23 fevereiro 2011

Águas de Cochabamba

Abril de 2000. Cidade de Cochabamba (Bolívia). 600.000 habitantes. Uma revolta popular expulsa uma das empresas mais ricas do mundo e reconquista um bem básico da comunidade: sua água!
À época, por influência do Banco Mundial e do FMI, uma série de bens bolivianos foram privatizados. Entre eles, seu bem mais precioso: o sistema público de águas.
Na verdade, as coisas em geral já não andavam bem. A privatização foi a gota d’água! Em setembro de 1999, em um processo rápido e mal explicitado, autoridades bolivianas arrendaram a água de Cochabamba até 2039 para a empresa Águas Del Tunari, depois identificada como subsidiária da gigante norte-americana Bechtel.
Arbitrária e arrogantemente, poucas semanas depois de assumir o controle da água, a empresa anunciou um aumento de 200% na taxa de água.
Imediatamente, iniciou-se uma reação e um movimento popular composto de sindicalistas, economistas, grupos ambientais, agricultores e associações comunitárias em geral, urbanas e rurais.
Cochabamba parou. Depois de dias e dias de protestos e bloqueios, negociações de parte a parte fazem um acordo em torno da revisão do contrato e do aumento. Mas o governo não cumpre a palavra dada.
A crise se agrava. Novo protesto no centro da cidade. Mais de mil policiais presentes. A praça virou uma zona de guerra. Em dois dias mais de 175 pessoas foram feridas. Mas o governo perdera politicamente!
O movimento já não é mais pela redução de preços. É pelo fim do contrato. Cochabamba pára pela terceira vez em quatro meses. O governo arma uma armadilha para os líderes populares. Chamados para uma reunião, prende todos de uma só vez.
Há uma resposta popular rápida e furiosa. Os protestos e bloqueios voltam e a cidade pára novamente. E totalmente.
Agora com intervenção federal, a reação governamental é cruel. Violência e tiros. E a primeira vítima fatal. A causa tem um mártir: Victor Hugo Daza, um garoto de dezessete anos, desarmado e baleado no rosto.
A partir desse momento, uma vasta rede internacional, sobretudo via internet, mobiliza os ativistas do mundo inteiro e pede a saída da empresa. A empresa desiste!
“A revolta do povo andino de Cochabamba em favor de sua água teve um impacto e repercussão mundial pelo direito à água”, disse Maude Barlow, ativista do Council of Canadians - a maior organização canadense de militância pública - e fundadora do Blue Planet Project, e autora do best-seller “Água, pacto azul”.
Disse mais: “Muitas pessoas perceberam que se uma das populações mais pobres do mundo foi capaz de se levantar contra (a privatização da água), então todos poderíamos!”
Um dos líderes do movimento popular disse o seguinte: “As pessoas sabiam que se perdessem o controle sobre suas águas perderiam o controle sobre suas vidas!”

