30 outubro 2013

A Propagação da Ignorância

Nunca foram tantas as alternativas e oportunidades de acesso ao saber, à educação, à escolarização, à cultura e à produção científica. O volume de produção e divulgação de conhecimento acerca da existência humana e do meio-ambiente é fantástico e imenso.

A racionalidade prospera e assegura uma vida melhor. Passo a passo, crendices e superstições dão lugar ao saber científico e metodológico. Mais e mais pessoas vão além de um conhecimento que tinham e que adquiriram em seus meios de origem social.

Porém, a plena receptividade, a compreensão, o estabelecimento e o desenvolvimento desse saber ainda dependem do esforço e empenho pessoal e individual. Daí que assistimos e vivenciamos uma incrível contradição. Ao mesmo tempo em que avançamos grandiosamente na produção e divulgação do saber científico, nunca foi tão expressivo o número de pessoas (com)partilhando superstições e explicações simplistas, erradas e idiotizantes. Como se verdadeiras fossem!

A super oferta e a exuberância tecnológica, e a instantaneidade dos modernos meios de conhecimento e comunicação, a exemplo de aparelhos celulares multimídia e da própria internet, garantem essa propagação.

Bem, podemos dar um “desconto” e admitir, como bem demonstra a história, que a cultura científica sempre foi restritiva e elitista. E que sempre houve uma “competição” da ciência com a cultura popular, essa sempre rica em simplificações ingênuas e travestidas em falso conhecimento e senso comum.

Um exemplo da massificação e propagação da ignorância é a crescente oferta e divulgação dos manuais de astrologia e auto-ajuda, com práticas e garantias de “sucesso pessoal, no amor e nas finanças”.

Também prospera o fundamentalismo religioso. Explicações sobre a origem do universo, da vida, da humanidade, que ignoram e contrariam, sem cerimônia, a biologia, a antropologia, a arqueologia e a história, entre outras ciências. Isso sem falar na “indústria” religiosa, o comércio da fé e seus teólogos da prosperidade, que “expurgam demônios e abençoam carteiras de trabalho”.

Repetindo, haja vista a fartura tecnológica e o acesso universal, muitas pessoas propagam a ignorância, preconceitos e a falsa ciência, sem restrições e sem constrangimentos. Como se houvesse uma genialidade natural, uma geração espontânea do saber.

Mas com tantos corações carentes de afeto, ouvidos ávidos de atenção e estômagos vazios, não é surpresa a supremacia da ignorância, da idiotia, da mistificação e do curandeirismo.


23 outubro 2013

O Som do Silêncio

Recentemente, em São Paulo, um morador matou um casal de vizinhos em decorrência e agravamento de uma sucessão de reclamações por causa de quebra de silêncio condominial. Tragédia. Uma reação extremada num fato comum.

Agora, a exemplo de edições anteriores da Oktoberfest, novamente a vizinhança relatou abusos sonoros e incômodos gerais decorrentes da festança. Não é um problema restrito a festa de outubro e ao local. É um problema generalizado. A qualidade da convivência social está em acelerado processo de degradação.

Faz tempo, as ruas foram invadidas por carros exageradamente sonorizados, pilotados por inquietos condutores, com uma mão no volante e outra na buzina, ou no volume do equipamento de som. Regra geral, o que ouvem em altíssimo som e afirmam que é música, é apenas um ritmado “pancadão” de melodias e letras de duvidosa qualidade. Um “bate-estaca”.

Também é comum a publicidade ambulante em extravagantes e automotivos serviços de som. Defronte algumas lojas, as calçadas são ocupadas por locutores equipados de microfones e alto-falantes, anunciando a promoção do dia, a oferta da hora. Difícil imaginar que tais práticas possam atrair clientes. Ou fidelizar negócios.

E o que dizer dos comemorativos fogos de artifícios disparados a qualquer pretexto, quase sempre à noite, para susto e
desespero de doentes, crianças, velhos, pássaros e animais domésticos? Não deveriam ser simplesmente proibidos de fabricação e comercialização?

Todos esses excessos são a prova da falta. Excessos que provam a falta? Como assim? Falta de reflexão, falta de fraternidade, falta de companhia, falta de civilidade, falta de educação, falta de respeito, falta de autoridades. Uma sucessão de faltas pessoais e coletivas.

Indivíduos que precisam dizer ao mundo de sua existência, de sua presença, de sua “opinião”, de sua “não solidão”. Infelizmente, fazem tudo isso, se “comunicam” através dos exageros pessoais. E entre eles o pior. O excesso de som. Ruídos. O excesso de não silêncio.

As expressões de alegria e felicidade, de presença, inclusive, não precisam ser ruidosas. Há muita beleza e poesia no silêncio. E autoconhecimento. O som do silêncio ecoa como nenhum outro som. Ressoa na alma. Mas esse é um som especial. É preciso querer ouvir. Saber ouvir. E desejar ouvir.




