24 abril 2009

Êxtase Ético

Mais um escândalo nacional. Agora é o caso das passagens aéreas utilizadas pelos deputados, seus familiares e amigos. Tudo à custa dos cofres públicos.
Com certeza, não será o último no rosário de sofrimentos e abusos a que o povo é submetido por seus falsos líderes e infiéis depositários da esperança.
O que mais dói não é o dinheiro surrupiado. O pior da safadeza é o cinismo com que “elles” vêm a público explicar e justificar os indevidos gastos.
Fingem ignorar o que todos sabemos. Que qualquer pessoa, mesmo uma criança, sabe o que é certo e o que é errado, o que é justo e o que é injusto.
Ano após ano, escândalo após escândalo, tudo o que está acontecendo, tem uma vertente principal. É a certeza da não punição. Somos os campeões mundiais da impunidade.
Mas o prejuízo maior não é a corrupção e a safadeza. O prejuízo maior da nação é a quebra de confiança, um alicerce fundamental no ideal republicano.
Se perdemos a compreensão, a convicção, a clareza em torno das razões de nossa convivência e criação de uma nação, significa que estamos a perigo.
Estamos perdendo a confiança que deveríamos ter uns nos outros. E a falta de confiança é um grave precedente que destrói a unidade social e nacional.
A sucessão de fatos desagradáveis e escândalos também revelam a natureza da crise da democracia brasileira. Nossa democracia é uma farsa e se resume a um mecanismo eleitoral.
Em todos os níveis (federal, estadual e municipal), a omissão do parlamento, a não discussão, a ausência de conflitos ideológicos, o “concordismo partidário” que a todos alcança sob o falso argumento dos consensos positivos, são o câncer da atual política.
Outra conseqüência dessa omissão (e doença!) é a judicialização da política. A partidarização do judiciário. Os conflitos de natureza política e ideológica são levados aos fóruns judiciários.
O vergonhoso bate-boca de ontem no Supremo Tribunal Federal - e o nível de tensão - é apenas uma das faces e conseqüências da crise de representatividade político-partidária.
Relembrando: essa judicialização da política se agravou com a nomeação de Nelson Jobim (hoje Ministro da Defesa) para o STF, como se fosse um representante do Poder Executivo no Supremo Tribunal, ignorando o papel constitucional e de necessária isenção do STF.
Fundamental na desestabilização e apequenamento do Legislativo também são a arrogância e os excessos do Poder Executivo, fruto de milhares de medidas provisórias e decretos presidenciais. Não esqueçamos do “mensalão”, a compra de votos e o aluguel de mandatos.
Mas essa degradação político-partidária não é privilégio brasileiro. Também na Venezuela, na Bolívia e no Equador, o poder legislativo é ignorado.
Na Argentina, por exemplo, há uma lei delegada que estendeu quase que plenos poderes à Presidenta Cristina Kirchner. É o que se denomina em ciência política como o hiperpresidencialismo.
O velho ditado afirma que não há vácuo de poder. Se alguém se ausenta, se omite, outro ocupa seu lugar. Para o bem e para o mal.
De todo modo, esperemos que o escândalo das passagens não seja mais um êxtase ético do qual se acomete a população brasileira, de tempos em tempos, para logo depois tudo esquecer ao som dos carnavalescos tamborins e dos próximos feriadões!

17 abril 2009

Desigualdade, (in)Diferença e Estado

Independentemente de nosso grau de instrução, escolaridade, informação, leitura e discussão, não há dificuldades para identificarmos e concordarmos acerca de um expressivo número de razões que exemplificam e demarcam o atraso sócio-econômico da nação.
Porém, quero destacar e comentar um aspecto que julgo central para a manutenção de nossas desigualdades e (in)diferença social (e conseqüente violência!).
É aceitável afirmar que a socialização da pessoa se realiza principalmente através das relações em família e em sociedade.
E, secundariamente, através de suas relações obrigatórias, facultativas e reivindicativas com o Estado (leia-se União, Estados e Municípios).
Se o papel da família e da sociedade está diretamente relacionado à disseminação da linguagem, da educação, da cultura e do comportamento, restaria perguntar qual é a tarefa e responsabilidade do Estado.
Face nossas históricas e resistentes diferenças sócio-econômicas, não importando suas origens regionais e temporais, é desejável supor que é competência urgente e prioritária do Estado a articulação das soluções e diminuição dessas diferenças.
Entretanto, posto e exercido o poder e a política como estão, o Estado tem se destacado como agente principal de agravamento das diferenças sociais.
Maquiado e travestido sob o princípio democrático da igualdade de oportunidade e direito, a verdade é que os poderes de Estado estão delegados apenas àqueles que têm condições de utilizar seus códigos e manuais, literal e simbolicamente.
Ensimesmado, inconseqüente e “capturado”, o Estado garante a formação e manutenção de uma "cultura e prática de elite", em contraponto às necessidades populares.
Não é toa que o dinheiro dos impostos, arrancado aos bilhões dos bolsos do povo, escorre por incontáveis ralos, por todos os meios e formas, legais e ilegais, sem cumprir sua função, destino e utilidade pública.
De outro lado, por submissão, inconsciência política e não saber sobre direitos e deveres, é impossível ao povo o uso objetivo e real das oportunidades e razões (originais) de existência do Estado.
Assim, sutil e silenciosamente se instala, se mantém e se renova a discriminação e a violência simbólica e real, assimilada, dominante, dominadora e sem contestação.
Notada e consequentemente em relação aos mais pobres, a violência é um subproduto do excesso, da incompetência e do centralismo estatal, e que se espalha para o conjunto da sociedade, sem barreiras sociais e geográficas.
Em síntese, o Estado (a União, principalmente), que deveria trabalhar pela superação das desigualdades e usar o dinheiro público para o bem comum, se constitui no principal agente de (re)criação e permanência das diferenças e distâncias sociais.

