22 fevereiro 2010

Em memória do meu amigo Aldo Léo Kothe

Amigo daqueles que a gente encontra pessoalmente de meio em meio ano à conta das dificuldades decorrentes com nossas ocupações pessoais.
Mas verdade também que amigos assim como se estivessem sempre por perto. Afinal, a distância e a falta de convivência não medem nem regulam as amizades e as lembranças comuns.
Lá se vão quase trinta anos, estudantes e jovens trabalhadores acampados na capital do Estado dividíamos entre quatro um apartamento de dois quartos.
Embora as aulas noturnas e o trabalho diário que exigia acordar cedo, sempre havia tempo, à noite alta, para uma “bóia” coletiva e bom bate-papo.
E assunto e diversidade não faltavam. Afinal, dois candidatos a engenheiros, o Aldo e o Álvaro Stumm, um a advogado, e o outro ora quase arquiteto, ora quase publicitário. Nunca sabíamos exatamente o que o inquieto e criativo Gerson Tadeu Jacques (Pink) estudava. Nessas alegres ocasiões as madrugadas se tornavam pequenas.
Nas lembranças também os raros (e divertidos) desentendimentos (nunca mais que alguns minutos) à conta do não cumprimento nas escalas de faxina e as “apropriações indébitas” de produtos na geladeira. Quem já morou numa “república de estudantes” bem sabe do que falo.
Lembranças e convivências também dos sábados futebolísticos, à tarde na chácara do “seu” Stumm da Papelaria Koehler. E do bloco de carnaval “Ula-Ula”, embora eu fosse um episódico e bem-aceito “penetra”.
E assim vai o tempo. Namoros, casamentos, esposa, filhos (e já há quem tenha netos), amigos e trabalho. Sinônimos de preocupações e obrigações. É o que chamamos de vida. A gente leva a vida e a vida leva a gente.
Às vezes, alguns de nós enfrentamos dissabores de saúde e sucumbimos mortalmente à conspiração de algumas células malignas ou algumas infecções mal havidas.
É a ordem da natureza. Aleatória, imprevisível e implacável. E nem são os deuses - essa invenção humana que tenta dar sentido aos caos universal - que escolhem e determinam nossos destinos, como rezam seus devotos.
Convivemos e toleramos as células malignas e os batimentos irregulares e assustadores do coração. E mantemos nossa esperança na medicina e na ciência.
Só não gostamos, nem toleramos, ou não deveríamos tolerar (!), quando a ação humana (humana?) inoportuna e indevida intervém e aborta a naturalidade de nossas vidas e convivências.
A ação humana fatídica que em muitos casos se dá por negligência, imperícia e imprudência, como no trânsito, especialmente.
E há aqueles casos ainda mais graves que dizem respeito à qualidade de nossa organização em sociedade. Ou no caso, a falta de qualidade, a desorganização da idéia de comunidade.
Como o que sucedeu com meu calmo e agregador amigo Aldo Léo, vítima de uma razão e ação consciente (consciente?), um desespero alheio cuja origem e motivação ainda não conhecemos, embora possamos supor e imaginar, e que deu impulsos e poderes de morte à mão do homicida.
O Brasil é o campeão mundial de homicídios. Resultado sangrento da combinação de maus indicadores sociais e econômicos, desigualdade de renda, corrupção, acesso fácil a armas de fogo, crescimento do narcotráfico, desestruturação familiar e, principalmente, impunidade.
45 mil brasileiros perdem a vida a cada ano. É número muito maior que as mortes de muitas guerras internacionais.
A propósito de guerras, conflitos e mortes, atribui-se ao ditador soviético Josef Stalin (1878-1953) a seguinte frase: “Uma única morte é uma tragédia; um milhão de mortes é uma estatística!”
Vivemos um cotidiano de impunidades, mortes e velórios. Tão doloroso quanto perder o amigo querido é ver que nós continuamos nos comportando como se nada estivesse acontecendo.
Aceitamos o lero-lero e o ufanismo das autoridades e dos governantes e não reagimos como uma comunidade, como uma nação.
Miserável e passivamente, aceitamos e toleramos que as mortes de pessoas queridas se transformem em números!
Minha tristeza e minha inconformidade cívica em memória do meu amigo Aldo Léo Kothe.

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