31 julho 2013

Zeitgeist, o espírito do tempo

As recentes e fortes manifestações de rua que vivenciamos no Brasil têm algo em comum com as que ocorreram mundo afora. E que continuam acontecendo, seja no Egito ou na Turquia, nos Estados Unidos ou na Espanha, na Grécia ou em Portugal, e em tantos outros lugares.

Se diferentes as origens e as razões dos protestos de cada lugar, bem como o conjunto das reivindicações, isso quando existente e explícito, o que há, então, em comum?

Em comum, as manifestações têm a presença e o ativismo dos jovens. Que relativamente aos seus pais são mais escolarizados e socialmente menos conservadores. Multifacetários cultural e politicamente, são frutos da diversidade e ação das redes sociais.

Tecnologicamente equipados e conectados, acessam toda a gama de informações, conhecimentos e oportunidades. Contrária e negativamente, porém, não conseguem usufruir e gozar de oferta de bens e serviços públicos, principalmente. Nos casos mais graves, é o fantasma do desemprego e da desocupação. Então, não importa a nacionalidade, nem o idioma, a demanda central é a mesma: mudanças!

O entrave principal parece ser e residir nos modelos e sistemas tradicionais de representação e governabilidade, agora em evidente conflito, contradição e confronto com as ditas e aceleradas transformações sócio-comportamentais.

Não é a toa que o próprio conceito, organização e hierarquia do que denominamos “democracia” está em discussão. Entre o virtual e o real, o mote agora é o recém denominado “quinto poder” - a internet e as redes sociais - e a conseqüente “horizontalização” da política!

Ainda que as evidências e a indignação coletiva indiquem que a ordem e organização sócio-política são injustas e insustentáveis, os atuais detentores de poder formal resistem e renovam seu ânimo de continuísmo e manipulação, motivados, principalmente, pelas reivindicações difusas e a ausência de líderes.

Mas está enganado quem pensa que esses movimentos são passageiros e efêmeros. Ou se adapta e promove mudanças, ou vai “bailar”. É famosa a frase e conselho do escritor, político e primeiro-ministro inglês Benjamim Disraeli (1804-1881): “- Majestade, o povo está insatisfeito, e quer mudanças. Se essas mudanças não forem feitas por nós, serão feitas sem nós, e, o que é pior, contra nós”.

Concluindo, possivelmente estejamos vivenciando uma mudança no espírito do tempo. Fruto de reflexões de pensadores alemães do século XVIII, a expressão Zeitgeist significa espírito de uma época, sinais de um tempo, aquilo que retrata um ambiente intelectual e cultural de um determinado momento histórico.

24 julho 2013

Política, Estado e Sociedade

As ocorrências de protestos populares são uma boa oportunidade para o reexame das idéias políticas e econômicas, suas conceituações, atualidade e eficácia, bem como em relação às demandas sociais pendentes e à qualidade e gestão dos serviços públicos.

Embora ignorada por nossos políticos e partidos, faz muito tempo que há uma urgente agenda pública e social baseada na reconfiguração mundial da teoria e organização de Estado e inspirada no conjunto das relações globalizadas.

As profundas alterações na sociedade, que perpassam questões sociais, econômicas, políticas e culturais, têm gerado uma (re)novação nos papéis e nas abordagens das pessoas e dos grupos.

Coincidem com a intensificação das relações e capacidades pessoais e comunitárias de produzir, trocar e gerenciar conhecimentos, utilizando, sobretudo, as novas tecnologias de relacionamento, informação e comunicação.

Suscetíveis às novas idéias e iniciativas, a maioria das organizações se esforça para buscar e aprender novas teorias e práticas de gestão do conhecimento e de cultura organizacional. Consequentemente, estabelecem novos modelos de aprendizagem, de produção de bens, serviços e valores.

Essa proliferação de organizações e demandas sociais determina um novo lugar para a idéia e práticas de poder, até então destinada ao Estado e ao Poder Político. A rigor, constituem e empoderam a sociedade civil organizada.

