21 maio 2014

Apesar de Voce

Apesar de você

Ah, o tempo... “O tempo é o senhor da razão”, teria dito o escritor frances Marcel Proust (1871-1922). Tantas anunciadas promessas, doces ilusões e cantadas virtudes esvaindo-se como o pó ao vento.

Compreendo os governantes. Afinal, para a manutenção do “status quo” apelam aos recursos possíveis. Mas, entre estes alguns são intoleráveis porque absolutamente deseducadores, notadamente quando o destinatário é um povo humilde e de baixa escolaridade. São inaceitáveis a falta da verdade, o ufanismo e o messianismo.

Exacerbadas as divergências, simpatizantes e governantes reproduzem condutas dos tempos ditatoriais, censurando a imprensa e sugerindo aos discordantes o caminho do exílio voluntário.

Como já fizeram em rede social ao postar foto de um passaporte, com recomendação aos insatisfeitos que, então, saiam do país. Ato equivalente ao “Ame ou Deixe-o” patrocinado pelos militares nos anos 70.

Exemplar razão de contestação pública é a realização da Copa do Mundo de Futebol, sua lei especial e seus bilionários estádios. Desnecessário repetir o mantra “Padrão FIFA”, tamanho o escândalo do superfaturamento, da orgia de gastos, o vexame dos prazos e obras inacabadas e a absoluta contradição relativamente às demandas e carências do povo brasileiro.

Ironicamente, está se reproduzindo outro fato do tempo da ditadura. Em 1970, havia um dilema entre os adversários do regime. Torcer a favor da seleção brasileira seria prestar um apoio político aos militares. Torcer contra era um dever patriótico. Afinal, parafraseando o socialista alemão Karl Marx (1818-1883), o futebol é o “ópio do povo”.

Hoje, estamos diante da mesma circunstância. Torcer contra seria uma forma de denúncia e contestação. Torcer a favor seria legitimar o governo e suas duvidosas práticas. E, indiretamente, seus candidatos, haja vista a coincidência (?) entre a Copa e as eleições nacionais.

Quando Chico Buarque cantou “Apesar de Você”, em 1970, a razão e circunstância eram outras. Mas, hoje, a reproduzida pretensão de hegemonia governamental e compulsória concordância são as mesmas.

Dizia Chico: “Hoje você é quem manda, falou, tá falado, não tem discussão. A minha gente hoje anda falando de lado e olhando pro chão, viu? Você que inventou esse estado e inventou de inventar toda a escuridão, você que inventou o pecado esqueceu-se de inventar o perdão”.

Manterei minhas críticas, mas torcerei pela seleção e desejo que tudo ocorra sem transtornos sociais. E por quê? Porque o Brasil e seu povo são maiores que um governo e um partido, de quem, circunstancialmente, podemos divergir. Seja em tempo de ditadura, que dirá em tempo de democracia.

Afinal, a soma de nossas virtudes é maior que a soma de nossos erros.

O Choro é LIvre

O choro é livre

Os que exercem os poderes de Estado, em todos os níveis de representação – ocupantes de cargos em comissão, diretores de estatais, vereadores, prefeitos, deputados, governadores, senadores, e a própria presidente da república, expõem espontânea e publicamente seus cargos e suas pessoas.

Essa exposição se torna ainda mais acentuada quando há críticas e investigações acerca dos seus atos administrativos, acusações e suposições de envolvimento em corrupção e irregularidades de gestão.

Comumente, essa exposição pública se dá através dos meios de comunicação. Mas, também por intermédio e decorrência das ações do parlamento e dos órgãos policiais e de justiça. Daí que quando ocorrem estes eventos de “pegação no pé”, costumam reclamar e alegar perseguição político-partidária. Pura choradeira!

Quem exerce o poder são os mandatários. Mandatário é o homem público encarregado dos atos de gestão, bens e interesses públicos. Mandante é o cidadão. Assim sendo, a qualquer tempo os mandantes podem verificar, averiguar e questionar as condutas dos mandatários.

Ademais, não bastasse sua legitimidade, a desconfiança produz um cidadão mais vigilante e que tem o direito de imiscuir-se nas atividades dos governantes e administradores públicos.

Então, pergunta-se: há exageros de parte da população e da imprensa nas críticas e na divulgação dos atos duvidosos de nossos representantes?

