29 setembro 2010

A Tal da Felicidade

Você sabia que tramita no Congresso Nacional uma emenda à constituição que visa incluir a felicidade como um direito social?
E cujo artigo 6º ficaria assim redigido: “São direitos sociais, essenciais à busca da felicidade, a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição”
O Dicionário Houaiss diz que a felicidade é uma “qualidade ou estado de feliz; estado de uma consciência plenamente satisfeita; satisfação, contentamento, bem-estar”.
Na obra “Ética a Nicômaco”, o inspirado e filosófico grego Aristóteles já dizia que “a felicidade é a finalidade da natureza humana”.
Subscrito por importantes senadores e deputados, intelectuais e líderes sociais, a idéia é trazer o tema da felicidade ao debate político e reforçar a responsabilidade do Estado em criar condições, por meio de políticas públicas adequadas, para que os cidadãos busquem e alcancem a felicidade.
Obviamente, esclarecem que isso não significa que todas as pessoas passarão a ser felizes a partir da alteração da lei constitucional. Mas, insistem que uma lei nesse sentido reforça a necessidade de o Estado prestar o mínimo daqueles serviços públicos dignos e necessários, a exemplo de saúde, educação, previdência, segurança, etc...
Diversos países atribuem ao Estado responsabilidade constitucional pela busca de meios para a garantia do direito de ser feliz. A famosa Declaração de Direitos da Virgínia (Estados Unidos, 1776) já preconizava aos cidadãos o direito de buscar e conquistar a felicidade.
Também na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (França, 1789) há determinação de que as reivindicações individuais e populares sempre se voltarão à felicidade geral.
Mais recentemente, o Butão, um país asiático, criou o índice de Felicidade Interna Bruta (FIB), com apoio e reconhecimento da Organização das Nações Unidas (ONU).
O defeso mérito da proposta é que ajudaria a despertar a consciência popular sobre o fato de que as decisões de governo têm a ver com a sua felicidade. Em geral, as pessoas não ligam os fatos (e direitos) sociais com os fatos individuais.
Nos meios jurídicos é comum a discussão sobre a efetividade dos direitos, fruto e conseqüência de muitas lutas e movimentos sociais.
De maneira geral, conceitua-se haver quatro “gerações de direitos”: os individuais, os sociais, os coletivos e o das minorias, os quais dependem de instrumentos jurídicos para sua garantia e exercício.
Direitos individuais, sociais e coletivos são a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados.
Um exemplo de direito de minoria é a união estável homossexual. Nesse sentido, em 2006, Supremo Tribunal Federal reconheceu o casamento homossexual como um direito à busca da felicidade, como um princípio fundamental.
E na base de tudo estão os princípios e direitos como os da dignidade da pessoa humana, da liberdade, da autodeterminação, da igualdade, do pluralismo, da intimidade, da não-discriminação.
E o direito da busca da felicidade! Parece tudo muito simples, mas não é!

24 setembro 2010

Internet: uma ilusão dos candidatos

Há uma grande ilusão em andamento de parte da maioria dos candidatos. Refiro-me a influência da internet na captação de votos e alteração das tendências de opinião.
Graças ao fenômeno eleitoral do atual presidente norte-americano Barack Obama, cujo sucesso na mobilização política via internet virou um hit, um ícone do mundo da virtualidade, candidatos brasileiros a todos os cargos acreditam haver alcançado a descoberta da poção mágica, a varinha de condão da fadinha, a varinha mágica do Harry Potter.
Ocorre que cada caso é um caso. O fenômeno Obama só ocorreu, só se desenvolveu naquela dimensão através do sistema de redes sociais, graças à concomitante quebra financeira do Lehman Brothers e o respectivo pânico que se sucedeu.
É verdade que a “internet é maior” que todos os demais meios de comunicação somados. Mas uma verdade não gera necessariamente subprodutos verdadeiros.
São milhões de pessoas falando entre si, trocando comunicações e diferentes mensagens. Mas não significa que todos tomem conhecimento disso ao mesmo tempo. Porém, televisão, rádio e jornais, por exemplo, atingem milhões de pessoas com a mesma mensagem.
O erro básico que os candidatos estão cometendo é o seguinte: a internet não é um meio de comunicação que opera só num sentido. Do emissor ao receptor. Como são a televisão, o radio e o jornal.
A internet é a troca constante, o fluxo de vai-e-vem entre as partes. É um instrumento de tempo inteiro. De confecção de conteúdo, de crítica e autocrítica durante meses e anos. Não é uma opção de propaganda de véspera eleitoral, de 30 ou 90 dias!
A utilização e comunicação política via internet só tem eficácia e valor quando é realizada em mão dupla e personalizada.
E a formação de uma opinião não se dá a partir da divulgação de um conteúdo, mas sim a partir da construção coletiva e recíproca de um conteúdo, de uma informação, de uma opinião.
Pesquisas recentes indicam que a formação de opinião entre os brasileiros se dá, basicamente, na interlocução com amigos (70,9%), família (57,7%), colegas de trabalho (27,3%) e de escola (6,9%), principalmente.
A materialização do erro básico dos candidatos é o panfleto eletrônico, um spam de mau gosto. Isso sem falar no assessor que finge que é o próprio candidato respondendo emails ou twitando. Todos percebem. Afinal, hoje todos são “macacos velhos” na internet.
Faz algum tempo que as pessoas já não “engolem” tudo que lhes é ofertado ou vulgarmente despejado. Hoje o cidadão e eleitor é um exigente degustador que mastiga, deglute e digere informações. E cospe o que não lhe parece razoável ou saboroso.
A exemplo de informações político-partidárias que não guardam relação com a realidade, que não se encaixam em seus valores pessoais ou no conjunto das informações que “conseguiu e trocou” com seus amigos!

