26 novembro 2014

Pior para os fatos

É socialmente simpático e agradável ser otimista. Ainda que eventual gesto e fato em questão não guarde relação com a realidade objetiva. De outra parte, o pessimista é malvisto. É antipático, desesperançoso e desagradável ao deixar de “cantar” e ver positivamente o porvir.

O que explica porque governantes se (auto) representam virtuosos, competentes e otimistas. E se a gestão lhes é adversa, tratam de enfeitá-la ou responsabilizar os gestores anteriores. Simples, não? Afinal, sempre tem quem acredite.

Otimista (ou seria irresponsável?), por exemplo, é o governador Tarso Genro (PT-RS), que - ao final de sua gestão! - enviará projeto de lei ao Poder Legislativo aumentando o salário mínimo regional em 16%, apesar da economia nacional e estadual estar em grave processo recessivo.

Durante seu mandato, Tarso também já fora generoso ao conceder aumentos a servidores públicos estaduais ate o final do ano de 2018. Ou seja, muito além do próprio mandato (2011-2014).

Pior: violando a Lei de Responsabilidade Fiscal. “Cerceadora e não otimista”, azar da lei. Ademais, quem dá “bola” para as leis e a realidade econômico-financeira do Estado?

Nem os também otimistas e generosos deputados e legisladores estaduais deram “bola”, tanto que aprovaram tais aumentos. Assim como aprovarão o novo salário mínimo regional. Duvida?

Outro exemplo. Em relação à Petrobrás, otimista também é a presidente Dilma. Tanto que – generosamente - ainda não demitiu a sua amiga Graça Foster, presidente da estatal.

Que, a exemplo de Lula e a própria Dilma (ex-ministra de Minas e Energia e Presidente do Conselho de Administração da Petrobrás!) também não ouviu, nem viu nada de anormal na megaempresa durante doze anos.

Pessimista mesmo era o jornalista Paulo Francis (1930-1997) que já denunciava as diretorias da Petrobras há anos e anos. Resultou processado, estressado e sem dinheiro, enfartou e morreu por conta disso.

Mas o “rei do pessimismo” é a imprensa nacional, que insiste em denunciar escândalos, negócios e pessoas, reproduzir notícias ruins, “pichando e rabiscando” a realidade colorida dos governantes e dos brasileiros otimistas.

O que explica a urgência do governo em querer “regular e controlar” a mídia. Afinal, no seu entender, pessimismo é golpismo.

Em outros termos, e com o perdão pela ironia do presente texto, como diria o escritor, dramaturgo e jornalista Nelson Rodrigues (1912-1980): “Se os fatos são contra mim, pior para os fatos!”.

24 novembro 2014

Probidade e Tentação

Nas relações de trabalho privado são freqüentes as simulações de doenças e mal-estar, suficientes para garantir um atestado médico e um seguro-desemprego.

É comum o acordo entre patrões e empregados possibilitando o saque do saldo de FGTS e o gozo de seis meses de seguro-desemprego. Ganhando o salário atual “por fora” durante esse período.

São habituais as pequenas apropriações (sic) em forma de produtos de má qualidade, prestação de serviços de segunda categoria e descumprimento de prazos e horário de trabalho. Sem contar os pequenos golpes contábeis-administrativos.

No setor público não é diferente. Aí estão os mega-escândalos, os cartões de crédito corporativo, os expressivos “ressarcimentos de despesas” e aumentos salariais de magistrados, deputados e alta burocracia, etc...São vários icebergs escondendo seu tamanho real.

Tudo está interligado. O querer levar vantagem, a memória curta do cidadão, os fanatismos (e interesses) partidários que calam a vigilância e autocrítica, e acabam por desculpar governos e companheiros.

Ações e reações do mesmo corpo, faces da mesma moeda. Se a locupletação é generalizada, se a manutenção e ampliação de privilégios ofensivos à realidade são argüidos e equiparados constitucional e descaradamente, qual deveria ser o núcleo de nossa indignação e reação?

