18 dezembro 2013

Castas Públicas

Do conjunto de todos os tributos que os brasileiros recolhem aos cofres públicos, atual e aproximadamente, 60% fica com a União, 24% com os Estados e 16% com os municípios.

É possível que em algum momento da história pudéssemos ter mudado esse absurdo centralismo político-tributário nacional, concretizando o ideal de uma autêntica república, com o máximo de descentralização (de poder e finanças) entre estados e municípios.

Infelizmente, isso não se realizou. Assim e paralelamente, ocorreu um empoderamento das corporações, da alta burocracia, das diversas estatais, das elites de servidores dos três poderes, todas, indistintamente, verdadeiras castas de prerrogativas e benesses.

Não são apenas insaciáveis sorvedouros dos recursos públicos. Para garantir seu “status quo”, interferem diretamente na não concretização das mudanças essenciais e estruturais que a população espera em seu favor. E exemplos (e abusos) não faltam.

O jornal carioca, O Globo, edição de domingo (15-dez), tem ampla reportagem sobre o plano de saúde médico-odontológico do Supremo Tribunal Federal (STF). Embora haja previsão de contribuições dos beneficiados pelo plano - e de fato contribuem, o STF demanda altos valores dos cofres públicos. Uma média anual de 15 milhões nos últimos quatro anos.

Mas há um agravante: há registro de continuados alertas da Secretaria de Orçamento Federal de que o STF aumenta (artificialmente) o número de dependentes para obter maiores repasses financeiros do Tesouro. No período, o STF declarara que teria, em média, 6.720 dependentes, mas tem apenas (apenas?) 4.227.

Estão acolhidos e incluídos 1,6 mil titulares, dois mil dependentes e quase 600 agregados (pais, mães, padrastos, madrastas, filhos e enteados). São ministros em atividade e aposentados, comissionados, servidores cedidos, cônjuges e filhos.

Entrementes, há promessas do STF de que o “erro” não se repetirá. Um erro de 2.493 dependentes? Honestamente, você imagina que é possível controlar um “monstrengo” do tamanho do Brasil, com centenas de órgãos, inflados e inchados, e com valores e informações manipuladas?

Os governos mais recentes, dos presidentes Fernando Henrique (1995-2002), Lula (2003-2010) e Dilma (2011-2014), embora com absoluto controle do parlamento e das ações político-legais, não promoveram mudanças nesse cenário. Pelo contrário, a arrecadação nacional e centralizada aumenta a cada ano, e com ela as benesses e abusos das corporações. Somos escravos tributário-legislativos!

Porém, cantemos: “Liberdade, liberdade! Abra as asas sobre nós. E que a voz da igualdade seja sempre a nossa voz.” (Samba enredo da escola Imperatriz Leopoldinense - carnaval de 1989).

11 dezembro 2013

Tenebrosas Transações

Quais são os limites sociais e políticos suportáveis de uma nação? O que machuca mais um povo: a espoliação tributária? A corrupção? As injustiças sociais? Os níveis de criminalidade? Ou o deboche das autoridades?

Essas hipóteses não são privilégio da época presente, nem marca exclusiva desse governo. É sina brasileira, quase uma maldição. Somadas ou alternadas, se repetem em diferentes ciclos, independentes de governos, representantes e partidos.

Claro que o povo contribui para esses fatos ao reconduzir eleitoralmente determinadas figuras aos níveis governamentais ou representativos. Historicamente, episódios não nos faltam. Nem nomes. Mas, concentremo-nos no deboche das autoridades

A própria justiça, que deveria ser exemplar, contribui com atos e fatos que extrapolam o deboche e humilham a nação. Mordomias, nepotismo, abusos de poder, aposentadorias precoces e compulsórias (para agentes em delito), entre outros casos.

O poder executivo, embora o mais vigiado de todos, e, portanto, mais flagrado em delitos, afinal, é o detentor e guardião (?) do maior volume de recursos público-financeiros, não cansa de contribuir com maus exemplos que desmoralizam e desanimam o cidadão e contribuinte bem informado.

