25 abril 2012

O Jegue é nosso!

Periodicamente, a China proporciona inéditas notícias e provoca surpresas, quer sejam de comportamento, de consumo ou de produção, por exemplo. E quase sempre em números estratosféricos. Aliás, hoje nosso grande parceiro comercial. Para o bem e para o mal. E sabe qual foi a última de repercussão no Brasil, principalmente no nordeste? Faz algumas semanas, foi firmado um acordo entre o Brasil e a China favorecendo a exportação de jegues. Os chineses pretendem importar 300 mil jumentos por ano. Jumento, asno ou jegue, é aquele burrico típico e histórico do nordeste. Esses animais são muito utilizados na indústria de cosméticos chinesa. E na indústria de alimentos - sim, eles comem carne de burro! Embora já soubéssemos do exotismo da alimentação asiática. Sobre esse provável negócio de exportação, tudo começou em junho de 2011. Da Bahia ao Rio Grande do Norte, empresários chineses propuseram um programa de garantia de compra dos bichinhos. Agricultores familiares seriam organizados como produtores de jegues. Inclusive com uma linha de crédito especial já batizada de “Projegue”. E tem uma explicação para a conveniência e oportunidade do negócio. Faz alguns anos, tem havido um expressivo aumento na aquisição de motocicletas na região nordeste, através de farto financiamento. Entre 2000 e 2010, a frota de motos cresceu cinco vezes. A ascensão e popularização da motocicleta determinaram “a aposentadoria” do jegue. Ainda que gasolina não seja barata, é mais caro alimentar o jegue. E, além disso, o jegue não possui a agilidade de uma moto. E nem proporciona “status social” equivalente. Conseqüentemente, sem interesse comercial e sem dono, essa “troca de veículo” ensejou a liberação de um exército de jegues, soltos nas ruas das cidades e nos campos, e que invadem propriedades, destroem plantações e atrapalham o trânsito nas estradas, inclusive causando acidentes. Tratado como se fora uma peste, há, inclusive, prefeitos espertos que enchem caminhões de jegues e largam nos municípios vizinhos. Então, com o interesse da China se resolveriam dois problemas. Incrementaria o comercio regional e diminuiria a tropa de jegues. Legítimo negócio da China. Mas há ativos movimentos em defesa dos jegues. Sérias resistências ao negócio de parte de parlamentares, de líderes do folclore e de ONG’s culturais e de proteção animal. Afinal, cantado em verso e prosa no folclore regional, o jegue é uma figura querida e simbólica na história social e econômica do semi-árido nordestino. E alguns defensores mais fanáticos até lembram que foi um jegue que conduziu Jesus Cristo pelos caminhos da catequização. O jegue é como nosso cãozinho. É da família. De minha parte, e em solidariedade, sou contra esse negócio. O jegue é nosso!

18 abril 2012

Pão e Circo

Qual o limite de um processo de degradação sócio-cultural? Vou direto ao assunto. No que está se transformando a programação da televisão brasileira? Felizmente, os níveis de audiência estão decadentes. Afinal, ninguém merece.
A guerra pelos “pontinhos” do Ibope é de baixo nível. E virou guerra de igrejas, “bispos” e seus comportados rebanhos televisivos. Parece o filme “Poltergeist” (Steve Spielberg e Tobe Hooper, 1982), puxando as pessoas para dentro do tubo.
E se “Pânico na TV” é uma referencia popular, é porque já passamos do pânico para o desespero. Baixaria e grosseria é a regra. E eles acham que são talentosos. E nem preciso falar do desfile de peitos e bundas siliconadas. “É o horror, o horror”, diria o coronel Kurtz, no filme “Apocalypse Now (Francis Coppola, 1979)!
E no meio do tiroteio da guerra de audiência, o histórico campeão nacional apresenta suas armas e também baixa o nível. Despencando em todos os horários, o desespero (e a conseqüente queda de qualidade) determina a busca dos pontinhos perdidos. Vários horários nobres virando horários pobres. Se não fosse o plim-plim despertador, a anestesia seria geral.
Em verdade, as televisões estão na corda bamba da preferência popular. Os verdadeiros e originais atrativos - a magia e o encanto - dos programas de televisão foram para ralo. Faz tempo. É muito “reality show”. A realidade medíocre. É tudo farinha do mesmo saco.
E nessas horas de desespero o pessoal da cozinha televisiva começa a requentar os pratos de ontem. Fórmulas gastas e obsoletas. Shows, novelas, programas de auditório parecem comida requentada. Ninguém engole. Nem para agradar a mãe. Parece aqueles filmes da semana de natal e da páscoa. “O Manto Sagrado”, por exemplo. Já olhei umas quarenta vezes.
E nem a TV paga é boa. É noventa por cento de lixo para dez por cento de utilidade. Com a séria desvantagem que é caríssima e tem propaganda. Pode? Pagar para ver publicidade?
De modo que a queda é vertiginosa. E a explicação não está apenas nas novas formas de ocupação e utilização do tempo de lazer, a exemplo de computadores, notebooks, tablets, ipods, ipads, iphones, entre outros.
Mas mesmo toda essa parafernália não supre nossa necessidade de fantasia, sonhos e mitos, capazes de adocicar as dificuldades que a vida e a sobrevivência nos impõem.
Pão e circo, queiramos ou não, ainda é a metáfora antiga e corriqueira em todas as civilizações. Ao pé da fogueira e dos contadores de estórias, das praças públicas ao teatro, do rádio ao cinema, e agora a internet.
E a agora as perguntas finais. Se a audiência cai, e continua caindo, porque o nível de qualidade televisivo cai junto? Não deveria ser o contrário: se a audiência cai, o nível não deveria subir para recuperar a clientela?
Uma resposta que ouço muito diz que os comunicadores e programadores dizem e fazem o que o povo espera e quer. Então, a culpa seria do próprio povo?

