28 setembro 2011

Em compensação

A sucessão de atos governamentais de evidente natureza compensatória e troca de favores faz recordar a célebre frase de São Francisco de Assis: “é dando que se recebe”.
Passadas ou recentes, mas sempre escandalosas, as trocas de favores são um escárnio. Um deboche. À custa do dinheiro público, os governantes de plantão e seus parceiros da (boa) hora “procuram convencer uns aos outros” com promessas de cargos e verbas.
De modo que se pode perguntar: onde está a sempre apregoada ética na política? Por que repetem a criticada "política de governabilidade" dos governos anteriores?
Com certeza, os governantes têm suas explicações e razões práticas. Entre suas razões, suponho, um raciocínio lógico, um princípio de Newton ao contrário, mais precisamente uma adulteração de sua terceira lei, que fica assim: a toda ação corresponde uma reação igual e no mesmo sentido!
Em outras palavras, politicamente seria válido todo o esforço para superar os obstáculos, retribuindo em igual intensidade, ou seja, dando na proporção em que se recebe.
A solução é simples, notadamente quando é com o dinheiro dos outros. No caso, do contribuinte.
Enquanto isso, os ministros do Supremo Tribunal Federal decidiram aumentar o valor de seu auxílio-moradia. A partir de outubro, o benefício mensal passará de R$ 2.750 para R$ 4.377. Os juízes auxiliares também terão aumento: passará de R$ 2.750 para R$ 3.384.
O auxilio moradia será pago além do salário, de R$ 27,6 mil, teto do funcionalismo público. O STF se baseou em benefícios pagos a outras autoridades de Brasília.
Ministros de Estado recebem auxílio moradia de R$ 6.680,76, senadores ganham R$ 3,8 mil e deputados federais, R$ 3 mil.
Não devemos esquecer que magistrados, promotores e procuradores defendem a aprovação de lei que reajustará o salário dos ministros do STF dos atuais R$ 26,7 mil para R$ 32 mil.
Como o salário do Supremo é o teto do funcionalismo, toda vez que o valor é reajustado ocorrem aumentos em cascata. De sul a norte, de leste a oeste da nação.
Recentemente, o ministro Gilmar Mendes (STF) criticou os supersalários do Legislativo e lembrou que os colaboradores do Judiciário precisam de aumento para equiparar seus rendimentos aos colegas dos outros Poderes de Estado.
É uma festa sem fim. Ninguém se lembra do contribuinte e se há recursos públicos disponíveis. A sociedade não suporta mais custos. Não suporta mais a fruição de poucos com os recursos da maioria.
E tão doloroso quanto o saque diário, são os argumentos utilizados. Por exemplo, a teoria da divisão de poderes não significa autonomia financeira para aumentar os salários.
A divisão de poderes e prerrogativas legais não existe, nem tem previsão constitucional, para fins de benefícios próprios. Direitos transformados em instrumentos de benefícios privados são, a rigor, privilégios. Sobretudo se são direitos que não se estendem à população!

