28 outubro 2010

A Grande Sociedade

Entre altos e baixos sócio-econômicos da Inglaterra, seu atual primeiro-ministro, o parlamentar David Cameron, está às voltas com a tentativa de reconstrução de uma razão motivadora e mobilizadora da sociedade inglesa. Já tem até nome o seu movimento: “The Big Society”
Em recente discurso, Cameron disse que a “Grande Sociedade é uma proposta de mudança cultural. Quer que as pessoas em vez de olhar para o poder público para que solucione seus problemas cotidianos, se auto-ajudem através da sua própria comunidade”.
Em outras palavras, do ponto vista do gasto público e da mobilização estatal, trata-se da redução do peso e influencia do poder público na vida dos britânicos. E de modo muito otimista, significa o envolvimento e a incorporação dos cidadãos nas tarefas diárias de gestão do país.
A “revolução” de Cameron tem ainda outros alicerces ideológicos. Suas idéias estão centradas num grande tripé político-administrativo: descentralização, transparência e dinheiro.
Tocante a descentralização do poder, o primeiro-ministro sonha com a possibilidade de estender formas de participação direta às comunidades, bairros e indivíduos. É o que ele denomina de nanoparticipação, em analogia a nanômetro, a menor unidade de medida ultimamente divulgada nos meios científicos.
A transparência aparece como um pré-requisito fundamental para a participação e descentralização haja vista que isso só se dará se as pessoas estiverem bem informadas. Em tempos de internet e redes sociais não parece ser um problema.
Bem, se descentralização e transparência não são problemas, então qual o problema maior? O problema reside no item dinheiro. Tão antigo quanto universal problema.
No fundo, todo esse esforço de Cameron parece ser uma tentativa de “vestir” antigos problemas e soluções com novas e retóricas roupagens. Mas não é fácil driblar as crises com conversas!
Tanto isso é verdade que seus adversários políticos acham que ele erra ao deixar de falar de modo mais simples e sobre assuntos bem mais objetivos no dia-a-dia dos ingleses, a exemplo das questões de imigração, impostos e segurança pública.
Mas, de parte a parte, não há meios retóricos suficientes para dissimular a gravidade de uma série de medidas inadiáveis na economia britânica.
A começar pela recente noticia que dá conta da provável demissão de mais de 500 mil empregados e a redução de gastos nas finanças públicas.
Várias medidas de contenção já foram anunciadas, atingindo inúmeros ministérios. Os planos de austeridade prevêem a redução do déficit público dos atuais 11,4% para 2% do PIB, até 2015.
Sindicatos, a oposição trabalhista e analistas político-econômicos discordam. Acreditam que há exagero nos cortes e risco de recessão. Discussões, divergências e interesses político-partidários à parte, será um jogo violento, pesado e intranqüilo.
Ontem e hoje ainda é a França. Amanha será a Inglaterra. Logo, logo, haverá dezenas de países na mesma situação.
Enquanto isso, tocante os mesmos problemas – previdência social, legislação trabalhista, déficit público, tributos e limites da intervenção estatal - nosso querido Brasil faz de conta que nada o atinge e adia toda e qualquer discussão e reforma. Quem viver verá e pagará!





