31 agosto 2012

O Discurso da Submissão

O teor dos discursos e a submissão dos partidos reforçam o pessimismo em torno da carente atualização, coerência e descentralização tributária nacional. Passamos “uma vida inteira” defendendo a necessária descentralização tributária e o máximo de empoderamento dos municípios e estados. E o que vimos nos palanques eleitorais midiáticos e eletrônicos e nos discursos em geral? Uma sucessão de loas ao governo central. Bordões sucessivos diziam, e continuam dizendo, da “amizade” com o governo central, das ligações partidárias e da importância dessas relações para carrear recursos. Inacreditável. Um retrocesso discursivo-ideológico de mais de 20 anos. Uma pobreza de responsabilidade e convicção sobre republicanismo que nos devolve “à idade média e à submissão real”. E assim assegurados e assentados sobre a alardeada unanimidade em torno da figura do “rei”, agora “rainha”, a busca insana pelo voto e pelo poder reproduziu as demagógicas falas de submissão tributária. Atuais e futuros feitos e obras cantadas em prosa e vídeo à conta da benemerência e generosidade “real”. Como se os recursos federais brotassem ao sabor da natureza e não fossem resultado da espoliação do próprio povo. Nos sucessivos processos eleitorais, municipais e estaduais, principalmente, se esperava que houvesse uma sincronizada reação de todos contra o excesso e a centralização tributária da corte de Brasília. Uma digna reação de quem se pretenda munícipe e líder regional e popular! Assim, mantida a natureza da omissão e submissão, seja por incompetência política ou “interesse”, não importa, o que resulta? Legitimada, inspirada e endinheirada, “a realeza e sua corte” se move como que imantados por um salvo-conduto comportamental. E a ponderar pelos renovados e recentes indicadores de preferência popular, inclusive dos numerosos afilhados eleitos e reeleitos, nada há a reclamar. Ou será apenas parte da memória pública esclerosada? A verdade sucumbe. O povo se “entrega” e assiste à metódica e sistemática desconstrução da verdade, sob o predomínio da indiferença e da não indignação. A julgar pela peregrinação e o beija-mão, a sedução é tão intensa que todos sucumbem. Claro e compreensível, é da natureza dos partidos e dos políticos seu agudo instinto de sobrevivência. Muda o discurso, muda o comportamento, muda o que for necessário e de acordo com a nova perspectiva. Submetem-se às exigências do vir-a-ser. É tão “natural e inocente” o procedimento da “corte” que “todos” assimilam e legitimam seus valores e sua conduta. Então, como é possível desafiar essa “verdade” e sua perenidade e inevitabilidade temporal? Uma nação que já se uniu em torno das bandeiras nacionais da anistia, das diretas-já e da constituinte, não será capaz de erguer a última e urgente, a única e fundamental bandeira? Ou já não há motivos de esperança relativamente ao municipalismo, o federalismo e a república?

29 agosto 2012

Por que votar?

