28 novembro 2012

Faixa de Casa

Não, você não leu mal. E nem eu escrevi errado. Não estou falando da Faixa de Gaza, do angustiante e mortal conflito entre judeus e palestinos. Povos e comunidades que convivem conosco há décadas, razão de amizade e admiração, têm nossa torcida para que cheguem a um consenso pacificador e definitivo. Principalmente, em prol da criação do Estado da Palestina. Entretanto, enquanto que no Oriente Médio amplia-se a tensão e a distância entre judeus e palestinos, o que ocorre entre nós, brasileiros, há muito tempo? Crescentes favelas, casas muradas de afiados arames e cercas elétricas, cães ferozes, guaritas e guardas, na nossa “faixa de casa” fortalecem-se os muros reais e imaginários que concretizam e aumentam a indiferença, a discórdia e a violência. Com uma taxa de extermínio bem maior que guerras e conflitos mundiais recentes, 45 mil brasileiros perdem a vida a cada ano. Embora tenhamos apenas 3% da população mundial, realizamos 13% dos homicídios. Campeões mundiais. Uma síntese e conseqüência trágica da combinação de problemas e desigualdades. Baixa escolaridade geral, desintegração familiar, desigualdade de renda e trabalho, desemprego, urbanização desordenada, segregação sócio-espacial e narcotráfico. Crimes e mais crimes. Regra geral: a impunidade. Pior: os números criminais têm expressiva conexão com os números relativos aos jovens. Trinta milhões têm entre 15 e 24 anos. Dezessete milhões não estudam. Metade são desempregados. A absoluta maioria é pobre. Uma geração completa que nasceu e cresceu sob o signo da violência. Conseqüentemente, de parte dos jovens sobrevêm uma sensação de impotência, uma descrença na família, na comunidade e nas autoridades. Desdém com o esforço coletivo, desrespeito às normas e às regras de convivência. Uma crise de valores e falta de perspectivas pessoais. A incompetência e as dificuldades operacionais dos governantes – além da histórica impunidade - traduzem-se num estado de pânico, uma síndrome social e nacional. Além de transformações sociais, a população continua esperando por respostas práticas e objetivas para o enfrentamento da criminalidade, seja pelo aparelhamento e reforço policial-repressivo, seja pela melhoria e ampliação dos presídios, seja pelo reexame e adoção de outros modelos punitivos na área judicial. A filósofa alemã Hannah Arendt (1906-1975) ensinou que o fenômeno da violência e seu incremento são decorrência da ausência da (boa) política. Se Estado e sociedade se omitem, os vazios de organização e poder são ocupados por outras formas de organização e poder. Regra geral, pelo predomínio do medo e da violência.

21 novembro 2012

Proteção Demais Enfraquece

As razões mais expressivas para a degradação da educação nacional estão dentro de nossas casas e nas nossas famílias, seja tocante aos níveis de escolaridade e qualidade humana, mas principalmente em relação ao comportamento pessoal. Sem dúvida, vivemos uma grave crise de autoridade e liderança familiar. Tolerância em demasia e omissão no acompanhamento dos estudos e práticas comportamentais dos filhos. Afinal, não é a toa que assistimos diariamente tantos casos de atos de violência, covardia, abusos, omissões e indisciplina, patrocinados por jovens, sejam homens ou mulheres. Conseqüentemente, caímos na inevitável tentação de comparar gerações. Muitas vezes proferidas por nossos pais, as frases abaixo destacadas são exageradas, é verdade, e, aos dias de hoje, completa e politicamente incorretas. Mas sua “didática”, de então, parece ter gerado melhores resultados que as modernas receitas pedagógicas. Gestos e atos paternos e maternos que, atualmente, são condenados pelos especialistas em educação, pedagogia e psicologia. Frases e ameaças simbólicas (ou não) que resultaram em ensinamentos que valorizam alguns aspectos da vida. Ironicamente, hoje tais frases do passado parecem soar como expressões cômicas (mas não menos verdadeiros). Vejamos: Sobre hierarquia, determinação e estudos: "Porque se eu digo que é assim, ponto final! Quem é que manda aqui?” Ou: "Vai ficar aí sentado até comer toda comida!” Ou: "Junta agora esses brinquedos. Pega um por um!” Ou: "Se eu for aí e você não tiver terminado essa lição escolar, você já sabe!” Sobre desafios e raízes familiares: "Olhe para mim. Responda quando eu te fizer uma pergunta!" Ou: "Computador novo? Está pensando que nasceu de família rica, é?”. Sobre sabedoria e justiça: "Quando você tiver a minha idade, você vai entender.” Ou: "Um dia você terá seus filhos, e eu espero que eles façam pra você o mesmo que você faz pra mim. Aí, você vai ver o que é bom!”. Outro assunto. Ou será o mesmo? Estamos de acordo que lugar de crianças e adolescentes é na escola. Mas durante algumas horas do dia, em casa e fora do horário de estudos, crianças de 12 a 18 anos também podem trabalhar e ajudar os pais. Alguém tem dúvida que o trabalho, noções de dever, compromisso e responsabilidade, são ótimos “professores e educadores”? Mas, ultimamente, governantes, leis, promotores e juízes acham que não. Infelizmente, esquecem uma óbvia lição histórica e milenar: proteção demais enfraquece!