21 setembro 2011

Farrapos no divã

Ontem, dia 20 de setembro, comemoramos mais um aniversário da Revolução Farroupilha, no dizer de uns, ou Guerra dos Farrapos, como querem outros. Há quem denomine o período de “decênio heróico” (1835-1845).
Durante os vários dias em que se sucederam as comemorações, principalmente aquelas organizadas e lideradas pelos Centros de Tradições Gauchas - CTG’s, chama atenção – entre os pilchados cavaleiros e as paramentadas prendas - a euforia, o orgulho e a exibição dos seus apetrechos típicos.
Faz muito tempo em que há uma discussão – sem fim e sem consenso - em vários círculos sociais e culturais acerca da relevância histórica daquela guerra e das razões que poderia haver para se comemorar tão larga e ufanisticamente até os dias hoje.
Do mesmo modo, há também inúmeros debates e estudos que fazem e pretendem estabelecer conexões - a partir da Guerra dos Farrapos e o respectivo culto sem fim – entre algumas atitudes políticas e sociais da gauchada, quer no âmbito interno, quer nas relações com os demais estados da nação e o poder central.
Tanto um debate quanto outro são assuntos polêmicos e que merecem, com certeza, longas e bem pensadas linhas. Tema para outros artigos.
Entretanto, vou antecipar minha impressão. Há como que uma “eterna” crise existencial dos sulistas “rejeitados” pelo centro do país, vítimas das incompreensões históricas e do isolacionismo voluntário ou não.
Não faz muito tempo ainda nos incomodávamos (ou ainda nos incomodamos?) quando acusados de ser o “berço de ditadores”, com a dupla grenal roubada nas decisões futebolísticas no eixo Rio-São Paulo, com a indiferença do governo federal, entre outras questões sempre suscitadas.
Em cada fato, em cada caso, a gauchada está sempre querendo “provar algo”, como que buscando aquela sensação infanto-juvenil de superação freudiana/psicanalítica da aprovação paterna. 176 anos já se foram! Quando dormirá em paz o Rio Grande?
A verdade é que não fomos os únicos a pelear naqueles tempos. Por justiça histórica, notadamente em relação aos irmãos do norte do país, conveniente e esclarecedor lembrar que à mesma época – período regencial – o Brasil encontrava-se nacionalmente conflagrado.
Além da Guerra dos Farrapos (1835-1845), também tivemos motins em Pernambuco (1831-1835), a Cabanagem no Pará (1835-1840), a Revolta dos Malês (1835) e a Sabinada (1837-1838) - ambas na Bahia, e a Balaiada no Maranhão (1838-1841).(não publicado)
Por conta do abandono do governo central, plantadores de cana-de-açúcar (BA/PE) e algodão (MA), e os criadores de gado/produtores de carne (RS), principalmente, uniram-se a setores urbanos e de classe média – comerciantes, funcionários públicos, advogados, militares, padres, para protestar contra os elevados e crescentes impostos e a nomeação de governantes impopulares e alheios à comunidade local. Na seqüência, o crescimento e fortalecimento destas contestações evoluíram para movimentos e teses separatistas.
Entretanto, a evolução dos movimentos determinou um recuo das elites econômicas locais, temerosas em perder seus privilégios e, principalmente, seus escravos, eis que a extinção do regime de escravidão era uma das bandeiras dos insurretos.
Enfim, fracassaram todos os movimentos, restando vitimados os de sempre: negros, índios, mestiços e brancos pobres. Alguém se lembrou deles durante as festas?

14 setembro 2011

Patsy Cline

O clipe musical ao lado é de Patsy Cline(1932-1963), a extraordinária cantora norte americana que faleceu precocemente em acidente de avião. A interpretação de "Crazy" é inigualável!

