30 abril 2010

Medalha, medalha, medalha!

Com certeza, vocês lembram do desenho animado da televisão, "Dick Vigarista e seu cão Mutley".
A cada infeliz aventura que realizavam Dick Vigarista sempre levava a pior. E pedia ajuda ao seu cão. O cachorro até pensa em ajudá-lo, mas é movido a medalhas.
Nesses momentos, o cão soltava seu clássico refrão, acompanhado de uma risada cínica: "Medalha, medalha, medalha!"
Troca de condecorações é uma prática comum na política. Premiam-se uns aos outros. Afinal, são importantes e imprescindíveis pessoas da nação. E medalhas são eternas.
A "Ordem de Rio Branco" é a mais alta condecoração da diplomacia brasileira. A entrega da premiação é feita, anualmente, na data de nascimento do Barão do Rio Branco, o patrono do Itamaraty.
É destinada às pessoas que tenham se tornadas merecedoras do reconhecimento do governo e realizado ações meritórias e feitos cívicos.
Recentemente, Luiz Carlos da Costa, vice-chefe da missão da ONU, a educadora Zilda Arns e militares, mortos no terremoto no Haiti, receberam a condecoração póstuma.
Na mesma ocasião, também receberam a condecoração Marisa Letícia (primeira-dama e esposa do presidente Lula), Ana Maria Amorin (esposa do chanceler Celso Amorim), Mariza Alencar e Josué Gomes da Silva (respectivamente, esposa e filho do vice-presidente José Alencar).
Dona Marisa já recebera, em 2007, a "Medalha do Mérito Santos Dumont"’ das mãos do Comandante da Aeronáutica. Dona Marisa dedica-se aos filhos, ao lar e, naturalmente, ao marido!
Ainda, e também, receberam a premiação Fábio Barreto, diretor do filme “Lula, o Filho do Brasil”, Erenice Guerra, assessora e substituta de Dilma Rousseff, e Bruno Gaspar, assessor de Marco Aurélio Garcia, conselheiro de Lula para Assuntos Externos.
Esses dois últimos nomes (Bruno e Marco Aurélio) são aqueles que a TV mostrou (fazendo gestos obscenos) comemorando a não culpa do governo (que a imprensa insinuava em função de obras mal feitas no aeroporto!) na queda do avião da TAM em Congonhas.
Alias, essa recente troca de medalhas me faz lembrar de outra. Mais precisamente, no dia 20 de julho de 2007, três dias depois do acidente fatal no aeroporto em Congonhas. Prédio ainda em chamas, corpos em resgate, famílias em pranto e luto.
Indiferente ao fato, é realizada a cerimônia de entrega da Medalha Mérito Santos-Dummont. Entre os condecorados, dois diretores da ANAC- Agência Nacional de Aviação Civil. E eles foram receber suas medalhas!!!
Senso crítico, coerência, exemplaridade, dignidade, vergonha, honra, mérito, solidariedade e oportunidade? Quem se importa?
Como bem ensinam as obras do eterno poeta e dramaturgo inglês Willian Shakespeare (1564-1616): é a natureza humana, é a condição humana.
Imagina se o governo não fosse de esquerda!

