25 setembro 2007

Síndrome de Adão

Quando a gente acha que já viu tudo em termos de cinismo, deboche e arrogância, sempre surge mais algum fato para agravar a nossa desesperança e descrença generalizada.

O recente congresso político-partidário do PT foi pródigo neste processo de desilusão. Submisso à cúpula partidário-governamental e sem massa crítica, prestou solidariedade aos denunciados mensaleiros e aplaudiu a delirante e inacreditável proclamação do Presidente Lula acerca da vocação ética do partido!

Não satisfeitos, governo e PT fazem ainda uma debochada defesa e absolvição de Renan Calheiros, cinicamente nominada de exemplo de democracia.

A sucessão interminável de fatos escandalosos e pronunciamentos ofensivos à inteligência do povo parece sugerir que há um organizado método para quebrar a espinha dorsal da resistência ética e moral da nação. Uma metódica desconstrução do bom senso e da lógica.

Um dos primeiros a diagnosticar o desvio político do PT e de nosso verborrágico presidente, foi o deputado federal e ex-petista Fernando Gabeira, do Partido Verde (RJ).

Faz algum tempo, em entrevista à Folha de São Paulo, Gabeira falou sobre o despreparo de Lula. "Temos que acabar com o elogio da ignorância. (...) Existe na sociedade brasileira, sobretudo na classe média, um sentimento de culpa em relação aos pobres. Daí a grande adesão à tese de que a classe operária teria um papel messiânico.”

Indagado em que medida a deficiência intelectual de Lula contribuira para insuflar a crise, Gabeira respondeu: “Lula ascendeu ao governo munido de idéias inadequadas à realidade (...) estimulou a ocupação do aparato estatal pelos amigos. Confundiu estado com partido”.

Sincero na autocrítica, Fernando Gabeira está vivendo um processo de desilusão. Basicamente, trata-se da crise da esquerda e das utopias perdidas.

Gabeira afirma: “A esquerda brasileira chegou à decadência mais lentamente, mas segue o mesmo padrão da esquerda mundial. A diferença é que, no Brasil, o Muro de Berlim está caindo com atraso”.

Neste sentido, creio que este seja o maior problema do momento: a falta de uma autocrítica da esquerda. Se por vaidade e ambição isto não é possível aos que estão do exercício do poder, admissível não é a omissão dos demais filiados, militantes e simpatizantes partidários.

Quanto maior e duradouro o estado de perplexidade, igual dimensão adquire a ignorância, a cegueira e a manutenção dos erros.

Aliás, sobre cegueira e ignorância, e sobre a nunca dantes, exagerada, contínua, inesgotável e irritante auto-exaltação de Lula, lembro e acrescento uma frase de Felipe Gonzalez, ex-primeiro-ministro da Espanha. Disse ele:

"Raras vezes as coisas ocorrem pela primeira vez, ainda que assim seja a experiência pessoal de muitas pessoas. Por isso há tantos governos “adãonistas”, que crêem que tudo o que fazem, ou o que lhes passa, é a primeira vez que ocorre. Isso os leva a pensar que estão criando sempre, ex-novo, que estão reinventando a “res publica”, até que caia em cima deles o peso da história, com suas constantes sociais e seu próprio ritmo, com suas idas e vindas inevitáveis".

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