17 outubro 2013

Uma Interpretação Pré-Eleitoral

A presidente Dilma é favorita à reeleição. Ainda que haja sérias questões da administração pública com possibilidades de agravamento e influência no processo eleitoral, a exemplo da inflação, alta dos juros, aumento de combustíveis (daqui alguns dias, anote!), as contas escandalosas e mal-explicadas da Petrobrás e do BNDES, “aparelhamento” total do estado, etc, etc...

Mas quem dá “bola”? O povão está preocupado com seu crediário e com o imbatível Bolsa-Família, “o plano cruzado petista”.

E Marina Silva? Derrotada pela burocracia dos cartórios eleitorais, aderiu ao PSB e à candidatura de Eduardo Campos. Acrescentará? Seu eleitorado (ambientalista e evangélico) está frustrado e migrará para setores mais contundentes daquilo que nominamos de “antipolítica”. E anti-PT. Mas, se Marina for candidata, seus eleitores voltam e o quadro muda.

Entretanto, apesar dos discursos “transformistas e renovadores”, Campos e Marina não são o novo na política. São costelas (quebradas) da administração Lula-Dilma. Logo, terão imensa dificuldade em “acertar o eixo e o tom da campanha eleitoral”, de modo coerente.

E Aécio Neves? Ainda que saia de Minas Gerais com expressiva votação, seu estilo pessoal e fama de “playboy” não se encaixam naquilo que parcela do eleitorado está demandando. Seu partido está “rachado”. José Serra ainda está no jogo. Mais grave: o segmento capitalista que poderia ser qualificado como um outrora eleitor do PSDB, hoje é um simpatizante petista.

O governo do PT, tanto na gestão Lula quanto na de Dilma, é uma continuidade da administração liberal de FHC. Em todos os setores são generosas e influentes as relações com o empresariado. Bancos e empresas nunca ganharam tanto nos negócios. E em verbas públicas!

Ainda não soubemos quem, mas algum candidato fará o discurso de acusação e associação da generalizada violência e corrupção nacional às administrações petistas. Há uma evidente questão ética e conservadora pendente e capaz de angariar muitos votos.

Então, há (muito) espaço à esquerda e à direita de possibilidade de contestação legítima e ideológica ao governo. Tanto para a colheita dos votos da antipolítica e pró-ética, quanto os votos “verdes” e “evangélicos” de Marina.

De todo modo, e em qualquer prévio e hipotético cenário, Dilma é favorita. Porque não há oposição clara, qualitativa e sistemática. E, afinal, quatorze milhões de famílias no Bolsa-Família são um exército eleitoral que os outros candidatos não têm.

16 outubro 2013

Cuidadores de Idosos

Artigos recentes em jornais e revistas abordaram diversos e procedentes aspectos relacionados aos idosos. Gostaria de me referir a um ponto costumeiramente desdenhado e esquecido. A questão do cuidador familiar, isto é, o cuidador não profissional. O cuidador por afinidade de parentesco, a exemplo de irmãos e filhos, principalmente. Quem realmente se preocupa com o seu idoso? Quem realmente cuida do seu idoso? Qual o ônus pessoal e familiar desse cuidador?

Uma rápida pesquisa confirma o que é de (re)conhecimento de todos. A absoluta maioria dos filhos se omite na atenção aos próprios pais. Corrijo: se omite na atenção partilhada aos pais, já aos cuidados de algum parente. Sim, regra geral, alguém está na companhia do idoso.

Mesmo nos raros casos daqueles que tenham a colaboração de cuidador profissional, os filhos responsáveis e rotineiramente presentes sofrem uma imensa e desgastante carga emocional, na proporção das dificuldades e necessidades impostas por seu idoso.

Mas sofrem um duplo desgaste emocional, pessoal e familiar, na proporção da omissão dos demais que deveriam - por razões éticas, responsabilidade e de solidariedade - se fazer presentes nos cuidados do seu idoso.
O responsável presente tem privações de lazer, de convivência com filhos, companheiros e amigos. Há casos em que nem casamentos resistem. Esse sobrecarregado cuidador familiar tem perturbações emocionais que atrapalham seu trabalho e convivência profissional.

Toda essa privação e suas “dores” resultam sentimentalmente reiteradas e agravadas nas omissões do outro. Porque o outro que se faz ausente goza os prazeres da vida e das oportunidades.

Posta a situação de modo verdadeiro, entre duas realidades opostas, ainda que devessem ter a mesma motivação ética – a de cuidar de alguém - resultam evidentes indagações de natureza existencial.

De filho para filho, de irmão para irmão, por exemplo, haverá alguém mais responsável? E ainda que assim fosse, não haveria de se fazer presente, no mínimo, um exposto, renovado e permanente grau de solidariedade, participação e colaboração?

Mas, e se assim não fosse, como na maior parte dos casos não é, o evidente comprometimento de um e a reiterada ausência de outro, o não gozo (da vida) de um e o estado prazeroso (da vida) de outro, não revelam e significam algo atroz, quase perverso?