23 abril 2010

Bras-ilha da fantasia

Quarta-feira, dia 21 de abril, o Brasil comemorou os 50 anos de fundação da cidade de Brasília, a capital da república brasileira.
Com a proclamação da república (1889), e o fim da monarquia, os líderes republicanos queriam tirar a capital do Rio de Janeiro. O Rio era considerada uma cidade monarquista e simpática à família real.
Razão pela qual já nos debates políticos de 1890, e, consequentemente, na própria Constituição Federal de 1891, é anotada a idéia da transferência da capital. Fato que só se concretizou em 1961, durante o governo de Juscelino Kubitschek (1956-1961). Setenta anos depois.
A interiorização da capital também seria uma forma de estimular a colonização do cerrado – uma imensa região desabitada – e promover seu desenvolvimento social e econômico.
Para a decisão definitiva de construir e transferir a capital (1956), também conta o fato de Kubitschek desconfiar do clima golpista que se vivia no Rio de Janeiro, sede de vários quartéis e clubes militares.
Parênteses: o pós-guerra mundial, a guerra fria entre russos e norte-americanos, a revolução cubana e nossas crescentes demandas sociais geravam, à época, efervescentes debates e provocações político-partidárias, colocando permanentemente em xeque o governo de Juscelino. De fato, o temido golpe militar ocorreu em 1964!
A construção de Brasília foi e é um dos maiores absurdos da história brasileira. Talvez o maior de todos os escândalos.
Construir uma cidade no meio do nada custou muito caro aos cofres públicos. Contribuiu para o aumento da divida externa. Já naquela ocasião usaram o dinheiro da previdência social.
Isso sem falar nos roubos, nas negociatas, nas dezenas de notas frias emitidas para uma mesma carga de ferro, cimento e tijolos, destinados aos imensos canteiros de obras.
E tão grave quanto gastar o que foi gasto para construir uma cidade artificial, no meio do nada, foi, depois, realizar a transferência de milhares de funcionários públicos.
Com todos os seus direitos ampliados e garantidos, direito de moradia, direito de ressarcimento de pagamento de aluguel, diferenças salariais por conta de mudanças, uma série de adicionais que depois foram incorporados nos salários básicos e geraram aposentadorias milionárias.
Brasília é uma conta que os brasileiros continuam pagando até os dias de hoje. Talvez um dia algum economista, algum contabilista, possa calcular a dimensão financeira do rombo.
Mas o maior crime cometido na construção de Brasília, cometido na transferência do poder político de uma cidade para outra, tirando a capital de uma metrópole e levando-a para o meio do nada, uma cidade de servidores públicos, foi afastar o povo do jogo político.
O povo foi afastado da oportunidade de realizar pressão no dia-a-dia sobre os parlamentares e governantes. Foi alijado da influência nas decisões de interesse nacional.
Na transferência da capital, na inauguração de Brasília, começa a decadência definitiva da qualidade de representação político-partidária nacional, hoje tão evidente.
O afastamento do povo, dos sindicatos e dos demais meios de pressão política determinou o acomodamento dos políticos.
Brasília é uma cidade de profissionais da política. Que vivem exclusivamente da e para a política. Quando a Capital era no Rio, era possível ao parlamentar manter a profissão de origem e seu mandato concomitantes, continuar próximo do povo, conviver no dia-a-dia, atento a realidade e exercendo sua autocrítica.
Hoje isso é impossível. Brasília é uma ilha. Imune e indiferente. Aliás, esse distanciamento e isolamento ajudam a explicar a sucessão e os crescentes escândalos e casos de corrupção.
De modo que não vejo razões para comemorar o aniversário de Brasília!

17 abril 2010

Reflexão Pré-Eleitoral

A proximidade das eleições nos obriga ao aprofundamento de algumas reflexões sobre a atualidade política e sobre os partidos.
Não é o cardápio favorito da maioria das pessoas. Sabemos, é um prato indigesto haja vista a impressionante sucessão histórica de maus exemplos. Que dirá os mais recentes!
Mas ainda que indigesto, é um prato inevitável e necessário ao bom desenvolvimento da nação.
Algumas reflexões e constatações são inevitáveis e recorrentes. Primeira e lastimavelmente, o processo eleitoral tem se constituído apenas num processo de escolha!
Escolhido e eleito o mais votado(s), encerra-se todo o debate, perversamente. Aqueles que se digladiaram, acusaram, confrontaram, com verdades e mentiras, com artimanhas ou não, entram em processo de acordo. E o ideal democrático resta manipulado.
Quase que imediatamente, o vencedor utiliza todos os meios necessários e disponíveis para a retenção e concentração do poder. Dissimuladamente, mas não menos antidemocrático.
Daí para o discurso e a prática personalista é um passinho. Nesse momento, oposição já não há, eis que negociado seu silêncio. Passo seguinte, é a disseminação do culto à personalidade do novo governante.
Objetiva e deseducadamente, o culto à personalidade contribui para o esvaziamento das formas de representação e ação política da sociedade, alcançando e desmoralizando, inclusive, instituições com previsão constitucional. Ou seja, ainda que dissimulado, e por vezes até sofisticado, não deixa de ter (e ser) viés autoritário.
Dito de um modo mais simples, o governante, repito, eleito legalmente, mas agora se comportando como que candidato a rei, ou já o próprio rei, e usando a legalidade como cetro e coroa, usa e abusa do poder, pinta e borda, ignorando a legitimidade alheia.
E assim, oposição - legal, constitucional, sistemática, prática e objetiva - já não havendo; amigos sinceros capazes de puxar o manto do “se flagra” cada mais distantes ou comprometidos; e autocrítica muito menos, por incapacidade ou soberba, resta agora que o governante acredita absolutamente de que “tudo” depende dele. “O estado sou eu”, diz, orgulhoso e em alta voz, postado diante do espelho do palácio.
Para quem chega hoje, depois de tempos fora da aldeia, pode parecer que é verdadeiro, que é comprometido, que é legítimo. Mas passadas algumas horas, todas as certezas decantadas e auto-afirmadas vão-se como fumaça ao vento.
Apenas o ensimesmado, solitário e errante governante não acorda de seu delírio megalomaníaco. O mesmo não se pode dizer da “trupe” que o cerca, que por oportunismo e conveniência finge não ver a nudez do rei!
E então, de volta às ruas, e observando um movimento que conta de eleições vindouras, perguntas martelam meus pensamentos.
Porque mesmo votamos, e votamos de novo, se nos ignoram, se nos tratam como idiotas, se desdenham nossas pretensões de igualdade e justiça?
Porque votamos se fingem que nos ouvem, e se de fato depois nos submetem aos rigores do poder (e nós nem objetamos!)?
Porque votamos se a república é de faz de conta, e se o de fato é como se fosse uma monarquia, com um rei e sua corte?
Porque votamos se não somos os protagonistas da república, e se de fato somos apenas espectadores de um espetáculo deprimente e lamentável e cujo custo surpreendentemente continuamos a pagar?
Se conseguirmos responder sabiamente algumas dessas perguntas, ainda que sozinhos e na “boca da urna”, talvez possamos recuperar a esperança e reconstituir a dignidade da política e a razão de ser das eleições.