Primeiramente, combater o gigantismo do governo federal, principalmente do Poder Executivo e do Legislativo. Mas ainda tem gente que “embarca” nessa conversa de estatais e intervenção pública em geral.

O fantasma do ilustre gaúcho de Vacaria, advogado e historiador Raimundo Faoro (1925-2003), dá gargalhadas nos corredores das oficiais casas d’Os Donos do Poder (leia o livro de 1958!). Já dizia que é uma rede que extrai da nação tudo o que pode. E a sociedade submissa se adapta!

No suceder das apropriações indébitas, inevitável lembrar nosso melhor (e recentemente falecido) filósofo e humorista Millor Fernandes, quando diz: “o que pode uma pobre probidade diante de uma rica tentação?”





19 novembro 2014

Brasil "Capturado"

Assim entre aspas, “captura” significa - na administração pública e teoria política - a subordinação, a submissão, o “sequestro” da coisa pública, do órgão e função de Estado, aos interesses corporativos e privados.

A prática da “captura” se realiza num espaço de ação, às vezes tênue, onde pode se confundir (e compartilhar) com atos de omissão, de prevaricação e de corrupção ativa e passiva.

É a tomada do poder nas diversas esferas públicas e sua transformação em vantagem e valor econômico particular. Observação importante: quando se fala aqui em Estado, se está referindo aos níveis municipal, estadual e federal.

A “captura” e suas consequências se apresentam sempre de modo proporcional a dimensão da intervenção do Estado nas relações sociais e econômicas. Ora é através do aparato burocrático e cartorial que exige milhares de documentos e certidões, ora através de serviços e empresas públicas.

Áreas e ações que poderiam estar privatizadas e atuando em ambiente competitivo e concorrencial. Municípios, Estados e União não têm que ser dono de coisa alguma. Têm, isso sim, que ser fortes e coercitivos. Regulamentadores e fiscalizadores, principalmente.

O povo brasileiro paga um preço imenso para manter estes feudos de privilégios. Aliás, de competitividade, produtos e serviços precários e discutíveis. Isto sem falar na notória e desavergonhada utilização e exploração político-partidária.

A sempre lembrada (e eleitoreira!) preservação de interesses estratégicos não depende de exploração estatal. São interesses que podem e devem ser operados em termos de mercado competitivo.

Este assunto “estatização versus privatização” não deveria mais nem constar da pauta. É uma pauta dos anos 50. Superada pela decadência dos modelos, pela aceleração do sistema mundial de trocas, pela globalização econômica e financeira, e pela competitividade e abertura comercial.

Não bastasse nosso atraso no concerto mundial das principais nações do mundo, e a imensidão de problemas a resolver, a continuarmos neste impasse, níveis de idéias e debates, nossas dificuldades não diminuirão. Ao contrário, aumentarão!

É um grande desafio. Basta lembrar o que foi dito demagogicamente na recente campanha eleitoral. Afinal, ainda tem cidadãos e eleitores com saudades de várias extintas e privatizadas empresas públicas e satisfeito com os atuais serviços públicos.

Alguns realmente acreditam que o “petróleo é nosso”. E que determinados bancos são do Brasil. E, pasmem, ainda se surpreendem com a corrupção e as negociatas. Aliás, “batendo às portas” de nossa própria vizinhança!



12 novembro 2014

Questão de Coerência

Sobre negociatas, corrupção, investigações policiais, justiça e imprensa, retomo um enfoque e opinião. E antecipo que não se trata de defender corruptos e ladrões em geral. Principalmente, esses saqueadores de dinheiro público. Aliás, cada vez mais numerosos e ousados.

Parênteses: os que querem mais e mais e adoram politicamente a presença do Estado “em tudo”, deviam repensar suas posições. O tamanho da corrupção pública está na proporção da intervenção estatal na sociedade e na economia. Regra de três simples!

Voltemos aos escândalos e a corrupção. As operações policiais, federais, principalmente, têm como fonte comum e principal a escuta telefônica. Regra geral, sob licença e autorização judicial, mediante pedido previamente instruído.