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22 setembro 2010

Êxtase Ético

Mais um escândalo nacional. Agora é o caso do tráfico de influência na Casa Civil, no governo federal. Com certeza, não será o último no rosário de abusos a que o povo é submetido por seus falsos líderes e infiéis depositários da esperança.
O que mais incomoda não são a manipulação das verbas públicas e o dinheiro surrupiado. O pior da safadeza é o cinismo com que “elles” vêm a público explicar e justificar seus atos.
Fingem ignorar o que todos sabemos. Que qualquer pessoa, mesmo uma criança, sabe o que é certo e o que é errado, o que é justo e o que é injusto.
Ano após ano, escândalo após escândalo, tudo o que está acontecendo, tem uma vertente principal. É a certeza da não punição. Somos os campeões mundiais da impunidade.
Mas o prejuízo maior não é a corrupção, a safadeza e a impunidade. O prejuízo maior da nação é a quebra de confiança, um alicerce fundamental no ideal e compromisso republicano.
Se perdemos a compreensão, a convicção, a clareza em torno das razões de nossa convivência e criação de uma nação, significa que estamos a perigo.
Estamos perdendo a confiança que deveríamos ter uns nos outros. Nas instituições e nos formalismos. E a falta de confiança é um grave precedente que destrói a unidade social e nacional.
A sucessão de fatos desagradáveis e escândalos também revelam a natureza da crise da democracia brasileira. Nossa democracia é uma farsa e se resume a um mecanismo eleitoral.
Em todos os níveis de representação, a omissão do parlamento, a não discussão, a ausência de conflitos ideológicos, o “concordismo partidário” que a todos alcança sob o falso argumento dos consensos positivos, são o câncer da atual política.
Outra conseqüência dessa omissão (e doença!) é a judicialização da política. A partidarização do judiciário. Afinal, os conflitos de natureza política e ideológica são levados aos fóruns judiciários!
Aliás, essa judicialização da política se agravou com as sucessivas e recentes nomeações de “amigos do Poder Executivo” para o Supremo Tribunal Federal, como se fossem seu representante, ignorando o papel constitucional e a necessária isenção do STF.
Fundamentais na desestabilização e apequenamento do Legislativo e na mediocrização do debate político também são a arrogância e os excessos do Poder Executivo, fruto de milhares de medidas provisórias presidenciais.
Embora não deva servir de consolo ou explicação, sabe-se que essa degradação político-partidária não é privilégio brasileiro. Também na Venezuela, na Bolívia e no Equador, o poder legislativo é ignorado.
Na Argentina, por exemplo, há uma lei delegada que estendeu quase que plenos poderes à Presidenta Cristina Kirchner. É o que se denomina em ciência política como o hiperpresidencialismo.
O velho ditado afirma que não há vácuo de poder. Se alguém se ausenta, se omite, outro ocupa seu lugar. Para o bem e para o mal.
De todo modo, esperemos que o escândalo do dia não seja mais um êxtase ético do qual se acomete a população brasileira, de tempos em tempos, para logo depois tudo esquecer ao som dos carnavalescos tamborins e dos próximos feriadões! (Zero Hora - Porto Alegre, em 22-09-10)