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01 abril 2010

A "Captura" do Estado

“Captura”, assim entre aspas, significa, politicamente, e na administração pública, principalmente, a subordinação, a submissão, o “seqüestro” da coisa pública, da função de estado, do poder de estado, do órgão de estado, aos interesses corporativos e privados.
A prática da “captura” se opera num campo de ação e representação, numa faixa de atuação muito tênue e delicada, onde legalidade e legitimidade, concomitantes ou não, podem autorizar e viabilizar a ação. Ainda que, a seu tempo e circunstância, imoral e aética.
Paralelamente e no campo da ilegalidade, a “captura do estado” também pode se operacionalizar e confundir com atos de omissão, de prevaricação e de corrupção ativa e passiva.
Enfim, é a tomada do poder político nas diversas esferas públicas e sua transformação em valor econômico privado. Em tempo: quando se fala aqui em Estado, se está referindo aos níveis municipais, estaduais e federais.
Mas assim como há formas sofisticados, há formas muito simplórias de “captura”. Por exemplo, o nepotismo. O nepotismo é a ocupação de cargos públicos por parentes de autoridades públicas.
Mais recentemente, haja vista legislação proibindo a prática do nepotismo direto, seus excelentíssimos e nobres autores optaram por nepotismo cruzado.
Nepotismo cruzado é o seguinte: autoridade de órgão X indica seu afilhado para a autoridade do órgão Y, que por sua vez apresenta o seu afilhado para o órgão X ou Z. Não importa o nível (municipal, estadual ou federal) do cargo do padrinho e o de destino do afilhado.
Outro modo de realizar a “captura do estado” se realiza de lei e constituição na mão. Em voz alta e sem pudor. Em nome de planos de carreira e equiparações salariais, às vezes “interplanetárias”. Querem muito mais dinheiro, seja a título salarial ou de algum auxílio pretérito ou futuro.
E quando falo de planos de carreira e equiparações, não estou falando de policiais, professores e demais modestos servidores públicos.
Ocorre “captura” também quando outros não menos importantes se organizam para transitar de um cargo público ao outro, de um tribunal ao outro, sejam judiciais, militares ou de contas, em busca de altíssimas aposentadorias.
Como que abençoados por virtudes de capacidade administrativa e intelectual inalcançáveis aos demais mortais, são indicados e referendados pelos membros dos demais poderes de estado. Uns aos outros.
Reina a ausência de crítica e cobrança institucional. O silêncio, a ação e a omissão sobre o método de alcance e exercício do benefício alheio é a senha que sinaliza e garante a perspectiva de levar (sua própria) vantagem futura no momento oportuno.
Poderes, órgãos e instituições de Estado que deveriam ser os primeiros a exercitar a (auto) crítica e o respectivo impedimento se omitem.
E assim prossegue a nação escravizada pelas circunstâncias. São as novas oligarquias. Travestem o antigo e sofisticam a apropriação do Estado. É a nova ideologia!
Isso tudo me faz lembrar de uma frase de Miguel de Unamuno, poeta e filósofo espanhol (1864-1936): "Vencereis, mas não convencereis. Vencereis porque tens de sobra força bruta. Mas não convencereis, porque convencer significa persuadir. E para persuadir necessitais o que vos falta: a razão e o direito na luta".