20 novembro 2009

O Outro Poder (o caso bairro Bom Jesus-Santa Cruz do Sul)

Deu no jornal Gazeta do Sul (19-11-09): “Na mesma reunião (com a comunidade!) em que anunciaram o fim da venda de crack no bairro Bom Jesus (Santa Cruz do Sul), traficantes também “proibiram” que o bairro seja utilizado por ladrões como esconderijo de motos furtadas”.
A magistral filósofa Hannah Arendt (1906-1975), nascida alemã e depois naturalizada norte-americana, sintetizou que o fenômeno da violência (e seu incremento) é decorrência da ausência de/da política.
Leia-se “política”, aqui, por favor, como expressão de todo esforço organizado e racional de superação de diferenças sociais, econômicas e culturais, por exemplo.
E, também, não se trata apenas de superação das diferenças, mas sim, principalmente, do esforço de identificação e de mediação das diferenças.
Trago esta reflexão à tona haja vista que se disseminou um clima de insegurança em todas as comunidades de nosso imenso país.
O vertiginoso crescimento e a organização das ações criminosas, associadas às dificuldades operacionais dos órgãos repressivos, bem como a histórica impunidade, refletem o sentimento generalizado de um estado de pânico, quase uma síndrome nacional.
A predominância desse sentimento, desse estado emocional, prejudica a racionalidade das ações necessárias e nos afasta, cada vez mais, da solução das questões relacionadas à violência e à segurança pública.
Evidentemente, há que se ter respostas práticas e objetivas para o enfrentamento da criminalidade, seja pelo aparelhamento e reforço policial-repressivo, seja pelo reexame e adoção de outros modelos punitivos na área judicial e penal.
Mas, de qualquer modo, são alternativas que não sufocam os núcleos geradores da violência, eis que estes continuam intocáveis e não superáveis devido a não vontade da sociedade e da não ação política (ação de governo, ação de poder de estado).
Esclareça-se que a não ação política não é responsabilidade única e isolada do parlamento, por exemplo, ou do judiciário, ou do executivo. Do mesmo modo, a não ação da sociedade não é algo que possamos identificar de modo personalizado e responsabilizado. Mas é um fenômeno que se traduz num estado de inércia e contemplação coletiva.
Porém, se o estado se omite, se a sociedade se omite, em partes ou no todo, os vazios de organização e poder civilizado são ocupados por outras formas de organização e poder, regra geral pelo predomínio do medo e da violência. Não há vácuo de poder!
Exemplo nacional de agilidade e operacionalidade de (re) organização dos núcleos de poder nas localidades onde o estado não se faz presente são as favelas cariocas, amplamente dominadas pelo narcotráfico. Mas já não é “privilégio” do Rio de Janeiro. Todas as grandes cidades têm núcleos geográficos dominados.
Neste sentido, dado o “andar da carroça” em território nacional e a descrição da natureza do processo de ocupação dos vácuos de poder, não deveria haver surpresas com as notícias recentes que dão conta das “deliberações e ultimatos” do outro poder de estado no bairro Bom Jesus!

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