01 abril 2006

Brasil Urgente: um novo contrato social

A humanidade, de tempos em tempos, defronta-se com novos e significativos desafios, notadamente aqueles que dizem respeito a sua convivência, a harmonia social e econômica, as permanentes e insistentes diferenças sociais; estes desafios, embora muitas vezes se renovam travestidos, produzem um conjunto de comportamentos, de ações e reações, de bases filosóficas, que determinam novas formas de atuação e compreensão da realidade.
O atual triunfo do liberalismo parece determinar, além do fim do emprego, o fim das relações sociais e a confinamento do ser humano a uma existência solitária. Tradições, costumes, família, não são mais os pressupostos fundamentais que determinam o social. O novo homem é um sujeito de necessidades e ilimitados desejos de posse, e, assim, sua existência é medida pela quantidade. A liberdade e o desejo são expressos em números. A abstração do sujeito – pela ausência ou ignorância da contradição - parece determinar o fim da dialética.
Este precário quadro econômico e esta transformação comportamental revelam indivíduos e grupos sociais fragilizados, suscetíveis de apelos demagógicos, distantes das soluções institucionais, dos poderes de estado, e, principalmente, à margem da organização básica formal e histórica.
Assim, de tempos em tempos, repetindo, as reações do povo - pela reflexão e ação dos intelectuais e líderes políticos - organizam formas de enfrentamento, ora constituindo o lugar do cidadão, como fez a revolução francesa, ora constituindo o lugar do trabalhador, como fez o manifesto comunista.
Agora, mais recentemente, com a queda do Muro de Berlim, e a instalação hegemônica do pensamento e prática neo-liberal, sob o domínio econômico das indústrias de informação e comunicação, o que está sob ameaça é a própria existência humana, a liberdade do sujeito e os direitos humanos primários.
As inovações tecnológicas, demarcadas pela mundialização da economia e pela terceira revolução industrial, proporcionam o revezamento de cientistas e economistas na avaliação e nos prognósticos acerca dos cenários sociais e econômicos deste final de século.
No conjunto de reflexões e análises sobressai-se, inequívoco e unânime, que o "...futuro reserva menos empregos", como diz Jeremy Rifkin, presidente da Fundação das Tendências Econômicas, de Washington ( Folha de São Paulo, 25-08-97). Diz mais: "...os empregos serão poucos. Deles se ocupará uma pequena e bem paga elite profissional altamente qualificada". Viviane Forrest, autora do best-seller "Horror Econômico", confirma que “os crescentes índices de desemprego geram um estado de ansiedade e perplexidade geral, com graves repercussões comportamentais.” (Revista Exame, 27-08-97).
Ignácio Ramonet, da Universidade de Paris, afirma que “esses fenômenos de mundializacão da economia e de concentracão do capital, tanto ao sul como ao norte, quebram a coesão social. Eles agravam, em toda a parte, as desigualdades econômicas, que se acentuam a medida que aumenta a supremacia dos mercados. Por isso, a obrigacão de revolta e o direito a agitacão popular tornam-se, novamente, imperativos para recusar esses regimes globalitários inaceitáveis. Já não é tempo de reclamar a entrada , em escala planetária, de um novo contrato social?”
Enquanto isto, no nosso querido Brasil ocorrem as modificações das relações de trabalho, representadas por (1) terceirizações, flexibilizações, globalização, custo brasil, fim das garantias sociais,..(2) desemprego estrutural, notadamente pela modernização das máquinas industriais, ... (3) desemprego conjuntural, cuja responsabilidade é da retração da economia e a super-oferta de mão-de-obra,... (4) propaganda sobre a dita falência do estado de bem-estar social europeu, de acordo com os liberais de plantão,... (5) nosso incipiente e precário modelo de estado, ora em constante e abundante privatização dos poderes e tarefas de estado...etc...
Luís Fernando Veríssimo, em artigo no Correio Braziliense, disse:“...o fato de o capital aproveitar a hora para revassalar o trabalho não deve surpreender ninguém, ele está apenas sendo ele mesmo e reconquistando o que foi obrigado a dar quando o conveniente era isso. Assustadora é a escassa resistência que encontra, é a dissolução de anos de conquistas sociais dos trabalhadores estar sendo essa sopa, essa barbada.”
Configura-se, pois, um quadro de inúmeras contradições que demandarão um profundo esforço e exercício de nossa capacidade. O exercício da liberdade pressupõe a tolerância e a solidariedade. Compromissos com a responsabilidade social determinam um equilíbrio de consciência sobre direitos e obrigações.
Creio que nossa luta política, objeto do desafio que está posto, consiste na mediação da crise, na construção do novo contrato social, elemento último e definitivo a confirmar e determinar a superação da razão sobre o instinto predador. Trata-se de um movimento de libertação cultural, capaz de impor limites éticos ao reinado e império do lucro.
Um contrato social em que as relações econômicas deverão estar a serviço do ser humano, da pessoa, e não a pessoa a serviço da economia. A economia é objeto da pessoa e esta seu sujeito. E não a economia sujeito das pessoas e estas seu objeto.
A liberdade de auto-determinação não pode limitar-se a capacidade e autonomia de consumo, mas sobretudo alcançar a idéia de um sentido próprio a vida, de sua consagraçao, conferindo-lhe um sentido positivo.
Impõe-se que defendamos uma sociedade de inclusão, onde todos sejam respeitados em sua essência e tenham garantidas as condições mínimas de uma sobrevivência com dignidade: acesso a educação de qualidade, trabalho digno, saúde mental e física, justiça social, igualdade de condições, respeito as nossas diferenças e individualidades, moradia, liberdade de expressão, e, por que não?, o direito a felicidade.

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