio de Janeiro as previsões de gastos dão conta de um total de 29 bilhões de reais, dos quais 25 bilhões serão provenientes dos cofres públicos.
Só para apresentar e promover a candidatura carioca, os cofres públicos já investiram mais de 100 milhões de reais. O presidente do Comitê Olímpico Brasileiro, Carlos Nuzman, deu a volta ao mundo!
Tanto em relação à Copa do Mundo de 2014, quanto em relação aos Jogos Olímpicos de 2016, temo pela renovação dos escândalos e da corrupção. Fosse possível votar, eu votaria contra ambos!
Seja pela manipulação das paixões populares, seja pela precipitação de obras públicas importantes e inadiáveis, mas que se equiparam às necessidades nas áreas de saúde, educação, habitação e segurança pública.
Compreendo os altos índices contrários dos cidadãos de Chicago, Tóquio e Madrid. Com certeza, sabem melhor do que nós o valor do dinheiro público!