09 outubro 2013

Invasões Bárbaras

Ocorreu mais um episódio trágico na costa da Itália, assim como já ocorrera na Espanha e em outras nações européias às margens do mar Mediterrâneo. Em busca de trabalho, legiões de miseráveis africanos atrevem-se ao mar em embarcações frágeis. Se não morrem de fome, sede ou afogados, e alcançam a terra, são, porém, deportados.

A procura humana por locais melhores para fins de habitação e sobrevivência não é novidade histórica. Assim como o sentimento de rejeição ao estrangeiro, a xenofobia. Originariamente, bárbaro significava o estrangeiro, pessoa estranha e alheia aos costumes de um lugar. Depois, principalmente com as invasões germânicas durante a Idade Média, o termo passou a ter conotação pejorativa.

Durante décadas, a Europa acolhera estrangeiros. Nos últimos anos, entretanto, mudaram as relações de trabalho, mudou o mundo. Face o generalizado desemprego cresce o sentimento de rejeição aos imigrantes. Não só em relação aos africanos ou sul-americanos. Também em relação àqueles vindos do leste europeu. E mesmo na unificada Alemanha um alemão originário do lado oriental sofre o preconceito.

Do lado de cá do oceano, face os graves problemas enfrentados pela maioria dos países vizinhos, acontece um movimento migratório rumo ao Brasil. Mas, anotem: não demorará e também revelaremos nossas diferenças com os estrangeiros que virão ocupar nossos postos de trabalho.

Apesar do discurso ufanista e governamental, e as estatísticas maquiadas e distorcidas (uma pergunta: os milhões de brasileiros que recebem bolsa-família são empregados, subempregados ou desempregados?), o desemprego está aí, sobretudo entre os jovens.

Então, não ouso criticar os outros povos e suas reações, por mais antipáticas e desumanas que sejam ou possam parecer. Em outras palavras: o grande desafio do século será reinventar as relações de trabalho e as oportunidades de sobrevivência para todas as nações.

02 outubro 2013

O seu, o meu, o nosso!

Com certeza, você já ouviu falar de um sujeito chamado Eike Batista (se pronuncia “Aique”). Às vezes, presente nas colunas sociais e acompanhado de belas mulheres, graças ao seu charme e poder de sedução (os invejosos dizem que é graças ao seu dinheiro).

Outras tantas vezes, nos jornais e cadernos de economia, leu acerca de suas proezas empresariais nas áreas de petróleo, energia, portos, navios, mineração e entretenimento (por exemplo, direito exclusivo de venda dos ingressos para a Copa do Mundo de 2014).

Não faz muito tempo, primeiro no Instituto Milken (Califórnia-EUA), depois no programa Fantástico (Rede Globo), o senhor Eike declarou, vaidosamente, “que pretendia se tornar o homem mais rico do mundo até 2015 ou 2016”.
Ao tempo dessa declaração era tido como o oitavo mais rico, com patrimônio estimado em U$34 bilhões. Essa última semana, entretanto, viu minguar e evaporar seu patrimônio para miseráveis U$200 milhões. Otimistas dizem que o patrimônio ficou em U$2,9 bilhões.

Uma a uma, o conjunto de suas empresas, cujos nomes carregam um X como símbolo de “multiplicação dos seus pães”, caiu em desgraça e enfrenta uma séria e irreversível crise de confiança e desvalorização.

Em poucos dias, o ícone empresarial transformou-se em sinônimo de prejuízos para seus acionistas e credores privados e públicos. Entre os credores públicos estão o Banco do Brasil, a Caixa Econômica Federal e o BNDES. E a Petrobrás.
O desesperador estado das contas de seu conglomerado determinou sucessivas renegociações de dívidas, liquidações e fechamento de empresas. Além da venda de bens particulares, a exemplo de iate, helicóptero e avião.

Ironicamente, quanto mais procede nas adequações para salvar seus negócios, mais o mercado financeiro e o conjunto dos acionistas nacionais e internacionais desacreditam em sua recuperação.

Há um evidente prenúncio de um gigantesco calote. A situação é tão dramática que o ministro da Fazenda, Guido Mantega, declarou que “a forte queda do valor das ações das empresas controladas por Eike Batista afetou a economia e a imagem do Brasil”.

Por que trago esse assunto? Ocorre que há fortunas incalculáveis de dinheiro público investidas em uma série de mega-empresas – que o governo brasileiro tem a pretensão de transformar em “players” internacionais, a exemplo de Ambev, Oi e Brasilfoods - em detrimento de empresas e negócios menores, diversificados, tecnológicos e mais confiáveis.

No caso específico do senhor Eike Batista, houve o ingresso de mais de R$10 bilhões somente do BNDES, sem contar a Caixa, o Banco do Brasil e a Petrobrás. Para os “amigos do poder”, é o maravilhoso “capitalismo brasileiro”, sem riscos, juros de pai para filho e prazo a perder de vista. E se não puder pagar, tudo bem, fica por isso mesmo.

Tudo feito à custa do dinheiro público. O seu, o meu, o nosso!