Entretanto, a prática está fora de controle. Está muito além da simples quebra de sigilo. Não é a toa que há graves divergências no Poder Judiciário acerca da previsibilidade e amplitude legal para tais condutas investigativas. E com razão. Afinal, o sigilo ainda é uma das garantias asseguradas pela Constituição.

De parte das autoridades que cometem “atropelos legais” há justificativas. Acreditam que a rapidez de ação é fundamental e uma forma de acabar com os excessos de “garantismos” em favor dos delinquentes.

Porém, essa “liberalidade autoconcedida” tem como risco a perda de controle e foco no que realmente é de interesse público, eventualmente, desvirtuando e submetendo investigações a outros interesses.

Muitas vezes, sem indiciamento, sem processo judicial, sem advogados e sem julgamento, repetem-se os tratamentos diferenciados, o vazamento sistemático de informações e a teatralização midiática.

Consequentemente, quando a ação policial contém irregularidades legais e impropriedades jurídicas (o que resulta em processual colcha de retalhos) “deitam e rolam” os defensores dos acusados.

Os acusados acabam impunes por que a autoridade policial “embaralhou” a ordem e legalidade dos procedimentos, o que resultou em perda de qualidade e fidelidade processual.

Repito: não se trata de defender ladrões e corruptos. Trata-se de defender o Estado Democrático de Direito e o império das leis, a independência do serviço público e o não aparelhamento do Estado.

Em nome da coerência política e jurídica, importa tal comportamento e critério. Ainda que, episodicamente, resulte em favorecer pessoas (e seus grupos ideológicos) que sistematicamente negam (ou trabalham contra) o próprio sistema judiciário e a democracia republicana.






06 novembro 2014

Crítica e autocrítica

A mentira e a corrupção estão entre os pecados humanos. Logo, são compreensíveis. Porém, inaceitáveis e puníveis, evidentemente. Afinal, a verdade existe, o dinheiro tem dono e há leis.

Se compreendo (e admito, ainda que sob as leis) a fragilidade humana e os delitos possíveis, não posso, entretanto, tolerar a mentira e o roubo sistêmico, grupal e planejado, contra a sociedade.

Principalmente, quando tem por objetivo a manutenção e o financiamento da permanência no poder. De modo que retomo o assunto-escândalo Petrobrás, um gigantesco iceberg que esconde nas profundezas (do poder) sua parte maior.

Recentemente, apresentei características da delação premiada. Dizia que “as informações prestadas devem comprovar e garantir a qualidade da acusação e os demais procedimentos investigatórios e judiciais.

(...) a confirmação dos crimes, a identificação dos membros da quadrilha, modo de estruturação e funcionamento e a recuperação dos respectivos valores. (...) as informações do colaborador serão uma parte do processo, eis que o conjunto acusatório será amparado nas demais provas materiais.

(...) as denúncias, os objetivos alcançáveis, as identificações de cúmplices, bem como a proteção e benefícios ao acusado, são formalizados por escrito entre as partes”.

Então, quando vêm à público detalhadas informações sobre o teor das declarações dos acusados, já não se trata de insinuações, mas de fatos, haja vista que a materialidade e a comprovação são condições prévias para o acordo entre as partes (Juiz, Ministério Público, Polícia Federal e o acusado).

Importante: se oferecerem informações falsas, os acusados e delatores perderão o benefício negociado. E desmoralizariam as autoridades. De modo que a delação é fato verdadeiro e deve ser levada a sério pelos cidadãos.

Concomitantemente, “cegados” e aprisionados pela própria e idealizada construção retórica, simpatizantes governistas insistem em rotular, acusar e “perseguir” a imprensa. Melhor fariam se exigissem explicações das autoridades e lideranças partidárias.

Mas, se a ilicitude já está para além do pecado humano e pessoal, e tornou-se sistêmica e coletiva, como pedir que houvesse uma reconsideração dos críticos? Afinal, nessas circunstâncias, a autocrítica coletiva é impossível e a individual (dentro do sistema) inútil!