29 janeiro 2010

A Vingança

Toca o telefone da casa.
- Alô?
- Alô, poderia falar com o responsável pela linha telefônica?
- Pois não, pode ser comigo mesmo.
- Quem fala, por favor?
- Edson.
- Senhor Edson, aqui é da Companhia Telefônica Alô-Alô. Estamos ligando para oferecer a promoção Fale Mais, que lhe disponibilizará uma linha adicional a que o senhor tem direito por que...
- Desculpe interromper, mas quem está falando?
- Aqui é a Judite do Rosário, da Companhia Telefônica Alô-Alô, e estamos ligando para...
- Judite, me desculpe interromper novamente, mas para nossa segurança familiar gostaria de conferir alguns dados antes de continuarmos nossa conversa, pode ser?
- Bem (em tom de surpresa)..., pode ser, né...
- De que telefone você fala? Meu bina não identificou seu número.
- 10532.
- Você trabalha em que área na Alô-Alô?
- Telemarketing Pro Ativo.
- Você tem número de matrí¬cula na Alô-Alô?
- Senhor, desculpe, mas não creio que essa informação seja necessária.
- Então terei que desligar, senhora Judite, pois não posso ter a segurança de que falo com uma funcionária da Alô-Alô. São normas de nossa casa!
- Senhor, mas eu posso garantir que...
- Além do mais, senhora Judite, também sou obrigado a fornecer meus dados aos seus colegas atendentes sempre que tento falar com a Alô-Alô. E não é só com a sua empresa. Mas, também, com a tevê a cabo, com o pessoal da banda larga, da companhia de energia elétrica, da água, entre outras.
- Está bem, senhor Edson. Está bem. Minha matrícula é 754132.
- Só um momento enquanto eu verifico.
(Dois minutos depois)
- Só mais um momento, senhora Judite.
(Mais cinco minutos depois)
- Senhor? Senhor Edson, por favor?
- Só mais um momento, senhora Judite, por favor. Nosso sistema está lento hoje. E há congestionamento de linhas na região.
- Mas, senhor..., senhor...
- Pronto, Judite. Obrigado por ter aguardado. Qual o assunto exatamente?
- Aqui é da Companhia Telefônica Alô-Alô. Estamos ligando para oferecer a promoção Fale Mais. Trata-se de uma linha adicional a que o senhor tem direito. O senhor está interessado, Sr. Edson?
- Dona Judite, vou ter que transferir você para a minha esposa. É ela que decide, aqui em casa, sobre alteração e aquisição de novos planos de telefones e promoções em geral.
- Por favor, senhor Edson, não desligue. Essa ligação é muito importante para mim.
Edson coloca seu telefone em frente ao aparelho de som e deixa tocar uma música de Chitãozinho e Xororó. Tocando e repetindo. Tocando e repetindo a mesma música.
Depois de vários minutos, a mulher de Edson atende.
- Obrigada por ter aguardado. Pode me dizer seu telefone, pois meu bina não identificou seu número.
- 10532.
- Com quem estou falando, por favor?
- Judite
- Judite de quê?
- Judite do Rosário (já demonstrando certa irritação na voz)!
- Qual sua identificação e matrícula na empresa, senhora Judite?
- Minha matrícula é 754132 (o tom de voz aumenta e identifica uma crescente irritação!).
- Obrigada por sua informação. Em que posso ajudá-la?
- Aqui é da Companhia Telefônica Alô-Alô. Estamos ligando para oferecer uma promoção na qual a senhora tem direito a uma linha adicional. A senhora está interessada?
- Senhora Judite, vou estar abrindo um chamado. E em alguns dias estaremos entrando em contato para dar nosso parecer. Você pode anotar o protocolo, por favor.
Silêncio do outro lado. Judite não responde.
-Alô? Alô, senhora Judite?
Tututu... tututu...tututu.. (sinal intermitente de telefone desligado).
-Desligou?!.... Nossa, mas que moça impaciente essa Judite!!!

(Salvo minhas adaptações, mais uma pequena relíquia da internet. Desconheço a meritória autoria.)

22 janeiro 2010

Cheiro do Mofo

Toda forma de poder (e a perspectiva de prorrogar o próprio exercício do poder) transforma a pessoa. Para pior. Os sintomas e conseqüências são sempre os mesmos. Esquece as promessas. Sacrifica a coerência. Ignora as lições da história. E, mais grave, subestima a inteligência e a memória dos outros.
A política, particularmente, e as eleições em geral, sempre provoca a repetição e a renovação de algumas idealizações e esperanças que, infelizmente, não resistem a um exame e confrontação com a realidade.
Por exemplo, na ponta da língua de qualquer candidato está a regra geral da democracia, qual seja: o direito de votar, a liberdade de ir e vir, o direito de opinião, entre outras obviedades.
Mas, infelizmente, costuma esquecer – embora saiba! - que o rol de direitos da cidadania é mais amplo. Não é a toa que as questões de saúde, educação, habitação, trabalho e segurança, principalmente, continuam em níveis lastimáveis.
Claro, importa dizer e reconhecer que o acesso e a viabilização plena destes direitos são e serão uma conquista árdua, demorada e onerosa. Todavia, é inconcebível sua negação permanente às expressivas camadas da população.
Consequentemente, essa permanente marginalização da maioria do povo explica porque uma série de conflitos pessoais e grupais é resolvida fora do espaço público, à margem das ações do estado. E a margem do estado vigora, bem sabemos, o império da violência física e psicológica.
O rol das pendências sociais, somado à repetitiva ineficácia da ação política, evidencia e fortalece um consenso popular sobre a falta de entusiasmo, falta de convicções e a apatia dos candidatos, incapazes de empolgar o eleitorado. São líderes (e candidatos a líderes) muito aquém das necessidades da nação!
Concorre para a desconfiança e apatia o fato de que o setor público já não responde pela sociedade como um todo. Mas este esvaziamento do poder público não significa que suas atribuições tenham-se esgotado, ou que suas responsabilidades sejam menores.
Significa, objetivamente, a necessidade de uma reconceituação de competências, assentadas sobre novos modelos de gestão, eficácia e qualidade. Nada a ver com este estado (união e estados) gigante, ineficiente, expropriador, corrupto e corruptor!
Creio que este é um ponto que a maioria dos políticos e governantes ainda não entendeu. Por isto a manutenção de um comportamento caduco e um discurso antigo. O que explica esse cheiro de mofo eleitoral!
E quando penso nessas questões não resolvidas e na contradição comportamental dos governantes, sempre me vem à mente o prólogo do filme “O Enigma de Kaspar Hauser (1974)”, do cineasta alemão Werner Herzog (1942):
“-Esses gritos medonhos ao nosso redor são o que vocês chamam de silêncio!”

15 janeiro 2010

O direito de ter direitos

Não sou fumante. Mas não me incomodo em compartilhar determinados ambientes com os fumantes. De modo que presto solidariedade aos fumantes. Acho a ação repetitiva e o “conjunto da obra anti-fumo” um exagero e uma perseguição inquisitorial.
Eu sei que faz mal para a saúde. Os fumantes também sabem. Mas, e daí? Tem um monte de outros vícios pessoais e coletivos que fazem mal para saúde. A maioria deles muito mais que o cigarro.
Claro, importante observar, em relação aos hábitos e vícios, que muitos deles geram despesas de tratamento de saúde que acabam sendo pagas por todos os contribuintes.
Nesse sentido, os danos do cigarro se equiparam aos danos gerados na falta de uso do cinto de segurança. O tratamento das lesões decorrentes em ambos os casos acabam sendo pagas por todos os contribuintes do sistema público de saúde.
Conclui-se que, embora sendo opções absolutamente pessoais de conduta e risco – fumar e não usar o cinto de segurança, acabam por gerar ônus econômico-financeiro suportado pela coletividade.
Mas, então, deveríamos elencar uma série de outros hábitos e vícios decorrentes de opções pessoais que demandam, tanto e quanto, tratamentos à custa da arrecadação pública. Ah, e sem esquecer que o fumante nunca deixou de ser um expressivo pagador de impostos!
Um vício geral e socialmente aceito é o consumo de álcool, presente na cerveja, no vinho, na cachaça, na vodka, entre outras bebidas.
Sobre as conseqüências no excesso de consumo de álcool bem sabemos. Violência doméstica, ausências no trabalho, brigas de rua, acidentes de trânsito, etc... e tal, todas com alto índice de lesões, mortes e internações hospitalares. E tudo com altos custos aos cofres públicos, tais quais as doenças causadas pelo cigarro!
Porém, e ironicamente, não há uma reação coletiva e proporcional contra essas conseqüências maléficas, muito mais graves e com custos sociais imensamente maiores que os danos causados pelo cigarro.
A idéia dessa crônica surgiu por causa de uma foto do novo treinador do Internacional, o uruguaio Fossati, fumando ao ar livre nas dependências do complexo Beira-Rio e flagrado por um fotógrafo.
Os talibãs anti-fumo “caíram de pau” no treinador e nas “contradições comportamentais” entre seu hábito, seu ofício, seus liderados e a salutar prática do futebol.
Quero concluir e dizer que estamos vivendo uma invasão e abalo absoluto no direito de ter direitos. Tem muita gente incomodada com os direitos, as razões, a felicidade e os prazeres alheios.
Incomodada com o direito de morrer de velhos doentes e cansados, a exemplo de impedir o direito à eutanásia, ortotanásia e o suicídio assistido.
Incomodada com o direito à felicidade alheia, a exemplo de impedir o casamento de gays e lésbicas.
Incomodada com o direito ao aborto como se o corpo da mulher não fosse seu, e como se o sofrimento e a responsabilidade que implica fosse pública.
Incomodada com as pesquisas médicas das células tronco, como se esperança e a cura não fosse um direito dos incapacitados.
A vida é um direito da pessoa. Não é um dever ser. Cada pessoa é dono do seu próprio corpo. E livre para escolher o próprio destino!