17 fevereiro 2011

Água$ Turva$

Faz tempo, o assunto “águas” está no centro de todos os grandes debates internacionais. Mais do que nunca, em função dos elevadíssimos níveis de poluição ambiental e de sua potencial escassez.
Conseqüente e mundialmente, as principais ações e iniciativas dizem respeito às técnicas de conservação e aproveitamento, redução de desperdícios e preservação de mananciais.
São comuns e constantes os esforços para a recuperação de mananciais hídricos, diminuição dos custos de controle e tratamento de água, esgotos industriais e domésticos.
Nos últimos anos, porém, em face de intensa mundialização da economia e a globalização de ações de produção e comércio, o tema “água” adquiriu uma conotação comercial mais intensa e especulativa.
Reservas de água, abastecimento e saneamento em geral deixaram de ser tarefa do setor público e patrimônio coletivo. Pelos menos é o que pretendem e almejam os ditos investidores.
Aqui entre nós brasileiros, não é a toa que nos Estados e no Congresso Nacional já há inúmeros e diferentes projetos que têm como objetivo comum, a rigor, superar dúvidas jurídicas e obstáculos operacionais que atrapalham o processo de privatização.
Afinal, dúvidas jurídicas e obstáculos operacionais são as razões que têm afastado os investidores interessados no “negócio água”. Dentre eles, muitos estrangeiros.
Objetivamente, Isto significa que o controle das águas e dos serviços de saneamento pelos municípios, hoje assegurado pela Constituição, está sob ameaça.
Bem, suponho que não haja nenhuma dúvida, e que estejamos de acordo, de que água será a matéria-prima mais valorizada no decorrer dos próximos anos e décadas. Aqui e no mundo.
Então, face os movimentos econômicos em torno da “mercadoria água”, impõe-se a inclusão nesse debate da questão dos destinos legais, comunitários e políticos das reservas de água.
De modo que eu pergunto, por exemplo: qualquer ação política e/ou econômica em torno da água não deveria ser objeto de consulta popular? Referendo e/ou plebiscito?
Afinal, a água não é uma mercadoria. A água é um bem da natureza, comprovadamente essencial à sobrevivência humana e de todas as espécies de nosso planeta. E limitado em qualidade e quantidade.
Embora se assemelhe a uma mercadoria já que têm custos de captação, produção, manutenção e comercialização, preços de vendas e mercado permanente, não é uma mercadoria!
Encerrando, tocante as expectativas das autoridades em torno da concessão (e oportunidade) das águas públicas, deixo uma frase de Benjamin Disraeli (1804-1881), escritor, político e primeiro-ministro da Inglaterra: “o que prevemos raramente ocorre; o que menos esperamos geralmente acontece!”

12 fevereiro 2011

O Poço d'Água

Sou contrário a existência da grande maioria das empresas estatais da União e do Estado. Regra geral, de competitividade, produtos, preços e qualidade de serviços discutíveis. Faz tempo, como uma praga, é um dos maiores engodos nacionais.
São feudos de privilégios e fontes permanentes de escândalos e manipulações político-eleitorais. Basta ver e acompanhar as brigas em torno do preenchimento das milhares de vagas e o controle de verbas astronômicas. Sai governo, entra governo, é sempre a mesma história. E a conta quem paga é o contribuinte e o consumidor.
A sempre lembrada preservação de interesses estratégicos não depende de exploração estatal. Na maioria dos casos são interesses que podem e devem ser operados em termos de mercado privado e competitivo, nacional e mundial.
Várias empresas públicas ainda atuam em setores em que a iniciativa privada faz mais e melhor e a custos menores. Empresas privadas que hoje se pautuam pela eficiência e modernidade, tem competitividade e capacidade de inovação.
As privatizações têm gerado resultados positivos para a sociedade e o governo. Seja na arrecadação de mais impostos, seja nos resultados para seus acionistas, seja na competitividade comercial no ambiente nacional e global.
Objetivamente, as privatizações ajudam a diminuir o tamanho do estado, reduzir o ônus contributivo do cidadão, mas, principalmente, liberam o setor público para realizar suas ações principais e necessárias, notadamente nas áreas de educação, saúde e segurança, as mais reclamadas pela sociedade.
Há problemas e abusos? Claro que há problemas e abusos. E não são poucos. Mas as coisas estão evoluindo. As privatizações ainda são muito recentes.
Um dos problemas diz respeito à ocupação político-partidária das agências de regulação. Agências reguladoras são as mediadoras entre os interesses do povo, do governo e da empresa que explora o respectivo serviço. As agências devem ser fortalecidas e profissionalizadas.
Bem, eu disse que sou a favor de privatizações. Mas não a favor de tudo. Não sou a favor de concessões a particulares na administração das águas, do saneamento e do abastecimento popular.
Não há nenhuma dúvida que a água será a matéria-prima mais valorizada no decorrer dos próximos anos. São constantes, em vários países, os esforços para a recuperação de mananciais hídricos, diminuição dos custos de tratamento de água, controle e tratamento dos esgotos industriais e domésticos.
Ultimamente, o controle político das águas e dos serviços de saneamento pelos municípios - assegurado pela Constituição - está sob ameaça.
Os diferentes projetos de Estados e da União têm como objetivo comum, a rigor, superar dúvidas jurídicas e obstáculos operacionais que atrapalham o processo de privatização do saneamento.
Nesse caso de Santa Cruz do Sul, sou a favor da constituição de uma empresa pública municipal de águas, esgoto e saneamento.
Com o poder público federal e estadual absolutamente inchado e dominado, sugando 84% dos tributos nacionais (a união leva 60% e o estado leva 24%), resta-nos o município e a comunidade como expressão organizada da sociedade e exercício da cidadania.
Lembrete: um provérbio inglês diz que “nunca sabemos o valor da água até o poço secar!”