14 abril 2009

Os "Novos" Mutantes

Face o notório agravamento das relações de nosso povo com seus representantes político-governamentais, a evidente frustração e o sentimento de fraude, o crescimento da violência, da indiferença, da pobreza e da desesperança, importa relembrar dois expressivos pensadores políticos.
E ao relembrar especialmente duas frases, outro intuito não há senão provocar o despertar de uma consciência cívica, rebelde e independente nas pessoas.
Acordar o ânimo para a construção de uma nação livre e liberta da influência perversa do Estado e seus representantes, que não servem ao povo, mas que se servem do povo!
Nunca devemos esquecer que governos não produzem um mísero prego ou um grão de feijão. Quem produz a riqueza são as pessoas, com suas famílias, as empresas e os trabalhadores.
O governo deveria ser um intermediário para algumas específicas, limitadas, objetivas e eficazes funções. Quando cresce demais, quando tem importância exagerada, vira um monstro cego e “devorador”.
O russo Mikhail Bakunin (1814-1876) era um estudioso das estruturas de poder e da natureza da condição humana. É o principal pensador e propagador do anarquismo.
Os anarquistas defendem a ausência de governos na suposição de que um sistema social só funciona com a maximização da liberdade individual e da igualdade social.
Bakunin afirmava que a centralização da autoridade e do Estado criavam um obstáculo ao desenvolvimento das pessoas e das nações.
Profeticamente, disse: "O governo da imensa maioria se faz por uma minoria privilegiada que, tão logo se tornem governantes ou representantes do povo, cessarão de ser operários, não mais representarão o povo, mas a si mesmos e suas pretensões de governá-lo. Quem duvida disso não conhece a natureza humana”.
Outro sujeito, Milovan Djilas (1911-1995), ex-ministro, vice-presidente, dissidente e contestador do regime comunista iugoslavo, ao tempo de Josip Broz Tito, dizia em seu livro “A Nova Classe” (1957):
“É muito difícil, talvez impossível, definir os limites da nova classe e identificar seus membros. Pode-se dizer que ela é constituída daqueles que gozam privilégios especiais e favoritismo econômico devido ao monopólio administrativo que detém”.
Os autores em questão se referiam aos excessos da decadente realeza e do ascendente comunismo. Mas, hoje e então, o que dizer de nossa democracia, que a cada dia se revela uma farsa, um artifício e meio de locupletação de uma casta, que se renova como uma praga agrícola, uma mutação cada vez mais poderosa?
Conclusão: não há nada de novo no “front” da história! Poder, arrogância, soberba e escândalos. Agora, também nós assistimos a ascensão e as manobras dos “novos” mutantes!

05 abril 2009

Crises:mortes e renascimentos

As crises sócio-econômicas têm uma faceta interessante e surpreendente. No auge de sua ocorrência e análise, costumam provocar “a morte e o enterro” de pessoas, conceitos e convicções, de teorias políticas, econômicas e sociais.
Mas chama atenção também o fato de que as mesmas crises podem fazer renascer teorias, conceitos e pessoas.
Um camarada que “renasceu” foi o multidisciplinar alemão Karl Marx (1818-1883). Suas teorias haviam “balançado e caído” junto com o Muro de Berlim em 1989.
A rigor, a marginalização de suas idéias já havia ocorrido muitos anos antes, por culpa de quem as mal interpretara e aplicara ideologicamente. Principalmente, os soviéticos marxistas-leninistas no denominado socialismo real (1917-1991).
O “renascimento” de Marx e o interesse por suas obras econômicas principais (O Capital e Grundrisse), em meio à crise atual, se devem a algumas constatações que ele havia feito e que ajudam a explicar as contradições do capitalismo.
Examinando a sociedade burguesa da época e a natureza do desenvolvimento do capitalismo, Marx previra que o surgimento de uma economia globalizada era inerente ao modo capitalista de produção.
Mas também previra que este mesmo processo geraria não somente o crescimento e a prosperidade, mas também conflitos, crises econômicas e injustiça social.
Em face da hegemônica liderança do liberalismo nos últimos anos em quase todo o planeta, e o fato de que a atual crise financeira pode virar uma grande depressão mundial, marxistas e estatizantes em geral declaram, agora, a morte do liberalismo e (re)ascensão do Estado.
Desmoralizados, tradicionais governos liberais, a exemplo dos EUA, Inglaterra e Japão, não resistem às pressões políticas e intervêm no abalado e nervoso mercado, ministrando generosas e fartas doses de tranquilizantes, manipulados à base de dinheiro público.
A esquerda, ou isso que aí está que se autodenomina de esquerda, festeja a crise como um ritual de sepultamento do chamado e rotulado neoliberalismo.
Também estariam sendo enterrados o ufanismo, a arrogância intelectual e cultural do primeiro mundo ocidental, sua pretensão e a mania em dar conselhos aos pobres, remediados e periféricos países terceiro-mundistas.
Sepultadas também estariam as recomendações do FMI e do Banco Mundial, na companhia de seus “chefs de cuisine” com suas receitas de transparência, não corrupção, ética e boa governança.
Ou ainda, dito doutra forma, em presidenciais, inoportunas e lulísticas palavras: os responsáveis pela crise mundial têm cabelos loiros e olhos azuis!
Bem, entre feridos, mortos e vivos, enterradas e desenterradas pessoas, convicções e teorias, tomara que a crise sirva de lição para todos os povos.