14 dezembro 2006

Réquiem para Fidel

“O que sempre fez do Estado um verdadeiro inferno na terra

foram precisamente as tentativas para transformá-lo num paraíso.”

Friedrich Hoelderlin

Uma das passagens mais comovedoras da história mundial recente, foi, sem dúvida, a derrubada da ditadura cubana de Fulgêncio Batista, perpetrada por um grupo de jovens idealistas, liderados por Fidel Castro (1959).

Fraudadas as expectativas de justiça e igualdade pelos tiranos europeus, o sonho do socialismo renovava-se na pequena ilha, até então lugar de veraneio e exploração comercial norte-americana.

Rapidamente, Fidel e Guevara, companheiros de primeira hora, transformaram-se em ícones mundiais da juventude e das elites intelectuais, ainda traumatizadas pelos efeitos das guerras recentes, a frustração soviética, e desejantes de um período de paz e justiça social.

Correu o tempo, mais de 40 anos, o mundo experimentou diversas mudanças, sociais, políticas, econômicas e culturais, principalmente. Entre estas mudanças, as mais significativas foram a desconstituição da União Soviética e a queda do Muro de Berlim, sepultando, definitivamente, a idéia do partido único e o dirigismo estatal; ou, em outras palavras, o fim do comunismo.

Mas o tempo parara em Cuba. Apesar das inúmeras desculpas oficiais, tipo embargo econômico, “a morte do padrinho soviético”, o perigo norte-americano, perpetrou-se uma ditadura personalista e reacionária, a exemplo dos decadentes e decaídos modelos europeus, embora mantido o discurso juvenil e a pretensão socializante.

Descontado o regime e o estilo jurássico, ainda assim persistia, e persiste, em alguns meios políticos e intelectuais uma tolerância com Fidel, por conta de propalados indicadores de educação e saúde do país. No entanto, a realidade é que faz muito tempo, mais de 20 anos, que as ilusões perderam-se em meio às atrocidades e abusos cometidos em nome do regime político.

Não faz muito tempo, haja vista a notícia do fuzilamento de três dissidentes/fugitivos do regime, Cuba e Fidel voltaram às manchetes, perdendo seus últimos simpatizantes. E, recentemente, a pá de cal. Diante da notícia da grave enfermidade de Fidel, noticiou-se a transferência do poder ao seu irmão Raul Castro, seu sucessor natural. Quer dizer, monárquico, dinástico. Pobre povo cubano. Materialmente falta-lhe tudo, mas falta-lhe, ultimamente, a indignação e a rebeldia.

Mas ainda assim, com a prenunciada morte de Fidel, não lhe faltarão as homenagens póstumas prestadas pelos seus súditos, que insistem em permanecer algemados ao passado, tiranizados por uma ilusão discursiva e uma prática cínica e cruel. Paz, liberdade e prosperidade, ideais humanos e universais, sempre patrocinaram e gestaram tiranos.

Como bem ensina o poeta alemão Friedrich Hoelderlin(1770-1843), escolado nas experiências de antanho: “o que sempre fez do Estado um verdadeiro inferno na terra foram precisamente as tentativas de transformá-lo num paraíso”.

Nenhum comentário: