26 agosto 2010

Um Muro Dentro de Nós

Historicamente, em todos os tempos e em todos os lugares da terra, o homem sempre ergueu muros e barreiras. Por várias razões. Segurança quase sempre. Dentre os muros mais famosos, dois são mundialmente conhecidos. A Muralha da China e o Muro de Berlim.
A Muralha da China (8.850 km) foi erguida ao longo de séculos por várias dinastias chinesas. Basicamente, sua função era a contenção das periódicas invasões dos povos do norte. Hoje é grande atração turística chinesa.
Já o Muro de Berlim todos bem sabem sua origem e suas razões político-ideológicas. Especial e simbolicamente, com sua queda crescera a esperança de um mundo sem barreiras, de livre circulação das pessoas, das idéias e de mercadorias. Enfim, o sonho de um mundo sem fronteiras!
Infelizmente, isso não aconteceu globalmente. “Crescem” os velhos e novos muros. E as explicações e motivações são de todos os tipos e gêneros.
Diferenças abissais entre ricos e pobres, desemprego, intolerância religiosa, racismo e xenofobia. E as leis, quotas, polícias, serviços de estrangeiros e outros entraves legais sãos os pretextos úteis e necessários.
Os novos e altíssimos muros que se espalham pelo mundo querem impedir o acesso aos países ricos de pessoas vindas do mundo pobre. Sul-americanos, asiáticos e africanos são os principais e indesejados visitantes.
Nos Estados Unidos, centenas de quilômetros de um muro gigante separam mexicanos de norte-americanos. Há muros na Califórnia, no Arizona, no Novo México e no Texas. Denominados de muros da segurança contra a imigração ilegal!
Árabes também constroem muros. A Arábia Saudita construiu o seu na fronteira com o Iêmen. E constrói outro na divisa com o Iraque. E não descarta outros em relação aos demais vizinhos.
O Marrocos levantou um no Saara contra a Frente Polisário - um movimento político revolucionário que luta pela separação do Saara Ocidental, sob domínio marroquino.
Impossível esquecer os muros e cercas que separam as Coréias do Sul e do Norte. Também no Chipre há um muro que divide as comunidades grega e turca da ilha. A Turquia não abre mão de um terço da ilha!
No Oriente Médio, amplia-se a tensão e a distância entre judeus e palestinos. A razão são os muros nos territórios ocupados da Palestina. Os muros da ocupação e do apartheid. Uma vergonha!
Mas nós nem podemos criticar os outros povos. O que são nossas favelas? Nossos muros e cercas elétricas e eletrônicas? Nossos cães ferozes e guardas armados? O que é a ostensividade dos novos e ricos condomínios? Temos o nosso apartheid!
Lenta e paulatinamente, os muros reais constroem outro muro no coração dos povos. Tijolo a tijolo imaginário, fortalece-se o muro da indiferença, da discórdia e da violência