16 novembro 2012

PARA COMPREENDER A VIOLÊNCIA (em Zero Hora de 16.11.12)

Nós estamos no fundo do poço. Há quem diga que já passamos do fundo do poço. É verdade. Basta relacionarmos os inúmeros episódios passados e recentes de violência explícita. E nem falarei sobre presídios lotados, processos parados e inquéritos não terminados ou nem iniciados. Lembra: a morte do índio pataxó (queimado por jovens de classe média), o jornalista Tim Lopes (torturado e queimado por bandidos), o recente caso do mendigo de Caxias do Sul, a série de crianças estupradas e assassinadas, os ônibus incendiados com passageiros dentro, os ataques no Rio de Janeiro, em São Paulo e, agora, em Santa Catarina. É uma lista sem fim e sem limites de crueldade. E qual tem sido nossa reação ao crime organizado e à violência em geral? Abaixo-assinados, passeatas, criação de ONGs, entre outras atitudes passageiras e sem objetividade prática. Enfim, notícias de jornal e TV que noutro dia dão lugar às notícias mais recentes (novos crimes). Em comum, nossas reações têm o pedido de paz. Paz? Paz, não! Queremos justiça, ação policial, condenações, prisões. Ação de estado! Mas, sobre os pedidos de paz, façamos uma reflexão. Um raciocínio de natureza filosófica, de elucubração, pretendendo a compreensão e/ou constituição racional das coisas que nos cercam. A professora paulista Marilena Chauí (USP), em um antigo estudo sobre a violência, já observava que vários “dispositivos” e atitudes contribuem para ocultar a violência real e suas razões. Entre eles, destacava: (1) um sistema jurídico que localiza a violência apenas nos crimes contra a propriedade e a vida; (2) um sistema sociológico que considera a violência um momento no qual os grupos sociais “atrasados” (eles) entram em contato com grupos sociais “modernos” (nós). É o momento em “os desadaptados” (eles) tornam-se violentos; (3) a vigência de uma distinção entre um “nós brasileiros não-violentos” e um “eles violentos”. “Eles” são todos aqueles que, “atrasados” e deserdados, empregam a força contra a propriedade e a vida de “nós brasileiros não-violentos”; (4) e uma prática de distinção entre o essencial e o acidental: a sociedade brasileira não seria violenta. A violência seria apenas um acidente na superfície social sem tocar em seu fundo essencialmente não-violento. Isto explica, inclusive, porque os meios de comunicação se referem à violência com as palavras “surto”, “onda”, “epidemia”, “crise”, isto é, palavras que indicam algo passageiro e acidental. Conseqüentemente, as desigualdades e as exclusões, o autoritarismo que regula todas as relações sociais, a corrupção, o racismo, o sexismo, as diversas formas de intolerâncias, não são consideradas formas de violência. Isto é, a sociedade brasileira não é percebida (e não se auto-percebe) como estruturalmente violenta e por isso a violência aparece como um fato esporádico superável. Esporádico e superável? Afinal, somos ou não somos violentos? E o que você acha? Pare, pense e reflita! Talvez o “caminho da salvação” passe pela ampliação e aferição dessa compreensão.

14 novembro 2012

OS "REIS DO PUXADINHO"