Igual e concomitantemente, expressivas camadas da população ainda se encontram marginalizadas pela inexistência de meios objetivos de expressão política e inclusão sócio-econômica. Consequentemente, muitos carentes e irresignados movimentos populares ainda demandam soluções, prioridades e ações de governo e de estado.

Em tempo: um importante esclarecimento conceitual e ideológico. Defendo ação de estado, não tamanho de estado. Há por aí uma turma fisiológica - e com limitados conhecimentos de teoria econômica - que confunde ação de estado com tamanho de estado.

Os recentes protestos simbolizam e identificam questões que contradizem e contestam a retórica e o ufanismo oficial, sempre desmentidos pelas estatísticas que apontam para os precários e instáveis laços de convivência social e econômica dos diversos Brasis.

Neste sentido, a política (e os políticos) está desafiada à proposição de novas reflexões, principalmente para a definição de inovadoras e eficazes políticas públicas e a formulação de projetos consistentes de futuro para o país.



17 julho 2013

Factoring Estatal

O governador Tarso Genro (PT-RS) esteve em Lisboa (Portugal) para um encontro com representantes do Banco Santander (Espanha). Objetivo: proceder a venda de ativos financeiros da receita pública estadual.

Seria parcela – estimada em quatro bilhões de reais - dos créditos vincendos da dívida ativa, resultante de processos e acordos judiciais decorrentes de tributos não quitados. Esclarecendo: a dívida atual totaliza R$30 bilhões, porém, inexecutável e irrealizável.

Tocante a iniciativa não foi esclarecido se o governador precaveu-se política, legislativa e juridicamente, haja vista que há várias indagações e divagações pertinentes. Por exemplo: em se tratando de créditos públicos, e que está disposto a alienar, obviamente por quantia menor, tem autorização legislativa para tanto?

É ético e legal o contato direto e prévio com identificada instituição financeira? Não seria o caso de proceder a um leilão entre diversos bancos, de modo a tornar pública e ampla a concorrência e obter o máximo de vantagem financeira aos cofres públicos?

Declarado de antemão que pretende obter R$ 1 bilhão, considerou o governador que a alienação do montante da dívida ativa, ou de parte, implica diminuição dos ingressos anuais (nos próximos cinco anos), realizados em torno de 430 milhões, média dos últimos cinco anos?

Ou seja, considerou que estará usando receita de competência de futuros governos, que receberão o estado com enormes déficits e sem margem para endividamentos e investimentos?

Importa considerar também que há compromissos constitucionais com a parcela destinada aos municípios, o que corresponde a 25%. Se efetivar o negociar, repassará o respectivo percentual aos municípios?

Cabem outras tantas indagações e questionamentos. Entretanto, e em tese, a idéia não é má. Assemelha-se aos procedimentos e negócios privados conhecidos como factoring, isto é, a venda de créditos futuros, mediante deságio, para obter capital de giro.

Haja vista a gravíssima situação econômica e financeira de nosso estado é louvável a atitude em buscar soluções inovadoras, a exemplo da positiva troca de dívidas (por taxa de juros menores e dilatamento de prazo) realizada pela ex-governadora Yeda Crusius, à época, porém, incompreendida e combatida pelo Partido dos Trabalhadores (PT-RS).

Agora, estimo que Tarso Genro não sofra desabonadora pecha político-ideológica, nem desconfiança ético-comportamental.

03 julho 2013

Acertando o alvo

Simpatizantes governistas de plantão consideraram tendencioso o fato de que mídia (sempre ela!) focara excessivamente na presidente Dilma como a destinatária exclusiva dos protestos. De certo modo, a procedência da reclamação foi confirmada pelas pesquisas de opinião pública que indicam uma expressiva queda de prestígio presidencial em relação aos dados anteriores.

A verdade é que os protestos realmente foram dirigidos a todos os partidos e políticos, sejam do poder executivo, sejam do legislativo. Isto é, vereadores e prefeitos, deputados, senadores e governadores. Aliás, em alguns casos nem o Poder Judiciário escapou de críticas e protestos.

Então, procede a queixa dos governistas? Não, não procede. Ocorre que faz muito tempo, começa ano, encerra ano, que vivenciamos o aumento da carga tributaria nacional (e o aumento da fatia do governo federal). Conseqüentemente, o governo federal monopoliza a ação política e o gerenciamento da absoluta maioria dos recursos públicos.

