27 fevereiro 2013

Emenda da Impunidade

Aprovada em Comissão Especial com votos dos gaúchos Eliseu Padilha (PMDB) e Vilson Covatti (PP), tramita na Câmara Federal a proposta de emenda constitucional que retira do Ministério Público a competência para investigar crimes e atribui a função exclusivamente às polícias federal e civis estaduais. Tem todo o direito qualquer deputado – o autor é delegado de polícia - de apresentar os projetos que bem entenda, por mais ridículos ou lesa-pátria que possam vir a ser. Entretanto, o absurdo e inacreditável é como podem os demais deputados aprovar uma proposta dessas, ainda que provisoriamente. Uma ameaça à sociedade e que resultará em aumento da insegurança e a impunidade dos criminosos. Se o desempenho investigatório em geral (e não apenas nos homicídios - somente 8% são esclarecidos) já é baixíssimo no “reino da impunidade e da corrupção”, a quem interessa que o Ministério Público não investigue? Tocante as ações do Ministério Público devemos observar que a maioria das investigações é feita em parceria com as polícias civis e federal, ampliando e qualificando relatórios, inquéritos e processos judiciais. Em integração também com órgãos estatais de controle financeiro, a exemplo do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF), do Banco Central e da Receita Federal. Além de parcerias investigativas e processuais com a Previdência Social, Fiscos e Controladorias Estaduais e Federal, IBAMA (crimes ambientais), entre outros. Repito a pergunta: a quem interessa a exclusão do Ministério Público nas investigações? Outro motivo de preocupação. Começa a tramitar na Assembléia Legislativa de São Paulo uma PEC que retira dos promotores paulistas o poder de investigar governador, vice, conselheiros do tribunal de contas, juízes, deputados estaduais, prefeitos e secretários de Estado e confere tal atribuição exclusivamente ao procurador-geral de Justiça. São iniciativas inconstitucionais, desnecessárias e despropositais. Simplesmente são retaliações contra uma série de ações das promotorias ao investigar atos de improbidade, corrupção e desvios do tesouro público. De sul a norte do Brasil, tanto no exemplo da PEC federal quanto no paulista, imagina se a “moda pega”? Recente estudo da Fundação Getúlio Vargas indica que - entre 2002 e 2008 - houve desvios de R$ 40 bilhões em contratos com o governo. Ocupamos o quarto lugar no mundo em valores depositados em paraísos fiscais: 362 bilhões de dólares. São os crimes político-financeiros. Irmanados com o poder e travestidos com a ideologia da hora, sempre haverá alguém querendo “regular” a justiça, a democracia e a liberdade de imprensa. São os cacoetes autoritários a serviço da corrupção e da impunidade.

21 fevereiro 2013

É nepotismo!

“Nepos” deriva do latim e significa tanto neto quanto sobrinho. Parentes e descendentes. Historicamente, o nepotismo começou com os papas da Igreja Católica. Costumavam distribuir cargos e favores aos seus familiares mais próximos. Atualmente, o termo e a prática estão associados aos governantes do Poder Executivo. Mas também ocorre no Poder Judiciário e no Legislativo. Nossa colonial e histórica prática política não resiste à tentação. A mistura da coisa pública com o interesse privado. O argumento em defesa da nomeação de parente seria a lealdade e confiança entre as partes e a proteção de interesses do “padrinho”. Muitas vezes é um gesto de gratidão por serviços prestados. Ou para obtenção de favores futuros. Apesar de legislação e decisões judiciais superiores que impedem e proíbem o nepotismo, driblam a lei. Não é a toa que existe o nepotismo direto (parentes sob as ordens diretas da autoridade nomeadora) e o indireto ou cruzado (parente da autoridade servindo a outra autoridade de outro poder). Também uma decisão do Supremo Tribunal Federal abre uma brecha legal. A interpretação da Súmula Vinculante nº 13 admite a nomeação de parente em cargo de caráter político. É o caso de Ministro de Estado, Secretário Estadual e Secretário Municipal. Entretanto, em outra decisão (ADIN 1521-RS) o mesmo STF admite que lei municipal (e estadual, tocante aos cargos estaduais) tem força e legalidade para proibir a nomeação de familiares como agente político superior na administração pública. Com a palavra (e ação) os senhores vereadores! Seja qual for a justificativa legal invocada, e mesmo que o parente possa ser pessoa exemplar e dotada de qualificações para a função, o ato de nomeação viola os princípios constitucionais da impessoalidade e da moralidade. Fere a credibilidade do governante, a relação ética e a conveniência da administração pública. Mais grave: dissemina-se um constrangimento entre os demais servidores de confiança e os de carreira, inibindo-os para qualquer avaliação crítica relativamente à administração. Sabem - e lhes é permitido supor - que qualquer manifestação pessoal poderá prosseguir no âmbito familiar. E é absolutamente natural que isso venha a ocorrer. Assim, a nomeação de familiar de prefeito ou vice-prefeito, por exemplo, constitui-se em latente e potencial inibitório do processo de autocrítica da gestão. E contradição relativamente ao anunciado modo novo de governar. Em Zero Hora, 21 de fevereiro de 2013, Porto Alegre-RS.