É histórica (e quase unânime) a compreensão de que a antecedência do Estado - antes que surgisse uma sociedade brasileira – é fator responsável por muitos males que atrasam nosso desenvolvimento sócio-econômico. Os reflexos negativos da conseqüente adaptação e submissão da sociedade ao estado. E entre estes males, a questão da reiterada descontinuidade administrativa, presente em todos os níveis da administração pública. Objetivamente, sucede que à posse de cada novo governante recai sobre nosso povo uma avalanche de idéias e ações que se pretendem reformadoras, quando não “revolucionárias” (sic). Os (novos) governantes acreditam que estão predestinados a fazer “a reforma das reformas” no aparelho estatal. E assim estamos permanentemente “reformando o estado”. Por quê? Porque tudo que o outro (governante) legou, não presta. É um estigma. Uma maldição. Invariavelmente, o resultado de cada intervenção tem um subproduto pior. Primeiramente, porque pessoas e necessidades públicas que deveriam ser o objeto principal da ação do estado (e sua anunciada reforma) são sempre e novamente relegadas ao segundo plano. Reiteradamente são favorecidos setores e classes já abonadas e, obviamente, onerada toda a população nas crescentes taxas de espoliação tributaria. Sistematicamente falhamos no planejamento. Nossas políticas públicas não resistem ao tempo e as sucessões político-partidário-administrativas. Boas intenções e retóricos planos não se confirmam na prática e na contabilidade final. Desculpas nunca faltam. Obstáculos político-partidários, gargalos institucionais, excessos burocráticos, incapacidade financeira e insuficiência técnica de gestão, entre outros. Resultado final: frustrações, perda de tempo e desperdício de dinheiro público. A frustração popular também resta agravada porque sempre se dissera que o esmero e o extremo da prática democrática provocariam o desenvolvimento e as superações. Não é verdade. Agora, bem sabemos que a prática da democracia não ocasiona por si só o desenvolvimento almejado e a qualidade necessária. Ainda que possamos registrar melhorias nos níveis de erradicação da pobreza e elevação dos níveis de consumo popular, ainda vigem e pairam sobre nós as centenárias práticas do patrimonialismo, do feudalismo, do clientelismo, do mandonismo e do personalismo. Há uma lista interminável de outros “ismos”. A não superação desses “pecados capitais” é a causa fundamental da não continuidade administrativa e do não êxito de todas as reformas intentadas e tentadas. Somos os “reis do puxadinho”!

07 novembro 2012

Uma Questão de Princípios(ainda o mensalão)

O anarquista e pensador político russo Mikhail Bakunin (1814-1876) foi profético: "(...) chega-se ao mesmo resultado execrável: o governo (...) se faz por uma minoria privilegiada (...) tão logo se tornem governantes (...) não mais representarão o povo, mas a si mesmos e suas pretensões de governá-lo. Quem duvida disso não conhece a natureza humana”. Antes de sua expulsão do PT (2003), a senadora alagoana Heloisa Helena também foi visionária: “(...) considerava que o nosso Governo teria a obrigação de mostrar ao País o que dizíamos que eram os crimes contra a Administração Pública, o tráfico de influência, a intermediação de interesses privados...” Nunca tive dúvidas sobre a dimensão e o significado do escândalo do “mensalão”. Em 2005, escrevi e publiquei dois artigos sob o título “Renuncie, presidente!”, apesar de pessoal e convictamente haver votado quatro vezes em Lula. Seria ousadia, absurdo e impertinência pedir a renúncia do presidente da república? Acredito que não. Pelo conjunto do que foi filmado, dito, testemunhado, investigado e apurado, somado a comprovável e repetida retórica e vocação petista para hegemonia (observe as queixas de seus parceiros eleitorais!), não restava dúvida quanto ao evidente atentado ao sistema democrático, à expensa do dinheiro público desviado ardilosamente via negócios fraudulentos. Entretanto, nem Lula se considerou pessoal e politicamente responsável. A rigor uma hipótese desmentida na sua própria entrevista e pedido de desculpas em Paris. E nem a oposição foi competente e capaz de acusá-lo e promover o processo de “impeachment”. Talvez a oposição nem quisesse. O PSDB, principalmente, escaldado pelo risco do “rabo preso do mensalinho mineiro”. Onde, dizem, que tudo começou! À época também havia a preocupação com a governabilidade. Afinal, já tínhamos passado pela desagradável experiência da cassação do presidente Collor (1992). Aliás, financeira e judicialmente comparado com o “mensalão”, o caso Collor é “de pequenas causas”. Também não justifica a omissão tocante a responsabilização do presidente Lula o fato de ter tido expressiva votação e reeleição. Ou por ter sido um bom e popular presidente, segundo alguns. A reverência pessoal e os supostos temores socioeconômicos não deveriam ser argüidos para deixar de combater e refutar o ataque sofrido pelo sistema democrático, aos princípios republicanos e ritos constitucionais. Pertinentemente, quando é desencadeado um processo de responsabilização e possível “impeachment presidencial” não se está apenas questionando o governante e seu partido, mas, essencialmente, se está tratando de preservar os valores éticos e sociais que devem nortear e garantir a república. É uma questão de princípios.