19 agosto 2010

Reflexos do Espelho Quebrado

Nossas esperanças e nossas renovadas desilusões constituem uma realidade multifacetária. Sempre refletida como que no espelho, feita de comportamentos dúbios e relutantes nas oportunidades de enfrentamento das adversidades.
Realidade e comportamento feitos imagens refletidas – como na sala dos espelhos do parque de diversões - que se reproduzem ininterruptamente e cada vez mais disformes.
Não sabemos mais quem somos, nem nos encontramos ou identificamos racionalmente. Trabalhamos, pensamos, agimos, reagimos, opinamos, criticamos sobre imagens distorcidas.
Assim desfocados, somos vocacionados para a transferência de responsabilidades, ora culpando o passado, ora responsabilizando a má-sorte, e quase sempre a política (os políticos), esta personalidade principal e imagem refletida de todos nós.
Políticos e governos parecem anjos protetores e sedutores que se transformam em demônios, algozes das esperanças mais nobres.
Afinal, não é verdade que uma vez no poder, os governantes (com apoio de seus seguidores e companheiros!) substituem os programas de governo, os projetos de estado, por um projeto (pessoal e partidário!) de poder?
Estes fenômenos de transformação - para pior - da essência partidária e ideológica não são novos. E, atualmente, não é diferente.
Fisiologismo político é a regra geral de recrutamento e enaltecimento. Vigora um clima de adesismo e oportunismo.
E com a (in)consciência política dos pobres sendo comprada em troca de moedas e a corrupção financiando a perpetuação no poder, consolida-se a absoluta mediocrização do debate político e da ação de governo e de estado.
Trata-se da desqualificação absoluta da política e da administração pública. O princípio da cooptação venceu.
A demagogia, a sucessão de escândalos, favorecimentos e pronunciamentos ofensivos à inteligência do povo parece sugerir que há um organizado método para quebrar a espinha dorsal da resistência ética e moral da nação. Uma metódica desconstrução da verdade, do bom senso e da lógica.
O filósofo alemão Ernst Bloch (1885-1977), em seu livro “O Princípio Esperança” já dissera: “A esperança fraudulenta é uma das maiores malfeitoras da humanidade.”
Acredito que um grave problema do momento político brasileiro seja a falta de uma (auto) crítica cívica. Se por vaidade e ambição isto não é possível aos que estão do exercício do poder, admissível não é a omissão dos demais cidadãos.
E, então, o que fazer? Se é que em algum momento saímos da sala dos espelhos, talvez devamos retornar e quebrá-los, de modo a eliminar um ciclo de imagens distorcidas.

17 agosto 2010

Dinheiro no colchão!

No processo de registro de candidaturas para a próxima eleição, e de acordo com leis em vigor, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) exige uma série de informações e declarações de todos os candidatos.
Entre tais informações há a declaração de bens. São os imóveis, os automóveis, as ações e os depósitos bancários. E o valor em dinheiro vivo que tiver em casa, se houver. Pasmem, há muito mais do que vocês imaginam.
Entre dezenas de candidatos a governador e senador de todos os estados brasileiros, 23 candidatos declararam valores (dinheiro vivo em casa!) entre 20 e 50 mil reais.
Outros 19 candidatos informaram ter em casa (em dinheiro vivo!) valores entre 100 mil e 250 mil, não especificando se está no cofre, no colchão ou no porão.
Como em toda lista, há sempre os líderes, os destaques, os craques da rodada. O candidato a senador em São Paulo, o ex-governador Orestes Quércia (PMDB) declarou à Justiça eleitoral possuir R$ 1,2 milhão guardados na sua casa.
Alguém tem idéia da pilha de notas que dá isso? Cabe numa mala de viagem das grandes?
Mas tem mais craques. Nilo Coelho (PSDB), candidato a vice-governador na Bahia, declarou que tem R$ 912 mil em casa.
O senador Romero Jucá (PMDB), líder do governo Lula, informou que tem R$ 548 mil guardados em casa. Esse caso é especial. Ocorre que a quantia declarada corresponde a 90 por cento do total de seus bens.
A exemplo de Quércia, o também paulista Afif Domingos (DEM) tem R$ 380 mil. O paranaense Roberto Requião (PMDB) tem R$ 400 mil. No Rio de Janeiro, o destaque é Marcelo Cerqueira (PPS) com R$ 380 mil.
No Piauí, o líder é João Vicente Claudino (PTB) com R$ 350 mil. Em Goiás, o destaque é a candidata ao Senado Lúcia Vânia (PSDB) com declarados R$ 320 mil.
Até mesmo a ex-ministra e agora candidata a presidente Dilma Roussef (PT) guarda dinheiro em casa. Um pouco menos, é verdade. Mas não é pouco. Exatamente R$ 133,3 mil. Não creio que seja no colchão de dormir. Suponho que seja num bom cofre.
Bem, paro aqui. E eu nem falei dos candidatos a deputado estadual e federal. Vamos às perguntas.
A não ser que o sujeito seja excêntrico ou duvide do sistema bancário nacional, por que guardaria tanto dinheiro em casa?
Os especialistas dizem que o sistema bancário brasileiro é um dos melhores. Um sistema bancário sólido. Então, por que tantos candidatos declaram à Justiça eleitoral guardar valores tão altos de grana viva em casa?
Mas antes que façamos mau juízo sobre a origem do dinheiro, ou sua própria existência, importa informar que não é ilegal, nem irregular guardar altas valores e quantias em casa. Mas que é estranho é. Muito estranho. E constrangedor!