20 fevereiro 2013

Em Nome de Deu$

Recentemente, um jornal paulista publicou reportagem sobre a arrecadação financeira das igrejas no Brasil, com base em informações obtidas na Receita Federal e através da Lei de Acesso à Informação. Igrejas católicas, evangélicas, pentecostais e centros espíritas estariam arrecadando em torno de 21 bilhões por ano. A informação torna compreensível outra notícia recente divulgada pela revista de negócios norte-americana Forbes, que apresentou uma lista dos pastores pentecostais mais ricos do Brasil. Nomes que você conhece. Edir Macedo, da Igreja Universal do Reino de Deus, com patrimônio líquido de R$ 2 bilhões. Valdemiro Santiago, da Igreja Mundial do Poder de Deus – que se desentendeu com Edir Macedo e fundou a sua própria igreja, R$440 milhões. Silas Malafaia, da Assembléia de Deus, R$300 milhões. Romildo Soares, da Igreja Internacional da Graça de Deus, R$250 milhões. E Estevam Hernandes e sua mulher Sonia, da Igreja Renascer em Cristo, os mais pobres, só R$130 milhões. Ambos respondem por processos no Brasil e nos Estados Unidos. O pastor Silas Malafaia prometeu processar a revista Forbes. Garante que tem apenas R$ 6 milhões de patrimônio! É dinheiro que vem de tudo que é lado. Já não são apenas as doações e os dízimos dos fiéis. As igrejas dominam grandes negócios. Afinal, tem TVs, rádios, jornais, sites, templos, editoras e gravadoras de música. Não é a toa que o gênero musical gospel é um dos que mais crescem. E ainda tem a crescente influência político-partidária. Ironicamente, embora “divinamente” inspirados, são os parlamentares e partidos que mais aparecem nos escândalos. Fé e religião à parte, é o dinheiro que move o mundo. É o que deve explicar também a renúncia do assustado Papa Bento XVI. Mais do que razões de saúde, foram as intrigas políticas e financeiras no Vaticano que determinaram sua decisão. Já houve um tempo em que a Igreja Católica era tida, jocosamente, como a “maior multinacional do mundo”. Presente em quase todos os países do mundo, sempre deteve imensa concentração de poder e riqueza. E, ultimamente, envolvida em sucessivos escândalos, a exemplo das fraudes no Banco Ambrosiano, no Banco do Vaticano, acusações de “lavagem” de dinheiro, chantagens e traições pessoais, bem como as denúncias, processos judiciais e indenizações milionárias por causa dos padres pedófilos. Apesar da apregoada e jurada renúncia aos desejos mundanos, é muito dinheiro, sexo, negócios e intriga para pouca fé e religiosidade.