17 setembro 2010

Despolitização em Massa

A política brasileira, ao contrário do que deveria ser - educadora, transformadora e positiva, atualmente alcança e realiza seu mais baixo patamar de qualidade.
A grande ironia é que isso sucede num momento em que o poder está em mãos, faz oito anos, de um partido que se pretende, ou pretendia, como o mais republicano, ideológico e democrático.
O atual e elevado grau de despolitização não decorre apenas do anacrônico e variado leque de alianças estaduais e nacionais estabelecidos a partir e para a construção da hegemonia petista e seu projeto de poder.
Um fator incisivo no processo de despolitização foi e é a cooptação dos movimentos sociais, principalmente sindicatos e ONGs, hoje alegremente instalados e bem remunerados em centenas de órgãos e direções estatais. Silenciosos e omissos em suas atribuições originais e institucionais!
A despolitização decorre também na contribuição negativa decorrente do clima de imposição, arrogância e intolerância que acometeu líderes políticos, possivelmente inspirados pelos chiliques ególatras do presidente.
Assim como é despolitizante e desmoralizador do ideal republicano a conjugação do verbo político na primeira pessoa e da reconstituição da retórica do passado que enseja e ressuscita “o pai dos pobres” e, agora, como se anuncia e prenuncia, “a mãe do PAC”.
Por conta das alianças eleitorais, sem debate ideológico e sem debate público de parte de partido algum, ocorre uma generalizada falsificação da verdade. Sobretudo em torno do papel do Estado.
Insistem no argumento e defesa de uma carga tributária elevada, fruto de sua visão política e ideológica de que o Brasil necessita de um “estado forte” e eficiente arrecadador para poder fazer “justiça social”.
De modo que (lhes) questionar essa “convicção” sobre a atualidade do papel do estado e o custo social que implica é perda de tempo!
Afinal, como debater com quem compara a realidade brasileira com a carga tributária de alguns países europeus, com carga de impostos de 50% do PIB e nos quais existem serviços e bens públicos de qualidade?
Parênteses: aliás, o estado de bem-estar social europeu está em processo de desmanche. Crescentes déficits fiscais estão obrigando diversos governos europeus a revisar suas políticas públicas e gastos sociais.
Descontado o custo da estabilização da economia brasileira (com o “plano real” e a partir de 1994, os governos FH e Lula alcançaram o equilíbrio fiscal), onde está o resto do dinheiro? O que é feito do dinheiro público?
O governo federal virou um gigantesco empregador e pagador de salários, benefícios previdenciários e bolsas assistenciais. Em 1987, isso representava 39% das despesas não financeiras da União. Em 2009, a mesma despesa já alcançou 75%.
Isso somado ao custo da corrupção, da propina e das comissões, inevitáveis e típicos pecados de um estado gigante e fora de controle, sobrará o que para saúde, educação e infra-estrutura?
Repito, esse deveria ser o debate público e político. Mas como retrocedemos no tempo e voltamos ao coronelismo e ao culto da personalidade, bem como ao clima geral de “maria-vai-com-as-outras!”, fica tudo por isso mesmo!

10 setembro 2010

Paris, 1968!