A crise do sistema político representativo não é uma particularidade brasileira. O sentimento de frustração popular também é percebido na Europa e nos Estados Unidos. As disputas políticas em geral têm se caracterizado em mera luta pelo poder. O poder pelo poder. Ou o poder para obter vantagens e enriquecimento pessoal. Não necessariamente em defesa da geléia geral, mas explicando e tentando justificar a confusão, também é verdade que devamos reconhecer que a atualidade mundial é de absoluta inquietude, inconstância e com graves crises cíclicas. Crises sociais e econômicas que começam discretas, locais e setoriais, para logo, logo, serem escandalosas, interregionais e gerais. A freqüência das crises e suas características diferenciadas têm causado grande confusão nos governos, nos partidos políticos e naquilo que identificávamos como suas convicções ideológicas. Dito de outro modo, objetiva e resumidamente, nem o mercado tem mais a capacidade de auto-regulação, e nem o estado tem o poder de resolução e “apagar incêndios”. Ultimamente, entre nós brasileiros, as faces mais comuns e freqüentes da degradação do processo político-partidário têm sido o clientelismo, a corrupção e o cinismo. Conseqüentemente, não é a toa que a população rejeita e hostiliza a política. Os jovens em sua maioria a ignoram quase que por completo. O que mantém as aparências e dissimula nossa crise de representação é a obrigatoriedade do voto. Em outros países, notadamente na Europa, os índices de abstenção servem como referência para denunciar e rechaçar as disputas políticas medíocres e seus métodos. Assim, desinteresse popular, abstenção e voto nulo funcionam como forma de crítica e denunciam as práticas e métodos políticos que não oferecem alternativas, que confundem a opinião pública, e que, dia após dia, tornam os partidos cada vez mais iguais entre si. Programática e comportamentalmente. Diante do descrédito na política e nos políticos, e frustrados com a (deliberada ou não) geléia ideológica, a pergunta dominante entre as pessoas sempre era a seguinte: em quem votar? Mas, ultimamente, a pergunta é outra: por que votar? Essa pergunta revela e confirma a gravidade do momento que vivemos. Possivelmente, há dois aspectos extremamente danosos na política brasileira. Primeiramente, o estado brasileiro é exageradamente centralizador e arrecadador. Há poder e dinheiro demais em Brasília. O segundo ponto diz respeito ao poder legislativo. Teoricamente, um poder soberano, Mas, na pratica e de modo crescente e objetivo, é, hoje, absolutamente submisso ao poder executivo. Resulta disso, em moto contínuo, que não há mais representantes do povo. O objetivo principal de vereadores e deputados é fazer parte do governo!

22 agosto 2012

Face a face(book)

O “rei” Roberto Carlos pareceu prever o fenômeno do Facebook ao gravar, em 1974, a música “Eu quero apenas”, mais conhecida por “Um milhão de amigos”. Lembra? “Eu quero apenas cantar meu canto, eu só não quero cantar sozinho, eu quero um coro de passarinhos, quero levar o meu canto amigo a qualquer amigo que precisar, eu quero ter um milhão de amigos e bem mais forte poder cantar”. O que explica o sucesso e a popularidade do Facebook? Diversão, entretenimento e/ou solidão? Ou, um inevitável desejo humano e universal de dizer ao mundo “eu existo, sou feliz e tenho amigos”? E que também tem dinheiro, que viaja, que comprou uma bolsa Louis Vuitton de vinte mil reais, e...? Afinal, ninguém posta fotos e comentários sobre seus momentos de fracassos e tristezas! O assunto é inesgotável e se presta às mais variadas análises e conclusões. Simplificando, poderíamos dizer que é retrato e extrato da condição humana. Não é a toa que pesquisas e testes realizados por neurocientistas norte-americanos confirmam que falar de si, se gabar, se expor voluntariamente – que é o que gente faz a maior parte do tempo! – gera sensações de recompensas cerebrais equivalentes às sensações de comida e sexo. E outra pesquisa afirmou que “navegar no Facebook ou outra rede social aumenta nossos níveis de narcisismo e a nossa autoestima”. Mas seremos mesmo assim tão belos e felizes, siliconados e photoshopados ou não, e com tantos amigos? Com certeza, é muita superficialidade, irrealidade e pouco conteúdo. Uma brincadeirinha coletiva e exagerada. Então, como explicar que tantos postam ali momentos muito íntimos e particulares de suas vidas, devassando-as para “todo o mundo”? Assumindo riscos no tocante à sua integridade pessoal e familiar, ignorando os alertas dos especialistas em segurança virtual? Os criminosos cibernéticos não estão mais no futuro. Eles já estão aí e aqui, prontos para atormentar e chantagear. Isso sem falar em atitudes de risco de ex-amores inconformados. O Facebook é um Frankenstein fora de controle, que poderá a qualquer momento voltar-se contra seus postadores. Será que a necessidade de bem falarmos a nosso respeito e dizer ao mundo da quantidade de amigos e momentos felizes que temos e vivemos não será apenas um retrato abobalhado e patético de um mundo em exagerado ritmo e competição? Ou será uma reveladora compreensão e percepção inconsciente de que tememos nossa própria inutilidade, esquecimento e descarte social? Apesar de atuarmos em todas as plataformas, meios sociais e mídias possíveis, superconectados, não é verdade que nunca estivemos tão sós? E com tanta publicidade e devassidão pessoal, o que sobrará em cada um de nós, importante e suficiente, para provocar no outro descobertas e encantamento com nossas personas?