No rol de escândalos nacionais, contribui na proporção dos níveis de intervenção estatal na economia e na vida das pessoas. Ignora que quanto maior a intervenção, maior a corrupção e o desperdício. A pretexto de um ufanismo e nacionalismo de museu somos seus reféns históricos.

O deboche tem variantes. Exemplo mais recente, a tal oferta de emprego ao agora apenado José Dirceu, ex-ministro e deputado e poderoso lobista, a base de R$20 mil mensais, em empresa relacionada à paraísos fiscais e à atos de “lavagem” de dinheiro, é ou não é um deboche?

Pior: queriam fazer crer que os anunciados R$20 mil realmente sairiam dos cofres do hotel? E agora querem fazer crer que o selecionado gerente não sabia de nada?

Felizmente, a imprensa não precisou mais do que uma semana para desfazer o castelo de cartas e elucidar os truques baratos dos mágicos de ocasião. Assim como já fizera com outros e anteriores governos e personalidades.

Atos que se configuram como deboches são bem piores que a espoliação tributária, a corrupção, as injustiças e a criminalidade. O deboche de governantes e demais representantes do povo “quebra a espinha dorsal” da nação e esvazia, paulatinamente, a esperança coletiva.

Chico Buarque já cantava (e denunciava) em “Vai Passar” (1984), mas hoje, infelizmente, não canta mais, nem sei por quê (ou sei?). Dizia: “Num tempo, página infeliz da nossa história, passagem desbotada na memória das nossas novas gerações, dormia a nossa pátria mãe tão distraída sem perceber que era subtraída em tenebrosas transações”


07 dezembro 2013

Devo e não pago

O Brasil tem uma longa e histórica prática político-governamental de irresponsabilidade fiscal e orçamentária. É uma das razões pelas quais sempre recorríamos aos agentes financeiros internacionais. Para suprir financeiramente os rombos contábeis e para obter créditos para realização de obras. Concomitantemente, convivíamos com o “monstro” da inflação, ora razão, ora conseqüência desses desencontros contábeis-gerenciais.

Assim, face aos repetidos desequilíbrios das contas públicas, fomos brindados com alguns planos econômicos. Tanto o Plano Real (1994), que alcançou objetivos importantes, entre eles o razoável controle da inflação e a instituição de uma cultura da responsabilidade fiscal, quanto os demais e anteriores, geraram expressivas divergências e demandas judiciais.

Agora na mesa dos juízes do Supremo Tribunal Federal (STF), estão em julgamento os planos Bresser (1987), Verão (1989), Collor I(1990) e Collor II(1991). Em apreciação os possíveis prejuízos causados aos depositantes e poupadores, que alegam diferenças (inflação x correção da poupança) não contabilizadas pelos bancos.

Governo e bancos afirmam que se a vitória for dos correntistas-poupadores, a economia e o sistema financeiro entrarão em colapso. Que não haverá mais recursos para financiar o desenvolvimento e o prosseguimento dos negócios nacionais.

Calculam que o montante do ressarcimento alcançará R$150 bilhões. A CAIXA, maior devedor, arcaria com R$50 bilhões. O Banco do Brasil com R$28 bilhões. Alarmado, o próprio governo reúne documentos e declarações de ex-ministros de todas as gestões, ainda que opositores e tradicionais adversários, para argumentar e jurar junto ao STF acerca da iminência da catástrofe.

Na outra ponta, os defensores dos depositantes/poupadores acusam o governo e os bancos de realizarem um “terrorismo financeiro”. Afirmam que a conta alcançaria, no máximo, uns R$15 bilhões.

Duas hipóteses são bem prováveis. Sob pressão governamental, o STF poderá “enrolar” e adiar tudo dado o tamanho do “rolo”. E se decidir favoravelmente aos poupadores, você já sabe quem vai a pagar conta.

Mas, além da união de bancos e governo contra os depositantes/poupadores, há algo muito surpreendente e irônico. Deve ser a primeira vez que um devedor (bancos) afirma que deve (muito!!!) mais do que pede o credor (depositante)!