Recentemente, mais precisamente em 23 de agosto, dentro da programação do importante seminário Fronteiras do Pensamento, edição 2010, esteve em Porto Alegre o senhor Daniel Cohn-Bendit. Trata-se de um dos principais líderes estudantis dos movimentos populares de maio de 1968, em Paris.
Mas o agitador em questão é, na verdade, alemão. Pertencente ao partido ecologista Die Grünen, atualmente é deputado do Parlamento Europeu e presidente do grupo parlamentar Grupo dos Verdes/Aliança Livre Européia.
Mas voltemos a 1968. O presidente francês Charles De Gaulle percebera que aquele mês de maio tinha algo de diferente no ar. Por vias das dúvidas, e para assegurar sua governabilidade, De Gaulle convocou eleições. E venceu!
Entretanto, a margem de votos foi tão estreita que não lhe restavam condições propícias de governar. Renunciou em 1969. Mas aquele algo diferente persistia nos arredores da Torre Eiffel!
O grande mote do movimento de 1968, sua palavra de ordem, foi “é proibido proibir!” Uma expressão anti-governo. Um conceito anarquista.
Em contraposição e reação à guerra fria, em contestação às idéias de direita e esquerda, ambas fracassadas, nascia ali, ainda que sem querer, uma idéia política do individualismo. Uma revolução liberal.
Essa reviravolta nas idéias e nos costumes teve expressiva importância na política e na economia, posteriormente, com ênfase ao liberalismo.
Concomitante e ironicamente, depois de 1968 a esquerda se divide em tendências de todos os tipos, se fragmentando ideologicamente.
Quase ao mesmo tempo, se sucedem as quedas de regime antipopulares e a ascensão de socialistas e social-democratas.
Na Espanha, em 1976, desmorona o franquismo e ascende Adolfo Soares. Pouco tempo depois (1982), o governo passa para o socialista Felipe González.
Na França, em 1981, Mitterrand assume a presidência. Na Alemanha, em 1982, assume Helmut Kohl. E, surpresa, em 1985, Gorbatchev na URSS. E, 1989, finalmente, cai o Muro de Berlim!
Entretanto, Inglaterra (1979) e Estados Unidos (1981) marcam a ascensão, respectivamente, da dama de ferro e conservadora Margareth Thatcher e do hollywoodiano e republicano Ronald Reagan.
Explicando a salada político-ideológica. Thatcher e Reagan articulam as reformas liberais profundas em relação ao Estado e a economia. Um conjunto de idéias e políticas econômicas impensáveis e impraticáveis antes de 1968.
Irônica e paradoxalmente, a geração atuante em 1968, a exemplo de Daniel Cohn-Bendit, abre os espaços ideológicos, filosóficos e políticos às reformas liberais.
Esse ciclo liberal aberto em 1968 começa a declinar no inicio dos anos 2000. E abre-se um novo ciclo conservador, nos valores, nos conflitos nacionais e na visão de estado.
A eleição do francês Sarkozy (maio-2007) é um exemplo da ascensão conservadora. Em discursos e entrevistas, seguidamente o próprio Sarkozy afirma que 1968 acabou.
E está acabando pela Europa toda. Quarenta e dois anos depois!

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02 setembro 2010

O Pretexto e o Prenúncio

Ultimamente, tirante as eleições, o assunto é um só. As obras urgentes determinadas pela FIFA, com vistas à realização da Copa do Mundo de Futebol de 2014, no Brasil.
Em copas anteriores, e em diversos países-sede, a FIFA já exigira a adequação e qualificação de estádios, além de melhorias urbanas. Porém, relativamente ao Brasil as exigências vão muito além.
Em reuniões com autoridades públicas brasileiras - federais, estaduais e municipais - de sul a norte, os dirigentes da FIFA afirmaram, definiram e exigiram a realização de várias obras que garantam aos brasileiros e visitantes estrangeiros a mobilidade e o acesso seguro aos locais dos jogos.
Da lista de exigências brotaram os projetos de construção e duplicação de avenidas, viadutos e pontes, ampliação de aeroportos e linhas de metrô, novos hospitais e hotéis. E até um trem-bala entre o Rio de Janeiro e São Paulo!
Nesse sentido, recentemente o presidente da República sancionou a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2011 contendo inúmeras flexibilizações da legislação (regras da lei de licitações) para a contratação de obras e serviços por empresas públicas e para realização da Copa do Mundo de 2014.
A lei também contém artifícios que possibilitam a Petrobrás (construção de plataformas e refinarias) e a Eletrobrás (construção de usinas) ignorarem regras dos regimes licitatórios e regras de trabalho e fiscalização do Tribunal de Contas da União (TCU).
Nesse caso específico, trata-se de uma briga antiga entre as estatais e o TCU. Regra geral, as empresas públicas se recusam a repassar informações sobre contratos ao Tribunal por considerarem que não precisam obedecer a Lei de Licitações.
Mais: faz alguns dias, foi editada uma medida provisória prevendo isenção tributaria (alíquota zero) de PIS-COFINS nos serviços de transporte ferroviário em sistema de trens de alta velocidade (trem-bala). Bem como às empresas envolvidas nas obras da Copa de 2014.
Tudo aprovado às pressas pelo plenário do Congresso Nacional, sob o comando dos líderes do governo. Uma série de brechas para gastar com mais facilidade e “fugir” da fiscalização!
Tudo feito de roldão. Sem discussão prévia (e ética) sobre abusos fiscais, excesso de impostos, gastos governamentais abusivos e políticas de desoneração de empresas.
Ironicamente, essas desonerações tributárias “aos amigos construtores” sempre foram objeto de sérias críticas e vigilância da outrora oposição a cargo do próprio Partido dos Trabalhadores (PT)!
E também há uma grande ironia nessas exigências dos “homens” da FIFA: por que nossos governantes prometeram aos dirigentes (estrangeiros!) da FIFA – e não aos brasileiros? - a realização dessas obras públicas necessárias e inadiáveis? E por que agora as obras seriam possíveis de serem realizadas, e não antes?
Serão o pretexto e o prenúncio da farra de gastos?