05 agosto 2010

Deus salve a rainha!

Nessa série de comentários e artigos acerca dos significados e repercussões que sobrevêm pela recente eleição de “uma italiana” como rainha da oktoberfest santacruzense, recolho a impressão de que todos manifestantes tem alguma razão, se não em todos os argumentos, em alguns deles.
Tem toda a razão a professora Lissi Bender Azambuja ao destacar “que podemos ser cosmopolitas mesmo mantendo o coração pulsando a essência que constituiu o lugar, o que o faz diverso de outros, e isto Santa Cruz deve continuar se esforçando por celebrar.”
Bem como quando observa, em relação às ilações preconceituosas, “que nada se fala sobre a participação alemã na construção do lugar; sobre a importância de seu legado cultural”.
Talvez devêssemos nos concentrar num aspecto anterior, como bem observara a publicitária Carla Trindade Frantz ao dizer que “o que deve ser contestado e questionado, então, são as poucas e insignificantes regras do concurso (...) ele dá liberdade para todo tipo de beldade se inscrever”.
E nessa circunstância, regra prévia e clara não havendo, dentro daquilo que muitos subscreveram como requisitos básicos para o reinado - quais sejam, a descendência e o domínio do idioma, é injusto, então, sacrificar a nova rainha.
O que permite destacar as boas ressalvas e a conclusão subscrita pelo advogado Sérgio Agra ao afirmar que “em que pese (...) o afã (...) da jovem em conquistar títulos (...) permitam-na reinar (...). Não lhe impeçam – como diria Andy Warhol – os quinze minutos de fama a que todo o ser humano tem de direito.”
E assim sucederam-se as diversas interpretações entre conceituais, irônicas e divertidas. O professor Mateus Silva Skolaude, por exemplo, concluiu que a eleição de Maira (rainha da Festa do Feijão!) “representa um marco simbólico importante para a diversidade cultural santa-cruzense”.
E até arrisca um samba em final de texto: “Morena boa que me faz penar, bota a sandália de prata e vem pra Oktober sambar!”
Descontados alguns exageros no artigo do professor João Paulo Reis Costa, também percebo no debate sinais de “desestabilização das idealizações locais a respeito da Oktoberfest (...) bem como de uma suposta Santa Cruz alemã”.
Então, após pinçar, destacar e valorizar algumas afirmativas alheias, quero concluir e afirmar que o presente e importante debate é uma conseqüência de um debate que nunca houve. Uma outra análise e debate muito mais importante!
Refiro-me objetivamente ao perfil e as pretensões do que realmente pretende o que denominamos como “Oktoberfest de Santa Cruz do Sul.”
Afinal, é um evento de objetivos sociais? culturais? de afirmação étnico-histórico? industriais? comerciais? festivos? E etecéteras inclusive!
A rigor, sendo tudo isso, e é exatamente o que tem sido nos últimos anos, resulta numa anacrônica mistura que não alcança nenhum objetivo de modo consistente, a exceção de apontar - no mapa geográfico - onde fica Santa Cruz do Sul. Onde fica a Festa da Alegria.
Verdadeira essa conclusão, só nos resta erguer o canecão de chope e entoar o hino, a maneira dos ingleses: Deus salve a rainha!