01 fevereiro 2013

Advogado do Diabo

Com certeza, você já ouviu essa expressão. Basicamente, trata-se de realizar a defesa de fatos e pontos de vista aparentemente indefensáveis. Ou, então, apresentar argumentos para provocar o acirramento e aprofundamento do debate, de modo a testar sua profundidade, qualidade e legitimidade. Dizem que a expressão surgiu durante os processos de canonização realizados pela Igreja Católica, quando designava um promotor da fé para contestar argumentos e provas apresentados em favor do “canonizável”. Daí a expressão “advogado do diabo.” Reportagens e comentários divulgados na imprensa identificam e sugerem muitos e prováveis culpados na tragédia coletiva de Santa Maria. Esse questionamento e arrolamento é retrato do justo e indignado clamor popular. Compreensível. Porém, a deduzir e ampliar o conceito de responsabilização sugerido, de acordo com o conjunto de inferências até aqui apontadas e realizadas, a fila dos responsáveis será interminável. Comecemos pelos técnicos, engenheiros e bombeiros. Nesse momento, quantos salões, clubes, boates, até mesmo fábricas e depósitos - e os freqüentes e inúmeros eventos que reúnem dez, vinte, trinta mil pessoas, exemplos de aglomeração humana em geral, resistem a um exame de probabilidades? Vamos estender o processo de responsabilização aos prefeitos, presidentes de clubes sociais e empresas, síndicos de prédios residenciais e comerciais? Quantas saídas de emergência têm na sua empresa e no seu edifício? Que eventos de risco são realizados? Em se tratando de legislação, ou a falta de, que a tudo regula, devemos incluir no rol de responsáveis os vereadores e deputados estaduais e federais? Prefeitos, governadores e até a presidência da república? Afinal, é na lei que tudo começa. Poderíamos também incluir os membros do poder judiciário que expedem liminares autorizativas? Seria o caso de responsabilizar funcionários de prefeituras, boates e empresas, que diariamente convivem nestes ambientes e que nunca cogitaram do risco inerente? Devemos incluir os músicos, artistas e promotores de eventos (“Promoters”. Agora é chique.)? Não são comuns os recursos pirotécnicos em ambiente fechado? Isso vale para os circos, bailes de formatura e aniversários infantis? E o foguetório de ano-novo? No caso específico de Santa Maria, já era famosa a banda e seu show pirotécnico, razão de atração popular e festiva. Significa dizer que muitos funcionários, freqüentadores, admiradores e pais sabiam disso? E que ninguém nunca cogitou dos riscos? Compreendo a dor de todos. Também sou pai. Não estou defendendo a impunidade. Que o doloroso fato sirva de lição e razão de mudança de comportamento individual e coletivo. E mudança de regras, legislação e punições. Por histórica e sistemática ação e omissão, somos todos culpados. Todos. Nesse sentido e momento, não contem com meu apoio para acender “a fogueira da inquisição”! Em Zero Hora, 01 de fevereiro de 2013.

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