26 março 2011

A vitória dos "ficha-suja"

A motivação de nossa “lei da ficha limpa” está baseada numa dramática experiência italiana ocorrida no ano de 1982 e seguintes. Embora nossa tentativa não chegasse nem aos pés daquela.
Naqueles tempos, a política italiana estava dominada e fortemente influenciada pela corrupção, com farto pagamento de propinas nos contratos públicos.
O movimento popular italiano recebeu o nome de “Mãos Limpas”. Foi um rolo compressor. Mais de seis mil pessoas investigadas. Dentre elas, 2.993 tiveram prisão imediata. Quatro ex-primeiros-ministros, mais de 400 parlamentares, mais de 800 empresários e uns 2000 administradores locais. Tudo o tempo todo com importante e decisivo apoio da imprensa.
Voltando a nossa “experiência”. Desde o primeiro dia da vigência da nova lei, dezenas de juristas antecipavam que a “lei da ficha limpa” seria julgada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal. Como de fato foi essa semana.
Sob rigoroso exame legal, não estão errados os que acreditam que a lei da ficha limpa põe "em risco o Estado de Direito”.
E que é um abuso e precedente gravíssimo ignorar o princípio da irretroatividade das leis (as leis eleitorais devem estar em vigor doze meses antes da data das eleições seguintes).
Outra razão vigorosa contra a nova lei seria sua incompatibilidade com o princípio da presunção de inocência. Essa expressão significa que “ninguém poderá ser considerado culpado sem sentença com trânsito em julgado”.
Respeitáveis opiniões, sem dúvida. Mas vejamos a questão por outros ângulos. E de modo que já vou dando minha “opinião político-jurídica”:
Não se tratava de uma lei eleitoral. Tratava-se de uma legislação que fixava uma exigência ética, que fixava pré-requisitos para a obtenção de “uma procuração” do povo, do cidadão, do eleitor, enfim!
Como se fosse a exigência de uma “folha corrida” de antecedentes pessoais e sociais que qualquer candidato a servidor público deve apresentar quando passa num concurso público.
Nesse caso das candidaturas, qualquer dúvida deve ser em favor da sociedade, e não em favor do indivíduo, da pessoa do candidato.
Porque o interessado nessa questão é a sociedade que irá outorgar uma procuração ao candidato a parlamentar!
Voltando a questão do direito constitucional e o princípio da presunção da inocência, entendo que deveria ter havido – de parte do STF - uma conjugação e confrontação valorativa de princípios.
Afinal, também há outros princípios legais e constitucionais, a exemplo de moralidade e transparência, probidade administrativa e correta vida pregressa.
Tocante ao direito de concorrer a um cargo público, o que é mais importante: o princípio da presunção da inocência ou o princípio da moralidade pública?
Acredito que os direitos políticos não são pessoais. É parte dos interesses da sociedade. A eleição como processo, e a delegação de função como fim para o exercício da representação pública, exigem, sem dúvida, o imperativo da idoneidade moral.
O povo pode não entender de direito e constituição, mas tem uma percepção lógica e clara sobre o que é justo e injusto, sobre o que é certo e errado!

18 março 2011

Refugiados Ambientais

Vários cientistas afirmam que a ação humana, por mais predatória que tenha sido e continua sendo, não é a responsável por essa série de fatos que presenciamos. Afirmam que o planeta periodicamente passa por processos agudos de transformação.
Conseqüentemente, as mudanças e os desastres ambientais globais afetam as populações e causam seu deslocamento territorial. A mudança de residência, mais precisamente.
O crescente e forçado êxodo é fruto de vários desastres ambientais e naturais como terremotos, tsunamis, furacões e enchentes. São os casos mais notórios. Mas podemos incluir o esgotamento do solo e sua desertificação, que impedem o trabalho, a agricultura e a própria sobrevivência humana.
E nem falamos da elevação dos mares e o desaparecimento de centenas de ilhas. Muitas habitadas. Uma ameaça previsível, crescente e confirmada
Menos comentada é outra hipótese de êxodo, embora complexa: a mudança climática com conseqüências nos índices locais de doenças infecciosas, evidenciadas e confirmadas nos números de morbidade e mortalidade.
Assim sendo, de um modo ou de outro, através de uma mudança ou desastre ambiental, sempre ocorre um deslocamento e desenraizamento de milhares de pessoas que perdem suas casas, vida e famílias.
Essa sucessão de incidentes naturais do planeta está obrigando os países, possivelmente através da ONU, a encontrar soluções e adequações para abrigar as vítimas. Mais precisamente, são os chamados refugiados ambientais.
Historicamente, refugiada é a pessoa perseguida e incompatibilizada por razões de raça, religião, nacionalidade e razões políticas, geralmente, e que se encontra fora de seu país ou impossibilitada e impedida de voltar. Não é novidade. Está previsto no Tratado de Genebra sobre refugiados desde 1951.
Mas a expressão refugiados ambientais, ou refugiados climáticos, ou eco-refugiados, é mais recente. Surgiu em 1985. A ONU estima que hoje já há 50 milhões de refugiados ambientais no planeta. E que em 2050 serão 200 milhões de pessoas.
Na falta de legislação internacional específica, tem sido invocada a legislação pertinente aos Direitos Humanos, de modo a buscar a proteção humana e a defesa de sua dignidade. Em 2008, na Polônia, a ONU discutiu o relatório "Alterações Climáticas e Cenários de Migrações Forçadas" numa tentativa de regulamentar o tema. Mas não houve êxito.
Agora, assistindo a dimensão da tragédia japonesa e o sofrimento do seu povo, fiquei pensando se estamos todos preparados para, num futuro próximo, abrigar milhares e milhares de pessoas de outras nacionalidades e regiões do mundo.
Ou nós mesmos sermos abrigados por outras nações. Afinal, quem sabe do destino e das atribulações intestinais dessa bola gigante chamada planeta Terra?