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21 outubro 2010

"Seu" Francisco Everardo

Você sabe quem é Francisco Everardo Oliveira Silva? É um dos novos deputados federais pelo Partido da República (PR-SP). Agora pensa na musiquinha “Florentina, florentina”. Acertou! É ele mesmo. O Tiririca, a mais nova celebridade.
Com sua extraordinária votação tornou-se a expressão mais conhecida do voto de protesto. O palhaço televisivo notabilizou-se nacionalmente por causa de dois slogans de sua campanha eleitoral.
“Vote em Tiririca. Pior que está não fica!”. E o outro: “Você sabe o que faz um deputado federal? Eu não sei, mas vote em mim que eu te conto”. Muita gente não gostou. Mas, não é verdade?
Uma pesquisa feita pelo Ibope confirma o que Tiririca declarou. Que um expressivo número de eleitores não sabe – corretamente - para que serve um deputado, um senador!
E quanto à outra questão levantada por Tiririca, enquanto rebolava e cantava ao som de “Florentina, florentina”, e dizia "Pior do que tá não fica, vote Tiririca"?
Duvidoso e desmoralizante refrão, sem dúvida. Mas muita gente acha que pode piorar muito mais o nosso Congresso Nacional. Mas é o futuro que dirá.
Mas o agora deputado Tiririca está a perigo. E isso que ainda nem assumiu o mandato. O Ministério Público acusa Tiririca por falsidade ideológica. Tudo por que ele informou que não possui bens ou patrimônio em seu nome e que havia transferido tudo para terceiros.
Transferência de bens que se dera em razão de ações trabalhistas, de alimentos e de partilha de bens que Tiririca enfrenta na Justiça. Seria fraude contra credores, acusa a justiça.
Mas o maior desafio de Tiririca nem será esse. É outro processo. O juiz eleitoral paulista quer que ele prove que sabe ler e escrever. A legislação eleitoral proíbe a candidatura de analfabetos.
Eu pergunto: sim, e daí? Pior que analfabetos no Congresso, são as dezenas de ladrões. E contra eles o que tem feito a justiça?
E se for analfabeto, qual o problema? Não pode representar o sofrimento e os interesses de milhões de brasileiros humildes e que não tiveram oportunidades de estudo? Por que limitar seus direitos políticos?
E cassar seu mandato não é um desrespeito aos 1.353.820 eleitores que votaram em Tiririca, independentemente dos votos serem ou não de protesto e deboche? Em nome de que justiça e direito?
Afinal, trata-se da mesma justiça que é incapaz de barrar e prender corruptos e delinqüentes diplomados em cursos superiores que transitam nos corredores e salas atapetadas do Congresso Nacional e nos palácios governamentais. E que promovem fraudes contras credores, contribuintes e eleitores!
Claro que Tiririca foi usado pelos partidos (coligação PT, PCdoB, PRB e PTdoB) em questão para eleger outros candidatos a reboque, à medida que se supunha que pudesse fazer muitos votos, como de fato fez.
De modo que resta vigiar os demais eleitos acerca de suas intenções e qualidade, embora já possamos supor que tipo de políticos são e serão haja vista a artimanha adotada, com o perdão da presunção.
Deixem Tiririca em paz. Possivelmente, dará mancadas e será motivo de piadas. Mas, provavelmente, não serão de tão mau gosto e vergonhosas quanto “as piadas” que outros eleitos nos proporcionam periodicamente!

15 outubro 2010

Duvidosas Promessas

Essa campanha eleitoral e a fala dos candidatos e dos partidos repetem um problema crônico no nosso processo eleitoral.
Tanto no primeiro turno quanto no segundo, foram e são omitidas questões importantes da administração pública, principalmente aquelas referentes ao orçamento, sua gestão e financiamento.
É uma característica comum aos candidatos, em geral, em todas as eleições. O desconhecimento sobre a natureza e origem das receitas e das despesas, seu custo social, a qualidade dos gastos públicos, o volume do desperdício, a composição e os custos do quadro de pessoal, entre outros itens.
Repito, isso não vem de hoje. Vem de longe e faz muito tempo. De modo que temos que ter paciência e conviver com estas limitações. Mas isso não significa que precisemos necessariamente nos conformar e aceitar esta desqualificação.
Agora mesmo, especialmente na eleição presidencial, assistimos uma desavergonhada campanha recheada de promessas e mais promessas.
E o que elas têm em comum? Nenhuma promessa demonstra a apresentação de custos e a identificação da origem das receitas financeiras necessárias.
Governistas tanto quanto oposicionistas repetiram o mantra do desenvolvimento sem apontar o ônus, sem apontar de onde virá o dinheiro necessário.
Receita, despesa e orçamento são pontos muito importantes na administração pública. Claro, sabemos que são questões que o grande público não entende muito bem. Há muitas expressões técnicas e de difícil linguagem e compreensão.
Mas há muitas e diferentes maneiras de falar sobre isso. Um bom exemplo é comparar gastos e receitas públicas com o orçamento de uma família.
De onde vem o dinheiro, quanto gastamos com cada coisa dentro de casa, luz, telefone, escola, alimentação, lazer, etc...
O que ainda precisa ser adquirido, quanto custará e, novamente, de onde virá o dinheiro. Quanto estamos devendo, quanto pagamos de juros nas compras parceladas e nas nossas dívidas bancárias.
Qualquer pessoa entende isso, mesmo quem não tenha muito estudo, ou pouca idade. E no caso dos gastos públicos isso vai se refletir nas taxas de juros que pagamos e na inflação que o país enfrenta, por exemplo.
São questões importantes que passaram - e continuam passando - distantes da campanha eleitoral. Como se o dinheiro caísse do céu. Como se o dinheiro necessário não viesse dos bolsos do povo brasileiro!
Repito: não se discutiu a natureza e a qualidade do gasto público, os princípios de previsibilidade e dotação orçamentária, o tamanho e a qualidade dos serviços públicos, entre outros temas importantes para a população.
E entre todos os temas, dois dos mais importantes não foram discutidos: a questão do tamanho (e o custo) do Estado e seus limites de intervenção, e, obviamente, a questão dos impostos, o exagero de tributos que os brasileiros pagam.
Resumindo, com o dinheiro público tomando rumos diversos ao interesses essenciais da população – através da corrupção e do desperdício, e a demagogia tomando conta, não é a toa que novamente houve um elevado índice de abstenção, votos brancos e nulos!