Piso nacional: demagogia de estado

Faz algumas semanas, a “grande” notícia fora a publicação do acórdão do Supremo Tribunal Federal (STF) reconhecendo a constitucionalidade da Lei 11.738/08, que cria o piso salarial nacional dos professores da rede pública. E agora, a nova notícia é a ação civil pública protocolada pelo Ministério Público estadual(RS).
Originária e contrariamente, os (ex) governadores do Ceará, Mato Grosso do Sul, Paraná, Rio Grande do Sul e Santa Catarina alegavam que a exigência e imposição do piso pelo governo federal viola o pacto federativo e que seus estados não têm recursos para garantir seu pagamento.
Em julho de 2010, a Câmara dos Deputados já aprovara o piso nacional para policiais militares e civis e para integrantes do Corpo de Bombeiros. Aprovação de forma unânime dos 349 presentes. Obviamente, fruto e retrato de véspera eleitoral!
Verdade que meia dúzia de deputados ainda levantara algumas objeções sobre a sua constitucionalidade, entre elas a flagrante lesão a Lei de Responsabilidade Fiscal e o fato de que a imposição do piso pela União gerava problemas orçamentários para os cofres de estados e municípios, o que violaria o pacto federativo. Mas diante da pressão sindical logo desistiram.
Verdade também que na época das primeiras discussões e votações o próprio governo fez as contas - percebeu o rombo nos cofres públicos! - e interrompeu a votação. Mas também desistiu. Demagogicamente!
Tanto num caso como noutro, professores e policiais, a legislação prevê que o governo federal complementará as necessidades das administrações estaduais que tiverem recursos insuficientes. Como essa complementação se daria não está detalhado nas leis.
Primeiramente, importa destacar a questão da legitimidade e o direito dessas categorias em obter melhores remunerações.
Com certeza, estamos todos de acordo de que policiais e professores merecem salários bem melhores. Justos e compatíveis com a relevância de suas funções.
Mas a questão central não é essa. A questão central é que o governo federal não tem legitimidade para propor essas leis e complementações salariais.
Quem fica com mais de 60% dos recursos públicos nacionais e que usa e abusa em desperdícios e corrupção não tem autoridade moral, nem ética, nem econômica, nem social, para submeter outros entes federativos (estados e municípios) a gastos que não suportam. Muito fácil legislar sobre folha de pagamentos alheia.
Quanto à previsão de complementação, ora, ora, bem sabemos que o governo federal, em qualquer tempo, em qualquer administração, fosse quem fosse o partido e o governante responsável, não cumpre suas promessas, nem respeita a legislação tocante a fundos e outros modos de compensações.
Quanto às categorias profissionais e seus sindicatos, talvez fosse oportuno que incluíssem na pauta de suas reivindicações algumas questões relacionadas a princípios constitucionais e políticas institucionais de poderes de Estado, a exemplo de descentralização, justiça e coerência tributária e respeito ao pacto federativo.
Alianças de viés partidário e de natureza demagógica dão resultados parciais e de curto prazo. Histórica e institucionalmente são danosas à luta sindical e aos interesses gerais da nação!

Grass

Recentemente, o consagrado, laureado Nobel de Literatura (1999) e octogenário escritor alemão Günter Grass (1927) proferiu uma conferência em Hamburgo (Alemanha), oportunidade em que questionou a qualidade e a eficácia do nosso modelo de sociedade.
Face às recentes e sucessivas crises financeiras internacionais, Grass mostrou-se particularmente revoltado com os bancos e suas práticas extorsivas.
Grass os acusa de estarem organizados como uma sociedade paralela e insaciável. Porém, com seus custos socializados. Afinal, são gestões baseados no risco, mas cujos equívocos de gestão recaem sobre os bolsos dos contribuintes.
Também não poupou a indústria farmacêutica e os grupos de seguros de saúde. Tanto esses quantos os bancos estariam tornando os parlamentos e governos seus reféns.
Grass denuncia o imenso poder dessas instituições, inclusive o poder de “censura” que tem sobre os jornais e revistas, concretizado no controle (e negação!) do volume das verbas de propaganda e anúncios.
O escritor alemão também chamou atenção ao grande e ilegítimo poder dos lobistas. Literalmente, disse “que não é aceitável que políticos, tão logo deixem seus mandatos públicos, passem a ocupar cargos de direção em consórcios, associações ou grupos de interesse privado”.
Até parecia que Günter Grass estava falando de alguns políticos brasileiros influentes e que aumentaram seu patrimônio em dezenas de vezes, nos últimos anos. Isso que são ditos e auto-jurados socialistas. Imagina se fossem capitalistas e liberais assumidos!
Mas voltemos ao senhor Grass. Disse também: “Nesse processo desagregador chama atenção a incapacidade e impotência dos parlamentares eleitos diante do poder concentrado dos grupos de interesse.”
Grass pergunta: “É aceitável - mesmo em um sistema capitalista democrático - que uma economia financeira em larga medida dissociada da economia real possa ameaçar a sociedade com as crises que fabrica?”
E afirma, como que respondendo a si mesmo: “O sistema capitalista se degenerou em uma máquina de destruição do capital e (...) consome os rebentos da economia real apenas para satisfazer um apetite a-social...”
E pergunta novamente: “A democracia parlamentar ainda tem a força e a vontade necessárias para evitar o processo de desintegração ao qual encontra-se submetida?”
E conclui, reafirmando: “Uma coisa parece certa: se as democracias ocidentais demonstrarem-se incapazes de realizar as reformas fundamentais necessárias para enfrentar os perigos concretos e iminentes (bem como os previsíveis), não poderão suportar o quê, nos próximos anos, será inevitável: crises a produzir outras crises (...)
E, entre tantas ocorrências desastrosas, uma quebra da ordem democrática propiciaria – e neste sentido não nos faltam exemplos - um vazio que poderá ser ocupado por forças cujos possíveis perfis ultrapassam nossa imaginação, por mais que sejamos gatos escaldados e marcados pelas conseqüências ainda visíveis do fascismo e do stalinismo”.