10 março 2011

Mil Palhaços

As informações a seguir a rigor não são novas. Alguns jornais e “blogs” já trataram do assunto. Mas a maioria dos órgãos de imprensa não tem devassado o assunto.
Devassado, esse é o termo necessário e exemplificativo haja vista a série de extravagâncias já cometidas e outras tantas que ainda serão cometidas.
Refiro-me às obras de construção da nova sede do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), em Brasília. Em 2007, quando o projeto foi anunciado a obra tinha um custo previsto de R$ 89 milhões.
De lá para cá, vários aditivos contratuais depois, a construção já consumiu mais de R$360 milhões, de acordo com o Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo Federal (Siafi).
Agora, pasmem, com final previsto para esse ano, o custo total deverá alcançar R$ 448 milhões. Um estouro orçamentário de 400%!
E nem falamos da mobília e dos equipamentos eletro-eletrônicos já orçados em R$76 milhões. Mais: só a decoração dos gabinetes dos doutores ministros custará R$ 693 mil.
Em tempo: natural e obviamente, o projeto é do afamado escritório de arquitetura e “dono” de Brasília, Oscar Niemeyer. Custou os trocadinhos de R$5,9 milhões. Sem licitação!
A título de dar "transparência" ao empreendimento, o TSE disponibiliza algumas informações em seu site na internet. Mas dados os procedimentos e os valores realizados, tenho minhas dúvidas se trata-se de transparência ou de cinismo, deboche e humilhação do contribuinte?
Mas nem tudo está perdido (quer dizer, o dinheiro já era!). Em 2007, após o Tribunal de Contas da União (TCU) apurar indícios de superfaturamento e outras irregularidades na obra, o Ministério Público Federal, no Distrito Federal (MPF/DF), ajuizou ação civil pública para que a Justiça Federal suspenda o andamento das obras e decrete a nulidade dos processos licitatórios e dos contratos.
Para os procuradores, a obra “é suntuosa e fere os princípios da economicidade, eficiência, moralidade e finalidade da administração pública”. Mais grave: teria havido ocorrência de restrição ao caráter competitivo da licitação. O que é isso?
É uma manobra técnica na redação do edital que implica a não participação de diversas empresas. O resultado é que dificulta o surgimento de propostas mais vantajosas. Regra geral, o resultado maior é superfaturamento de preços. Tudo contrariando a Lei de Licitações!
No Brasil da coisa pública, em geral, e em Brasília, especialmente, a festa nunca acaba. É carnaval o ano inteiro.
“Tanto riso, oh, quanta alegria, mais de mil palhaçosnosalão!”

