16 novembro 2012

PARA COMPREENDER A VIOLÊNCIA (em Zero Hora de 16.11.12)

Nós estamos no fundo do poço. Há quem diga que já passamos do fundo do poço. É verdade. Basta relacionarmos os inúmeros episódios passados e recentes de violência explícita. E nem falarei sobre presídios lotados, processos parados e inquéritos não terminados ou nem iniciados. Lembra: a morte do índio pataxó (queimado por jovens de classe média), o jornalista Tim Lopes (torturado e queimado por bandidos), o recente caso do mendigo de Caxias do Sul, a série de crianças estupradas e assassinadas, os ônibus incendiados com passageiros dentro, os ataques no Rio de Janeiro, em São Paulo e, agora, em Santa Catarina. É uma lista sem fim e sem limites de crueldade. E qual tem sido nossa reação ao crime organizado e à violência em geral? Abaixo-assinados, passeatas, criação de ONGs, entre outras atitudes passageiras e sem objetividade prática. Enfim, notícias de jornal e TV que noutro dia dão lugar às notícias mais recentes (novos crimes). Em comum, nossas reações têm o pedido de paz. Paz? Paz, não! Queremos justiça, ação policial, condenações, prisões. Ação de estado! Mas, sobre os pedidos de paz, façamos uma reflexão. Um raciocínio de natureza filosófica, de elucubração, pretendendo a compreensão e/ou constituição racional das coisas que nos cercam. A professora paulista Marilena Chauí (USP), em um antigo estudo sobre a violência, já observava que vários “dispositivos” e atitudes contribuem para ocultar a violência real e suas razões. Entre eles, destacava: (1) um sistema jurídico que localiza a violência apenas nos crimes contra a propriedade e a vida; (2) um sistema sociológico que considera a violência um momento no qual os grupos sociais “atrasados” (eles) entram em contato com grupos sociais “modernos” (nós). É o momento em “os desadaptados” (eles) tornam-se violentos; (3) a vigência de uma distinção entre um “nós brasileiros não-violentos” e um “eles violentos”. “Eles” são todos aqueles que, “atrasados” e deserdados, empregam a força contra a propriedade e a vida de “nós brasileiros não-violentos”; (4) e uma prática de distinção entre o essencial e o acidental: a sociedade brasileira não seria violenta. A violência seria apenas um acidente na superfície social sem tocar em seu fundo essencialmente não-violento. Isto explica, inclusive, porque os meios de comunicação se referem à violência com as palavras “surto”, “onda”, “epidemia”, “crise”, isto é, palavras que indicam algo passageiro e acidental. Conseqüentemente, as desigualdades e as exclusões, o autoritarismo que regula todas as relações sociais, a corrupção, o racismo, o sexismo, as diversas formas de intolerâncias, não são consideradas formas de violência. Isto é, a sociedade brasileira não é percebida (e não se auto-percebe) como estruturalmente violenta e por isso a violência aparece como um fato esporádico superável. Esporádico e superável? Afinal, somos ou não somos violentos? E o que você acha? Pare, pense e reflita! Talvez o “caminho da salvação” passe pela ampliação e aferição dessa compreensão.

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