16 agosto 2012

Danem-se os fatos!

Ainda sobre o julgamento do “mensalão” no Supremo Tribunal Federal. O ministro Dias Toffoli não se deu por impedido na sessão inaugural. Aquele teria sido o momento e o gesto adequado. Tinha o dever ético do autoimpedimento. Mas não o fez. Afinal, fora advogado do PT, assessor jurídico de José Dirceu na Casa Civil (além de seu advogado pessoal) e Advogado-Geral da União. Chamou atenção também o fato do procurador-geral não haver solicitado o impedimento de Dias Toffoli. Talvez para evitar atritos adicionais que possam retardar a continuidade das sessões. Mas é o que deveria ter feito. Tinha o direito e o dever. Mas não o fez. Aliás, retardamento que ocorreu no mesmo e primeiro dia. Provocado pelo longo e surpreendente voto do ministro Levandowski. Surpreendente nem tanto pela qualidade, mas, pasmem, por suas 56 páginas previamente preparadas. Defendeu e votou a favor da mencionada questão de ordem de Thomaz Bastos. Ficou parecendo jogada ensaiada de ambos. Pode? Tocante as defesas até agora apresentadas pelos advogados, há evidentes unanimidades argumentativas. Em resumo, “todos acusados são inocentes, e se mal e errado algo fizeram, foi apenas a não contabilização (sic) de recursos financeiros de campanha eleitoral”. Tudo se resumiria ao famoso “caixa dois”, pecado e prática que todos cometem de sul a norte, de leste a oeste do Brasil varonil, partidos políticos e empresas, políticos e empresários. Falaram assim os advogados dos réus do "mensalão", cínica e debochadamente, perante o tribunal maior. Refrão da ladainha: não existe pecado ao sul do Equador! A novidade foi o argumento do defensor de Roberto Jefferson, o ex-juiz gaúcho e agora advogado Luiz Francisco Barbosa, que reclamou sobre a não presença do ex-presidente Lula no banco dos réus. “Se três ex-ministros estão no banco dos réus, porque seu então chefe não está?”, perguntou. A retórica predominante quer fazer crer que tudo se resume e limitará a exame pessoal e parcial de perspectivas e pontos de vista. Simples assim como (pre)julgamos os outros em nossas conversinhas pessoais, no dia-a-dia. Então, prevalecerá um argumento do filósofo alemão Friedrich Nietzsche (1844-1900), quando disse que “os fatos não existem, mas, sim, a interpretação dos fatos”. Ou então, como diria o escritor, dramaturgo e jornalista Nelson Rodrigues (1912-1980), como reza a lenda: “Se os fatos são contra mim, pior para os fatos!”.

