22 setembro 2010

Êxtase Ético

Mais um escândalo nacional. Agora é o caso do tráfico de influência na Casa Civil, no governo federal. Com certeza, não será o último no rosário de abusos a que o povo é submetido por seus falsos líderes e infiéis depositários da esperança.
O que mais incomoda não são a manipulação das verbas públicas e o dinheiro surrupiado. O pior da safadeza é o cinismo com que “elles” vêm a público explicar e justificar seus atos.
Fingem ignorar o que todos sabemos. Que qualquer pessoa, mesmo uma criança, sabe o que é certo e o que é errado, o que é justo e o que é injusto.
Ano após ano, escândalo após escândalo, tudo o que está acontecendo, tem uma vertente principal. É a certeza da não punição. Somos os campeões mundiais da impunidade.
Mas o prejuízo maior não é a corrupção, a safadeza e a impunidade. O prejuízo maior da nação é a quebra de confiança, um alicerce fundamental no ideal e compromisso republicano.
Se perdemos a compreensão, a convicção, a clareza em torno das razões de nossa convivência e criação de uma nação, significa que estamos a perigo.
Estamos perdendo a confiança que deveríamos ter uns nos outros. Nas instituições e nos formalismos. E a falta de confiança é um grave precedente que destrói a unidade social e nacional.
A sucessão de fatos desagradáveis e escândalos também revelam a natureza da crise da democracia brasileira. Nossa democracia é uma farsa e se resume a um mecanismo eleitoral.
Em todos os níveis de representação, a omissão do parlamento, a não discussão, a ausência de conflitos ideológicos, o “concordismo partidário” que a todos alcança sob o falso argumento dos consensos positivos, são o câncer da atual política.
Outra conseqüência dessa omissão (e doença!) é a judicialização da política. A partidarização do judiciário. Afinal, os conflitos de natureza política e ideológica são levados aos fóruns judiciários!
Aliás, essa judicialização da política se agravou com as sucessivas e recentes nomeações de “amigos do Poder Executivo” para o Supremo Tribunal Federal, como se fossem seu representante, ignorando o papel constitucional e a necessária isenção do STF.
Fundamentais na desestabilização e apequenamento do Legislativo e na mediocrização do debate político também são a arrogância e os excessos do Poder Executivo, fruto de milhares de medidas provisórias presidenciais.
Embora não deva servir de consolo ou explicação, sabe-se que essa degradação político-partidária não é privilégio brasileiro. Também na Venezuela, na Bolívia e no Equador, o poder legislativo é ignorado.
Na Argentina, por exemplo, há uma lei delegada que estendeu quase que plenos poderes à Presidenta Cristina Kirchner. É o que se denomina em ciência política como o hiperpresidencialismo.
O velho ditado afirma que não há vácuo de poder. Se alguém se ausenta, se omite, outro ocupa seu lugar. Para o bem e para o mal.
De todo modo, esperemos que o escândalo do dia não seja mais um êxtase ético do qual se acomete a população brasileira, de tempos em tempos, para logo depois tudo esquecer ao som dos carnavalescos tamborins e dos próximos feriadões! (Zero Hora - Porto Alegre, em 22-09-10)

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