O que explica, aliás, a eterna romaria de prefeitos e governadores para Brasília, com o “pires na mão em busca de trocados”, eis que engessados por orçamentos limitados e demandas públicas crescentes (Essa semana haverá nova Marcha dos Prefeitos à Brasília).

Essa circunstância por si só não os isenta de erros e críticas, nem justifica eventuais atos de inabilidade e de incompetência político-gerencial. Mas, acontece que o povo já percebeu que prefeitos e governadores são, digamos, “vítimas do processo” (mas recentes pesquisas de opinião também apontam queda de prestígio de prefeitos e governadores).

Abusos, corrupção e desperdício são sempre proporcionais ao volume e disponibilidade financeira e a distância (e omissão) dos que deveriam vigiar e fiscalizar. Salvo alguns episódios locais e regionais, abuso, corrupção e desperdício não são exatamente marcas de prefeitos e governadores. Essa nefasta “vocação” é de Brasília e sua corte.

Então, Dilma foi e é a vítima preferencial dos protestos (e objeto crítico da mídia!) porque é a atual presidente da República. Mas poderia ter sido Lula ou Fernando Henrique, Itamar ou Collor.

Conclusão: as demandas reclamadas pela população só terão solução a partir do dia em que a maioria dos recursos públicos fique nos municípios e nos estados. Esse é o alvo. Essa é a raiz e a questão central!




01 julho 2013

Quem são os vândalos?

Desde os primeiros protestos, sejam em Porto Alegre ou nas demais capitais, e lá se vão vários dias, imaginara que as Polícias Civis e Militares deveriam e poderiam ter identificado alguns vândalos/ladrões e suas origens/razões. Por que não o fizeram, ou não puderam, é outra questão a ser esclarecida.

Quando digo origem e razão, quero dizer e perguntar se são simples delinqüentes e ladrões, ou se representam “o braço armado” de tendências e organizações sócio-político-partidárias. De antemão, sabemos da presença massiva de anarquistas, movimentos punk e skinheads, que, regra geral, pregam a negação do sistema através de contestações e atos violentos.

Pessoalmente, já após o terceiro dia do movimento nacional, e dada a incidência, dimensão e repercussão dos atos de vandalismo, defendia que deveriam encerrar os protestos. E por quê? Primeiramente, porque em todos os sentidos o recado já fora dado às autoridades.

Em segundo momento, porque não há energia humana e coletiva suficiente para manter tamanha, ordeira e organizada mobilização. E, final e principalmente, porque o vandalismo em massa e crescimento está desconstituindo a legitimidade dos protestos. Os protestos estão sendo usados pelos bandidos.

Mais: o vandalismo está servindo de argumento aos governistas para ideologizá-lo como um movimento de direita. Essa (equivocada) imputação e conceituação não resolve os problemas reais da administração pública e do país, mas interessa e convém política e eleitoralmente ao governo federal.

Quem são os vândalos – e o que pretendem - é uma pergunta que só será e seria respondida com a prisão e interrogatório da maioria dos delinqüentes. Como isso ate o momento não foi feito, as coisas continuarão como tal.
Afirmo que é hora de parar com os protestos.

Multifacetárias, particulares e gerais, regionais e nacionais, e com toda a razão, as mensagens foram dadas. Mas não tenho muita expectativa sobre seu futuro. O que alguns entendem como acolhimento das propostas e subordinação político-governamental a vontade popular, entendo como simples adequação e ganho de tempo.

Seremos brindados com mais alguns procedimentos improvisados e de típico malabarismo, a exemplo das propostas de constituinte e plebiscito. Ora, ora, um plebiscito popular com mais de dez perguntas, pasmem, sobre direito e processo eleitoral, é piada. As “coisas” não são assim tão simples.

Mesmo assim, acredito que é hora de parar. Se continuarem os protestos, continuarão os vândalos, os delinqüentes, os saques e as depredações. Situações que não interessam a quem realmente quer mudar a nação!