Este assunto não é novo. Inclusive, desde sempre, é objeto de recurso às altas cortes judiciais. Na Suprema Corte dos Estados Unidos, onde são comuns os processos e as demandas judiciais acerca de imagem e ofensa pessoais, foi afirmado: "Algum grau de abuso é inseparável do devido uso de qualquer objeto e, em nenhum caso, isso é mais verdadeiro que no caso da imprensa”.

Adicionalmente, pode-se invocar princípios de direito que justificam as ações públicas, pessoais, partidárias e de imprensa. Na fase preliminar e investigativa, “in dubio pro societate”. Na fase de julgamento, mantidas as dúvidas de autoria e responsabilidade, “in dubio pro reo”!

Ou ainda, como disse Lorde Acton, o professor e historiador inglês John Dalberg (1834-1902): "Não há pior heresia que a de crer que o poder santifica quem o tem". Talvez você não conheça ou recorde Lord Acton, mas conhece sua frase mais famosa: “O poder tende a corromper, e o poder absoluto corrompe absolutamente!”.

Nem os reis, nem os papas escapam às regras e, por isso, Lord Acton não os considerava merecedores de melhor tratamento. Às vezes, pode ser ingrata e injusta a submissão política a estes critérios e julgamentos. Em todo o caso, esse processo quase “inquisitivo” é bom para o funcionamento do sistema representativo e republicano.
Melhor que o comportamento daqueles que deixam de tomar uma atitude crítica e estimulam a omissão. Ou, então, e pior, criticam quem toma uma atitude.

Freud Explica

Freud explica

Repercute mais um caso de racismo. Ecoa menos pelo ato em si, mais pela inovadora reação do atleta em questão. Estamos de acordo sobre a importância de atos e legislações que inibam, coíbam e punam a sucessão destas atitudes que ofendem a integridade e dignidade humana.

Entretanto, entendo que essas atitudes ofensivas e odiosas, a exemplo de milhares que a história fartamente demonstra em todos os quadrantes, estão menos relacionadas a questão de nossas cores corpóreas, e muito mais às origens étnicas, nacionais e sociais.

A discriminação por etnias, povos, nacionalidades e estratos sociais é secular e interminável. Com acontecimentos gravíssimos como foram os vários genocídios.
Índios e habitantes nativos foram e são, desde sempre, discriminados em todos os países. Europeus de várias nações, russos e alemães, por exemplo, ainda hoje discriminam seus iguais e nacionais.

Evidentemente, o núcleo de nossas contradições comportamentais (em relação aos outros) está diretamente relacionada à visão que temos de nós mesmos. Como não poderia deixar de ser, acreditamos que somos melhores que os outros. Falso ou verdadeiro, não importa. Ato de defesa pessoal psicológica ou real, também, não importa.

Essas reflexões nos conduzem às feridas narcísicas que nos infligiram três cientistas. Refiro-me a conhecida correlação entre Copérnico, Darwin e Freud.

O matemático e astrônomo polonês Nicolau Copérnico (1473-1543) demonstrou que o planeta Terra não era o centro do universo (teoria geocêntrica). Afirmou que a Terra girava em torno do Sol. Dedução de Freud: o homem não era o destinatário de uma centralidade celestial e divina, como pregava a igreja medieval.

O cientista e naturalista inglês Charles Darwin (1809-1882) desvendou outra ilusão humana. Abalou o mito da criação divina ao defender a tese de que somos parte de um longo processo evolutivo de várias espécimes e seres orgânicos. Seríamos uma evolução biológica dos macacos.

Finalmente, o próprio médico neurologista alemão (e criador da psicanalise) Sigmund Freud (1856-1939) é responsável pela terceira desilusão humana. Graças às suas observações e pesquisas clínicas, concluiu que o homem não é “dono” das suas próprias ações. Reflexos e ações inconscientes governam a determinação dos seus atos e decisões. Ou seja, não somos “governados” por nosso consciente.

Assim, entendo que os históricos atos de discriminação, de todas as discriminações, são frutos de nossa equivocada visão sobre nós mesmos. Ainda nos julgamos melhores que os outros.

Quando teremos plena consciência? Às vezes, “o outro” poderemos ser nós mesmos. Então, conheceremos o amargo sabor do próprio veneno!