11 abril 2012

Simplesmente Millôr

Entre centenas de frases, sempre marcadas por reflexão existencial, ironia e bom humor, selecionei e organizei tematicamente algumas do multitalentoso Millôr Fernandes (1923-2012), falecido no dia 27 de março. Leia, sorria e também reflita:
"Todo homem nasce original e morre plágio. Esta é a verdade: a vida começa quando a gente compreende que ela não dura muito. Uma pessoa feliz não tem o melhor de tudo; ela torna tudo
melhor.
Você pode evitar descendentes. Mas não há nenhuma pílula para evitar certos antepassados. Pais e filhos não foram feitos para ser amigos. Foram feitos para ser pais e filhos. Metade da vida é estragada pelos pais. A outra metade, pelos filhos.
Você está começando a ficar velho quando, depois de passar uma noite fora, tem que passar dois dias dentro. Um homem começa a ficar velho quando já prefere andar só do que mal acompanhado. A alma enruga antes da pele.
Não é que com a idade você aprenda muitas coisas; mas você aprende a ocultar melhor o que ignora. Com muita sabedoria, estudando muito, pensando muito, procurando compreender tudo e todos, um homem consegue, depois de mais ou menos quarenta anos de vida, aprender a ficar calado.
Não devemos resistir às tentações: elas podem não voltar. A verdade é que a maior parte das pessoas foge de tentações, que nem se dão ao trabalho de tentá-las. Se é gostoso faz logo, amanhã pode ser ilegal.
Como são admiráveis as pessoas que nós não conhecemos bem. As pessoas que falam muito, mentem sempre, porque acabam esgotando seu estoque de verdades. Quando todo mundo quer saber, é porque ninguém tem nada com isso.
O dinheiro não só fala, como faz muita gente calar a boca. O dinheiro não é só facilmente dobrável como dobra facilmente qualquer um. É muito fácil viver com pouco desde que a pessoa não gaste muito para ocultar que tem pouco. Se todos os homens recebessem exatamente o que merecem, iria sobrar muito dinheiro no mundo.
O mal de se tratar um inferior como igual é que ele logo se julga superior. Em geral as pessoas que se perdem em pensamentos é porque não conhecem muito bem esse território.
Ser gênio não é difícil. Difícil é encontrar quem reconheça isso. A ocasião em que a inteligência do homem mais cresce, sua bondade alcança limites insuspeitados e seu caráter uma pureza inimaginável é nas primeiras 24 horas depois da sua morte.
O que é pior - a chamada mentira piedosa ou a verdade cruel? Há duas coisas que ninguém perdoa: nossas vitórias e nossos fracassos. Você pode desconfiar de uma admiração, mas não de um ódio. O ódio é sempre sincero."

04 abril 2012

Chute no traseiro

Histórica e repetidamente, nossas autoridades políticas abusam e exageram na utilização de adjetivos para descrever os atos e feitos de suas gestões. Em todos os níveis da administração pública. Regra geral, o ufanismo predomina combinado com uma perda de memória seletiva e de um senso crítico.
Agora, por exemplo, diante da crise financeira européia – assim como já acontecera em 2008 na crise norte-americana, enchem-se de brios e cantam loas à nossa situação econômico-fiscal. Até aconselhamentos planetários pretendem dar. Entretanto, um conjunto de discursos e “vamo-que-vamo” que não resistem à realidade.
Vejamos: o relatório do Desenvolvimento Humano (2011), divulgado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), classifica o Brasil na 84ª posição entre 187 países. Os melhores IDH’s são da Noruega e da Austrália.
Dentre os países da América Latina, estamos na 20ª posição, atrás de Chile (o melhor sul-americano) e Argentina (o segundo). Também estão à nossa frente: Barbados, Uruguai, Cuba, Bahamas, México, Panamá, entre outros.
Para apuração dessas classificações são analisados vários aspectos e indicadores, dentre os quais os mais importantes são a expectativa de vida, anos médios de escolaridade, anos esperados de escolaridade e renda nacional bruta.
Resumindo: a gigantesca desigualdade social ainda é nosso grande problema e freio ao desenvolvimento. Há melhorias? Claro que há melhorias, ainda que lentas e localizadas. Afinal, bem ou mal, rápido ou devagar, tudo muda e tudo melhora com o tempo.
No conjunto da falação e ufanismo oficial há um aspecto pouco discutido e profundamente questionável. Ocorre que o crescimento econômico em si não é sinônimo de superação da desigualdade social.
Em nenhum momento, a qualidade de vida dos brasileiros subiu na proporção dos negócios nacionais e dos orçamentos públicos. Significa que há algo errado no planejamento e na administração pública. Há décadas.
Transformar a qualidade de vida das pessoas mais necessitadas depende de um conjunto de fatores sociais e econômicos. No núcleo de nosso atraso está a concentração da pobreza e a baixa escolaridade.
Nosso país (e os brasileiros!) é um paradoxo que as pessoas de outras nações não compreendem. Como pode uma nação continental, com vastas áreas produtivas de terras e oportunidades de criação e inovação ilimitadas, não superar suas contradições sociais e econômicas?!
Voltando a crise da Europa e dos Estados Unidos: graças ao seu nível de educação e igualdade social, essas nações darão a volta por cima em poucos anos, enquanto nós, nesse meio tempo, continuaremos discutindo as obras da Copa do Mundo e das Olimpíadas, centralismo tributário, a obscena taxa de juros, o déficit público e a corrupção.
Sobra lero-lero, faz-de-conta e demagogia. Falta-nos ação, objetivos e determinação. Creio que realmente precisamos de um chute no traseiro!