03 outubro 2008

Cultura e Estado: o conflito previsível

Historicamente, a cultura cumpre um papel (ou deveria cumprir!) de criação, contestação, provocação e de contraposição social, política e artística.
Para o desempenho pleno desse ideal, o artista/criador/autor/agente carece, necessariamente, de independência de ação e criação.
E a liberdade e independência de ação e criação estão diretamente ligadas à autonomia financeira (ou de financiamento).
Uma das alternativas de alocação e financiamento de recursos tem sido o Estado (união, estados e municípios), notadamente através das conhecidas leis de incentivo, concretizadas através de renúncia fiscal.
Entretanto, esse modelo gerou uma mudança no padrão qualitativo e argumentativo da produção cultural, comprometendo seu ânimo contestador e criativo.
Dito de outro modo, face o predomínio dos recursos públicos e a participação dos agentes político-partidários no seu processo decisório e liberatório, ocorreu uma evidente subordinação, conformidade e adesismo do produto cultural nacional.
E tocante à parcela dos recursos originários das dotações empresariais, ocorreu uma influência e abordagem marqueteira no delineamento e circulação do produto cultural.
Consequentemente, desde a implantação das políticas de renúncia fiscal, e das leis de incentivo cultural em geral, se questiona se o setor público deva ser um provedor de recursos.
Nesse debate sem fim há quem defenda que o Estado pode, no máximo, intervir/atuar na gestão cultural, na articulação e na criação de novos espaços institucionais.
E há ainda uma questão chave de natureza público-fiscal-tributária: a falta de critérios eficazes, públicos e transparentes, para a avaliação dos pedidos de investimentos, liberação de recursos e prestação de contas!
Estou escrevendo sobre esse assunto face às gravíssimas denúncias de adulteração e manipulação na utilização de recursos e na prestação de contas na área cultural de nosso Estado. Fatos suficientes para condenar o modelo adotado!
Aliás, então, exemplar e alternativamente adote-se o modelo da Prefeitura Municipal de Porto Alegre que viabiliza o incentivo através de dotações orçamentárias, sem o exercício da renúncia fiscal, e com disputa semestral e qualitativa por projetos e segmentos artísticos.
Em verdade, o intervencionismo estatal na área cultural nunca foi algo realmente eficaz e transformador. Seja em razão da utilização de recursos públicos e os riscos/tentações inerentes, seja pela submissão ideológica do artista. Exemplos não faltam!

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