09 janeiro 2010

Santo de Barro

Ultimamente, Santa Cruz do Sul tem contribuído expressivamente para o incremento do folclore político. Seus imodestos autores têm alcançado grande repercussão. Às vezes, de dimensão nacional.
Num passado não tão distante, foi o autodenominado “libertador dos pampas” e seu fiel cão pastor brilhando na tela global. Depois, houve uma utilização de carro oficial da Câmara de Vereadores para comparecer a uma festa no litoral.
Em outro momento, vereadores autocontemplados com generosas e fartas diárias de viagem e um soberbo deputado desdenhando e ignorando a opinião pública.
E não faltou nem mesmo o que se parece com uma ação entre amigos, qual seja a recente (e inútil) aquisição pública de uma área de terras cujos valores destoaram no mercado local de imóveis. Mas há muito mais pérolas, suficientes para um colar de escândalos!
Outrora ciosa de sua reputação, agora a cidade colabora para o anedotário e concorre com as demais notícias nacionais do gênero.
Assim, não bastassem as preocupações da comunidade com o temerário perfil sócio-econômico do município, na centenária e interminável dependência da agricultura do combatido tabaco, desemprego crescente, déficit habitacional e de creches, entre outras dependências reais e objetivas, agora tem mais uma preocupação.
Além de evitar o desperdício de dinheiro público, ainda que - como dizem - advindo de Brasília (como se não fora público e nosso!), evitar a repetição do ridículo!
Ironias à parte, alguns desses fatos e seus desdobramentos se enquadram num tema político-institucional de grande atualidade. Refiro ao conceito e limites do poder de discricionariedade do Poder Executivo.
O assunto não é restrito à Santa Cruz, ao Rio Grande do Sul e ao próprio Brasil. Tem ocorrido em outros quadrantes, notadamente da América Latina.
Poder discricionário diz respeito à liberdade do Poder Executivo para decidir e aplicar as políticas públicas. Ou o que quer que entenda por ação pública!
O direito de ação do governante está fora de controle. Decide como bem quer, quando quer e se quer. Não como bem deveria!
Regra geral, nessas ações são violadas normas administrativas e princípios constitucionais, a exemplo de legalidade, igualdade, previsibilidade, economicidade, publicidade, eficiência e impessoalidade. Às vezes, é violado até mesmo o princípio da divisão dos poderes de estado e suas prerrogativas!
Esse episódio da hipótese de construção de uma estátua reproduzindo a imagem de São João Batista, padroeiro de Santa Cruz do Sul (nada contra o santo e seus devotos!), assim, sem mais nem menos, a pretexto de incrementar o turismo local, se equipara, em muito, aos procedimentos que deram origem ao autódromo.
Explico: o sujeito, o governante do momento, acorda com uma idéia “genial” e resolve realizar seu “sonho”. Sem pesquisa prévia de demanda, oportunidade e viabilidade, sem projetos orçamentários, financeiros e de localização geográfica previamente discutidos pela comunidade e pelo parlamento, leva adiante sua idéia genial.
E assim, de caso em caso, de abuso em abuso, seja consequência de falta de informação, ignorância ou “esperteza”, não importa a motivação e a razão, passamos a fazer parte do folclore nacional, ofuscando as decantadas virtudes de uma comunidade afeita ao método e ao rigorismo das coisas e contas públicas.
De modo que, senhores governantes, parafraseando o famoso ditado, seja o santo do pau oco ou de barro, devagar com o andor!