08 agosto 2012

Eleições: o que voce precisa saber

O que decide uma eleição? Quais são seus momentos mais significativos? O que pesa mais em relação a um candidato: um fato positivo ou um fato negativo? O que você sabe sobre os candidatos e seus planos? Aliás, o que realmente você sabe sobre política e eleições? O que mais aflige os candidatos durante todo o processo eleitoral é a qualidade e a efetividade de sua comunicação. Não apenas a sua própria, mas a comunicação exercida pela imprensa. Rádio, jornal e televisão, principalmente. Tocante a imprensa, a verdade é que ela se detém mais nas gafes e contradições dos candidatos, nas pesquisas eleitorais e nas intrigas e provocações de parte a parte. Ironicamente, é como nos telejornais. Prevalece o excêntrico e o escandaloso.Ou seja, também nas eleições parece que o público prefere mais a “fantasia do que o realismo”. Prefere mais o “diz-que-diz-que” acerca de um candidato do que conhecer detalhes do seu plano de governo. Sobre plano de governo, equipes de trabalho, qualidade e conteúdo, igualmente muito pouco a imprensa divulga, analisa e comenta. Não se trata de responsabilizar a imprensa. Nem de idealizar o processo eleitoral. De um modo ou de outro, a imprensa retrata os interesses do eleitorado, aquilo que o atrai pelas mais diversas razões. Nesse sentido, trabalhos e pesquisas acadêmicas na área da ciência política confirmam e explicam algumas práticas dos partidos políticos e seus candidatos. Por exemplo, tocante a propaganda eleitoral no rádio e na televisão, algo que gera maior lembrança, eficácia e memória do/no eleitor são aquelas peças publicitárias que atuam por contrastes. Na ação partidária por “contraste” se comparam os candidatos, mostrando suas diferenças. Apontando os defeitos de um e exaltando as virtudes de outro. Esse tipo de propaganda exige critérios eficazes de apuração e identificação daquilo que realmente interessa ao cidadão, capaz de influenciar e decidir seu voto. E aquilo que faz a diferença entre um e outro candidato. Outra prática, mas de menor eficácia e memória do cidadão, chamada de publicidade "negativa”, é aquela que age e provoca imputações negativas ao adversário. Em geral, essa é uma prática não desejada pelos candidatos. Pesquisas imediatas parecem confirmar que essa “propaganda” gera mais incômodos do que vantagens. Há, inclusive, um chavão que diz que “quem bate, perde!”. Entretanto, está comprovado que essas mensagens negativas imputadas ao adversário ficam gravadas mais tempo na memória do eleitor. E, finalmente, a estratégia mais ineficaz é, porém, a mais utilizada nas campanhas. É a denominada comunicação e propaganda “defensiva”, na qual o candidato se limita a mostrar o que já fez e apresentar o que pretende fazer. Pesquisas indicam que são as menos impactantes e menos lembradas pelo eleitor.

01 agosto 2012

Esperteza Julgada

Seja no âmbito dos municípios e estados, ou na própria esfera federal, a cooptação de parlamentares não é uma novidade. Pode ter fins específicos ou gerais do poder executivo. Aprovação de um projeto de lei, por exemplo. Ou, ambiciosamente, um projeto de poder prolongado. Haja vista a expressiva fragmentação da atual representação político-partidária, um projeto de médio-longo prazo demanda a formação de maiorias. Maiorias fisiológicas. Não ideológicas. E sua moeda de troca e compensação pode se dar através de liberação de emendas orçamentárias, aceitação de indicações partidárias e pessoais para cargos públicos, tráfico de influência, entre dezenas de hipóteses possíveis. O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso foi acusado de formar uma maioria “comprada” de modo a obter a aprovação do direito à reeleição. Claro que o aprovado direito à reeleição também foi para prefeitos e governadores. Que podem, em tese, ter colaborado nos mesmos moldes para a formação da dita “maioria cooptada”. Também não esqueçamos o “mensalinho mineiro”. Mas o “mensalão petista” foi algo mais audacioso, mais estratégico. E, ao mesmo tempo, estúpido. A esperteza está sempre mais próxima da estupidez e da arrogância do que da genialidade. Típico caso em que os meios deveriam justificar os fins. Deu no que deu. Através de manipulação de gastos em publicidade governamental, licitações e contas bancárias fraudadas e drenagem de dinheiro público, trata-se um autêntico crime contra o sistema republicano, democrático e representativo. Em agosto de 2005, em rede nacional de TV, Lula disse que o seu governo e o PT tinham de "pedir desculpas”. E que se sentia "traído por práticas inaceitáveis, das quais não teve conhecimento”. Hoje, porém, Lula anda por aí dizendo que o "mensalão é uma farsa. E que nunca existiu”. Se for verdade que não existiu e que é tudo uma farsa, o que foi aquilo tudo que vimos na televisão, dia após dia, gravações após gravações, saques após saques bancários e milionários? E os relatórios da Policia Federal e do Ministério Público o que são? 50 mil páginas, tudo invenção, tudo criatividade? Nesse caso, se invenção e farsa, com tantos delegados de polícia e promotores públicos criativos e contadores de estórias e intrigas, como é que a gente ainda não ganhou o prêmio Nobel de Literatura?