08 outubro 2010

O Voto Abortado

Essa eleição não empolgou, infelizmente. Não tivemos as necessárias discussões, nem os debates sobre questões polêmicas e sobre o futuro da nação e das contas públicas.
Como muito se propagandeou em torno do elevado índice de aprovação do governo Lula, e o conseqüente culto a personalidade, houve um esvaziamento político-ideológico. Mesmo a oposição pouco questionou. Ou por incapacidade, ou por oportunismo.
Nem mesmo os escândalos na Casa Civil e a quebra criminosa de sigilo fiscal na Receita Federal foram objeto de maior questionamento.
E nem mesma a “lei da ficha limpa” foi levada a sério, eis que ignorada por autoridades judiciárias, partidos políticos e eleitores.
Outro aspecto que contribuiu para esvaziar o necessário debate político-institucional foi o fato dos institutos de pesquisas de opinião ter a maior parte do tempo antecipado a vitoria de Dilma no primeiro turno.
Aliás, sobre institutos e pesquisas de opinião, é notório que estão influenciando o resultado, que estão influenciando o comportamento e o voto do eleitor.
Os institutos são suspeitos de fazer pesquisas e manipular resultados sob encomenda. Tanto é que basta haver a aproximação da data da eleição e os números dos “líderes” vão encolhendo.
Mas falemos de Marina, o fenômeno Marina. Apesar de pertencer ao Partido Verde, sua expressiva votação não tem nada a ver com a questão ecológica, com o discurso verde e com a moderna questão da sustentabilidade sócioeconômica e ambiental.
Uma parcela expressiva dos votos de Marina se deve ao fato de Dilma e Serra – ambos muitos insossos e pouco convincentes – não empolgarem.
Mas a explicação para a maior parte dos votos de Marina está na religião, está na reação dos evangélicos pentecostais e católicos contra o aborto.
Ocorre que recentemente o Governo enviara um projeto para a Câmara Federal em que constava o apoio a prática legal do aborto, principalmente através do SUS -Sistema Único de Saúde. E havia, inclusive, uma declaração favorável de Dilma nesse sentido. Pecado eleitoral mortal!
Mas, façamos justiça a Dilma nesse caso. As declarações de Dilma foram coerentes. É uma questão de direitos da mulher e um problema de saúde pública. Todos os dias morrem várias mulheres por causa de abortos clandestinos e sem a higiene e técnica necessária. Mulheres pobres. As ricas têm dinheiro para ir a clínicas de luxo!
Mas o pessoal ligado às igrejas não quer nem saber. Não aceita nenhuma forma de aborto e ponto final. Consequentemente, nos últimos 30 dias, nos cultos religiosos e através da internet, principalmente através das redes sociais e das redes pessoais, foi decisiva a mobilização religiosa e evangélica contra Dilma e a favor de Marina.
Tanto isso é verdade que a equipe de Dilma percebeu e sentiu o golpe. Uma semana antes da eleição Dilma realizou uma reunião extraordinária com líderes religiosos evangélicos e católicos para negar aquela afirmação a favor do aborto. Em vão!
O segundo turno aconteceu por isso, basicamente. Mas o que também prejudicou Dilma foi a elevada abstenção no norte-nordeste, nas principais bases de Lula e seu Bolsa-Família, o grande cabo eleitoral do governo. Que ironia.
Bem, resta saber ate que ponto o “assunto aborto” retornará e decidirá ou não o segundo turno. Em princípio, a suposição é que quem saiu da expectativa de votar em Dilma – por essa razão - não retornará, o que beneficiaria Serra. A resposta só teremos no dia 31 de outubro!