05 março 2011

Andressa

Ônibus lotado. Ao meu lado, mãe e filha no mesmo banco. Grávida, a jovem senhora não podia dar colo para a filha.
Percebendo a inquietação e o desconforto de ambas, delicada e cuidadosamente ofereci meu colo para a menina. Três aninhos.
Prontamente aceito e com anuência da mãe, a sorridente Andressa “puxa” papo comigo e diz, com orgulho e faceirice, saber todas as músicas dos Mamonas Assassinas.
E, sob o olhar meio sem jeito da mãe, que não cansava de se desculpar comigo, a menina passa a cantar em alta voz “Brasília Amarela, Vira-Vira, Robocop Gay, Uma Arlinda Mulher” e, vejam só!, “Pelados em Santos!”
Os Mamonas Assassinas era uma banda brasileira de músicas e letras cômicas, influenciada por gêneros populares. Misturava tudo. Rock, heavy metal, pagode, forró, sertanejo e até mesmos ritmos de música portuguesa.
A alegria contagiante, a irreverência, a malícia, a sacanagem sem culpa, explodiram, nacionalmente, na voz dos Mamonas, transformando-se em fenômeno sem antecedentes.
A banda era profundamente questionada pelos críticos musicais. E pelos moralistas “de cuecas”. Mas os críticos “falavam sozinhos”. Ninguém dava bola para seus comentários.
Afinal, não interessava o valor musical, não importavam os plantonistas do pudor nacional, nem o mau humor dos de sempre.
Todos os fãs dos Mamonas, assim como eu, ficávamos com a alegria, com o lúdico. Como diz(ia) Gonzaguinha: “Eu fico com a resposta das crianças. É a vida. É a vida!”
Essa viagem de ônibus foi num sábado à tarde, mais precisamente no dia 2 de março de 1996. Na mesma noite, os Mamonas Assassinas morreriam em acidente aéreo.
Essa semana, quarta-feira, dia 2, fez quinze anos que morreram os Mamonas Assassinas. Teve vida curta a banda. Mais precisamente, durou entre julho de 1995 e março de 1996. Tudo acabou naquela madrugada de sábado!
Aquele domingo foi de luto nacional. Passei aquele domingo pensando em Andressa. Na tristeza de Andressa. Também chorei pelos Mamonas. Mas chorei muito mais por Andressa!

02 março 2011

IPVA: injusto e inconstitucional

Astor Wartchow
Advogado
Porto Alegre

Se quisermos salvar a nação das garras de um Estado cada vez maior, inoperante, incompetente e corrupto, devemos nos empenhar na eliminação de uma série de tributos. Um deles é o IPVA.
A cada começo de ano, é obrigação tributária verificar os prazos e os valores de pagamento do IPVA - Imposto sobre Propriedade de Veículo Automotor.
0 IPVA é um sucessor da TRU - Taxa Rodoviária Única, cuja razão de existir sempre esteve vinculada à manutenção das estradas.
Atualmente, os recursos não são vinculados e sua arrecadação é dividida entre o Estado e os Municípios, de acordo com o local de emplacamento do veículo.
Trata de um imposto inoportuno, injusto e inconstitucional. E as razões da contestação são de natureza sócio-econômica e jurídica.
É injusto e inoportuno porque incide sobre um bem de consumo generalizado e que representa um meio de trabalho, uma forma de poupança familiar e um ativo de liquidez imediata.
O proprietário já paga vários tributos que incidem por ocasião da aquisição do veículo, na sua manutenção mecânica, no combustível, no seguro, nos pedágios e nas áreas especiais de estacionamento.
Não se pode confundir o IPVA com a tributação de terrenos e casas, que cumprem uma evidente função e destinação social.
O que não é o caso de um veículo, que é fabricado em série e por dezenas de fábricas. É um bem de consumo como outro qualquer. Apenas mais caro!
Tocante à sua natureza jurídica, o IPVA a pagar é determinado em função do valor do veículo, marca, modelo, ano e potência, de acordo com lei estadual. Denomina-se esta prática de “progressividade”. Porém, esta formulação é inconstitucional!
A Constituição Federal determina que a progressividade de imposto deva ser baseada na capacidade econômica do cidadão. E admite apenas três casos de progressividade. São eles: o imposto sobre a Renda (IR), cujo princípio é a capacidade econômica do cidadão, e os impostos sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU) e sobre a Propriedade Territorial Rural (ITR), cujo princípio comum é a função social da propriedade.
As constituições estaduais não podem avançar esta limitação. Não podem criar uma quarta hipótese. Conseqüentemente, lei estadual não pode fixar a "progressividade" com base em valor, marca, modelo, ano de fabricação e potência do veículo automotor.
Resumindo, ou todo mundo paga igual, não importa o veículo, ou se paga valores diferenciados em função da riqueza e capacidade de cada pessoa. Mas nunca em função das características do veículo!
Os impostos devem guardar nexo causal e coerência tributária. Além disso, os impostos não são eternos!
A sociedade deve, sempre, repensar os tipos de impostos e adequá-los ao seu tempo, à sua capacidade de pagamento e ao tamanho do Estado que necessita.

(Jornal Zero Hora, Porto Alegre, 01.03.2011)