13 fevereiro 2013

O Abismo

O momento é de carnaval e euforia coletiva. As mesmas vestes que desnudam os corpos femininos servem como vendas aos olhos de um povo tão idiotizado quanto erotizado. De modo que o momento não é adequado à séria reflexão, que dirá sobre a política nacional. Mas alguns assuntos são inadiáveis. Principalmente entre nós, que habitualmente convivemos com baixíssimos prazos de validade de discussão de tragédias e escândalos. Claro que alguns se repetem com tamanha freqüência que parece estarmos sempre discutindo as mesmas coisas. Para esquecer de novo e relembrar tudo de novo. A recente eleição do senador Renan Calheiros (PMDB-AL) para a presidência do Senado é mais um exemplo de que já não há mais nenhum limite ético na prática política. O apoio da maioria dos senadores e do próprio governo foi uma demonstração de desprezo pela opinião pública. O processo de desmoralização da política não é um fato recente. Faz tempo que ocorre, paulatina e crescentemente. Mas é inegável que nos últimos anos têm sido feito esforços sistemáticos para “enterrar” seu cadáver putrefato. O fim da política não se concretiza apenas na não discussão ideológica – fato notório em todos os partidos e na prática parlamentar, mas em algo muito mais grave. A gravidade consiste no fato de que há uma espécie de impermeabilização dos políticos, como se fossem intocáveis e inimputáveis. Não dá nada. Nada “pega!” É como se não fossem os responsáveis por isso. E continuam, simplesmente, falando e abusando das palavras como se elas não devessem representar algo significativo. Em meio ao mar de lama falam em ética e moralidade. Como se não houvesse opinião pública, como se fôssemos todos um bando de idiotas (ou somos?). Transformaram a ideologia e a política num miserável balcão de negócios, onde a regra é a apropriação privada. Travestem o discurso, escondem a verdade, transformam a política numa tragédia. Não é à toa que “ficaram” todos iguais, partidos e parlamentares. Valores, idéias e projetos não são mais a base e a razão de ser do parlamento. Por isso que o populismo cresce. Alimenta-se do vazio de debates, se nutre da ausência de política. Ainda que a realidade desminta diariamente todos os ufanismos oficiais. A política, a democracia e a própria constituição são um conjunto de valores. Esses valores devem nortear e provocar o debate política. A ausência desse debate esvazia o sentido da política e, conseqüentemente, também esvazia o sentido e a razão de ser da democracia e da constituição.

06 fevereiro 2013

Onde Estava Deus?

Ricos e pobres, cultos e incultos, crentes e descrentes de todas as etnias, não importa sua condição, é da natureza humana a inquietude e a inconformidade com a “(des)ordem das coisas”. Em busca de compreensão e respostas, ou simplesmente para aquietar o espírito, uns recorrem à filosofia, outros às religiões. Outras alternativas litúrgicas também tentam “explicar” o mundo e os destinos, a razão de nascer, viver, ser e morrer, tais como o espiritismo, astrologia, numerologia, búzios, tarô e outros meios, esotéricos ou não. Tão fértil quanto a criatividade tecnológica humana é a sua imaginação para criar meios e respostas que deveriam solucionar sua angústia existencial e alimentar sua esperança. E assim, atordoados e inconformados invocamos e evocamos gurus e fórmulas mágicas. E de modo quase unânime e universal nos reportamos à simbólica figura de um deus como aquele que poderia nos dar as explicações e justificar o rumo de tudo. Além de nos proteger. Então, quando sucedem tragédias pessoais e coletivas, especialmente com alto número de mortes, sejam nos trágicos fenômenos naturais, nas guerras, nos acidentes, sempre advém uma inevitável pergunta: onde estava Deus? Esse questionamento é muito antigo. Em 1755, Lisboa (Portugal) foi sacudida por um imenso terremoto, seguido de outros dois tremores. Ao terremoto seguiu-se um tsunami arrasador, com ondas enormes. Após o terremoto e o tsunami, Lisboa ardeu semanas em chamas. Milhares de mortes, destruição total, desespero e tristeza. Imediatamente, um grande e extraordinário debate instalou-se, o maior de todos os questionamentos até então. “- Onde estava Deus?”, perguntavam filósofos, pensadores, religiosos, reis, governantes e o próprio povo. Eram tempos em que tudo era responsabilidade de Deus. O que acontecia e o que não acontecia! Tão intenso foi o debate que muitos historiadores atribuem à catástrofe portuguesa um enorme impulso nas idéias iluministas que já prosperavam à época. O filósofo francês Voltaire (1694-1778), autor do “Poema Sobre o Desastre de Lisboa”, ironizou a onipotência e a benevolência de um deus todo-poderoso. Voltaire citava o filósofo grego Epicuro (341-270 a.C.): "Ou Deus quis impedir o mal e não pode, ou pode e não quis. Ou mesmo nem quis e nem pode. Se quis e não pode, não é Deus; se pode e não quis, não é bom. Se quer e pode, qual a origem de todos os males?" No recente livro “O Último Dia do Mundo” (2011), também sobre o terremoto de Lisboa, o autor Nicholas Shrady diz que a lição que este terrível acontecimento pode oferecer para as tragédias é a de que “o homem está no centro de nossa resposta ao desastre, e não a providência, a metafísica ou a ira de um Deus vivo”.