03 fevereiro 2011

Aristóteles já sabia!

Vou retomar um assunto que julgo como a grande e central questão que contribui e determina o não progresso nacional definitivo e ampliado.
Refiro-me ao profundo e grave desequilíbrio da organização social e política brasileira, mais precisamente entre os entes federativos que são a União, os Estados e os Municípios.
Diferentes institutos tributários apontam que de todos os impostos e tributos arrecadados no Brasil aproximadamente 60% vão para os cofres da União, enquanto 24% são destinados aos Estados e 16 % vão para os Municípios.
A grosseira ascendência da União frente aos Estados e Municípios determina um absurdo político: a submissão política e econômica ao poder central.
Consequentemente, ninguém se insurge porque todos dependem da União. Prefeitos não ousam discutir o assunto e “comprar a briga pra valer”. Já deputados federais e senadores que tem o poder legislativo de mudar, se desdobram apenas em barganhas para obter algumas moedas de retorno.
Submissamente, abrem mão do poder parlamentar que lhes foi delegado pelo povo. O mais grave é que deveriam estar fiscalizando a atuação da União. No entanto, graças ao modelo centralizador, isso não acontece.
Não é a toa que a imprensa noticia seguidamente que o Legislativo se transformou num balcão de negócios do governo central. E a principal moeda de troca são cargos em empresas estatais e a liberação de verbas para investimentos. Verbas minúsculas diante do volume arrecadado!
Surpreendentemente, há pessoas e partidos que honestamente acreditam que o poder central será capaz de organizar e desenvolver o país. Corrigir as distorções entre os estados, compensar as diferenças entre “estados ricos e estados pobres”. Mas é um engano, é um erro, é uma ilusão!
E mesmo quando acontece, isolada e episodicamente, o custo final é a preços triplicados. Isso sem falar no óbvio. Abusos e manipulação eleitoral dos recursos. E corrupção. Muita corrupção!
Um bom exemplo de que essas prometidas políticas de transferência de recursos para estados mais pobres é balela, é o caso do nordeste e o famoso combate à seca. Há quantos anos ouvimos essa ladainha?
.De modo que repito. A reforma das reformas, a mudança que precipitará todas as demais diz respeito à descentralização tributária.
Trata-se de valorar e hierarquizar um princípio que o velho Aristóteles (384-322 A.C.) já defendia. Um princípio que consta no ideário de importantes e desenvolvidos países. O princípio da subsidiariedade.
Aristóteles afirmava que “quando o poder político arroga-se no direito de gerir tudo, suprimindo a atuação dos cidadãos, age como déspota, administrando em lugar de governar”.
Aliás, a constituição européia tem claro a adoção do princípio de subsidiariedade. Afirma no capítulo do exercício das competências: “no que diz respeito às competências partilhadas, a União Européia só pode intervir se estiver em condições de agir de forma mais eficaz do que os Estados-Membros.”
Nos mesmos moldes e nosso caso, é claro que municípios e estados são mais ágeis, mais zelosos e competentes do que o Governo federal.
É um aprendizado primário. Nas primeiras aulas de Teoria Geral do Estado já aprendíamos que União e Estados só devem prevalecer sobre os Municípios quando estes, a seu critério, não estiverem aptos a executar competências de modo eficiente. Isso é o princípio da subsidiariedade. Aristóteles já sabia!