07 setembro 2011

Desequilíbrio ecológico... humano!

Nas últimas décadas, desequilíbrio ecológico têm sido um tema de ampla repercussão e debate mundial. De uma forma ou outra, pessoas de todas as idades e em todos os cantos do planeta já ouviram falar sobre ecologia e sua importância.
E o aspecto mais comum acerca dessa temática diz respeito às relações humanas com a natureza. Com animais, plantas, florestas, campos, montanhas, rios e mares, entre outros elementos.
Sempre que falamos em ecologia a nossa associação mental e imediata lembra esses elementos. Mas nunca lembramos de pessoas em relação às pessoas!
Regra geral, esquecemos que somos – os humanos - um subsistema, parte de um ecossistema mais amplo e planetário.
Um subsistema que interage social, política e economicamente. Harmônica e desarmonicamente. Conciliadora e predadoramente. Pacifica e belicamente.
Superadas as explicações teocêntricas acerca das origens e relações humanas, com o advento do iluminismo, do cientificismo e das revoluções francesa e industrial, surgem e desenvolvem-se, enfim, as ciências sociais.
À conta do seu desenvolvimento conhecemos e muito aprendemos sobre capitalismo, marxismo, liberalismo, existencialismo, estruturalismo, psicanálise e darwinismo.
Teorias, pensamentos e reflexões que associadas às ciências humanas – sociologia, antropologia e psicologia - geraram esse imenso caldo cultural e fator de agregação – e desagregação! - humana.
Graças ao avanço dessas ciências substituímos o determinismo teológico (as coisas são assim porque Deus quer) e naturalista (as coisas são assim porque o homem é um animal).
Mas mesmo com todas essas teorias e estudos, não superamos questões básicas no/do nosso subsistema, contradições das relações humanas.
Afinal, quase que a totalidade das nações e povos convive e padece de variadas e diversas formas de violência e desigualdade. Quer sejam motivadas pela ordem econômica, social e/ou política.
Exemplarmente, observe a crescente violência urbana brasileira e a ascensão do crime organizado. A violência e o crime organizado ocupam os espaços vazios na exata proporção da incapacidade da sociedade e do estado.
Mas, e muito grave, a violência e o crime vão alem dos espaços vazios e alcançam e sobrepujam o nosso sentimento de (in) capacidade e (des) articulação humana e comunitária.
Se formos além, e incluirmos a questão dos relacionamentos familiares no debate, poderíamos questionar se a questão dos (fim/falta de) limites guarda relação com incapacidade do estado.
Não é a toa que os principais cientistas sociais dizem que são os costumes sociais que mudam as famílias e não o contrário.
Então, a superação do desequilíbrio ecológico humano exige ações da sociedade e políticas públicas de Estado.
Afinal, a não abundancia e não qualidade dos serviços de segurança, saúde e educação não é um retrato de que mais grave que o desequilíbrio ambiental é o desequilíbrio ecológico humano?