01 fevereiro 2013

Advogado do Diabo

Com certeza, você já ouviu essa expressão. Basicamente, trata-se de realizar a defesa de fatos e pontos de vista aparentemente indefensáveis. Ou, então, apresentar argumentos para provocar o acirramento e aprofundamento do debate, de modo a testar sua profundidade, qualidade e legitimidade. Dizem que a expressão surgiu durante os processos de canonização realizados pela Igreja Católica, quando designava um promotor da fé para contestar argumentos e provas apresentados em favor do “canonizável”. Daí a expressão “advogado do diabo.” Reportagens e comentários divulgados na imprensa identificam e sugerem muitos e prováveis culpados na tragédia coletiva de Santa Maria. Esse questionamento e arrolamento é retrato do justo e indignado clamor popular. Compreensível. Porém, a deduzir e ampliar o conceito de responsabilização sugerido, de acordo com o conjunto de inferências até aqui apontadas e realizadas, a fila dos responsáveis será interminável. Comecemos pelos técnicos, engenheiros e bombeiros. Nesse momento, quantos salões, clubes, boates, até mesmo fábricas e depósitos - e os freqüentes e inúmeros eventos que reúnem dez, vinte, trinta mil pessoas, exemplos de aglomeração humana em geral, resistem a um exame de probabilidades? Vamos estender o processo de responsabilização aos prefeitos, presidentes de clubes sociais e empresas, síndicos de prédios residenciais e comerciais? Quantas saídas de emergência têm na sua empresa e no seu edifício? Que eventos de risco são realizados? Em se tratando de legislação, ou a falta de, que a tudo regula, devemos incluir no rol de responsáveis os vereadores e deputados estaduais e federais? Prefeitos, governadores e até a presidência da república? Afinal, é na lei que tudo começa. Poderíamos também incluir os membros do poder judiciário que expedem liminares autorizativas? Seria o caso de responsabilizar funcionários de prefeituras, boates e empresas, que diariamente convivem nestes ambientes e que nunca cogitaram do risco inerente? Devemos incluir os músicos, artistas e promotores de eventos (“Promoters”. Agora é chique.)? Não são comuns os recursos pirotécnicos em ambiente fechado? Isso vale para os circos, bailes de formatura e aniversários infantis? E o foguetório de ano-novo? No caso específico de Santa Maria, já era famosa a banda e seu show pirotécnico, razão de atração popular e festiva. Significa dizer que muitos funcionários, freqüentadores, admiradores e pais sabiam disso? E que ninguém nunca cogitou dos riscos? Compreendo a dor de todos. Também sou pai. Não estou defendendo a impunidade. Que o doloroso fato sirva de lição e razão de mudança de comportamento individual e coletivo. E mudança de regras, legislação e punições. Por histórica e sistemática ação e omissão, somos todos culpados. Todos. Nesse sentido e momento, não contem com meu apoio para acender “a fogueira da inquisição”! Em Zero Hora, 01 de fevereiro de 2013.