26 dezembro 2009

A Outra Noite

“É verdade que esta noite, se às estrelas erradias eu pedir o que desejo, o céu o concederá?”, pergunta Pablo à sua mãe. No Poema de Natal, de Pablo Rojas Guardia, poeta venezuelano (1909-1978).
O natal é o máximo da experiência mágica da infância. Pena que logo, nem tão criança e nem tão adulto, dá lugar ao olhar crítico de nossas desigualdades familiares e sociais.
Nessa noite, quando os sinos da catedral repicarem, lembrarei que devo me comportar como se vivesse no melhor dos reinos.
E, preferencialmente, silenciar e sufocar a lembrança dos meninos e meninas que não acordarão cercados de brinquedos. Que dirá acolhidos em boa cama e cercados do afeto de seus pais!
E para não estragar a festa, prometo sorrir tal qual uma presenteada e feliz criança, enquanto submeto o adulto ao silêncio e a anestesia proporcionada pela boa comida e bebida.
E em nome da paz festiva, familiar e social, ainda que falsa aliança, também prometo deixar de lado os transtornos e assuntos que me lembram que há “lá fora” uma guerra pela sobrevivência.
A maioria consegue festejar, presentear, beber e comer como se não houvesse um mundo exterior. E nem falo daquele distante, mas aquele bem próximo, às vezes do outro lado de nossos altos muros, de nossas cercas elétricas e de nossas guaritas.
Guarita onde passa a noite de natal o nosso guardinha, distante de sua família e em troca de algumas moedas de ouro, óleo de mirra e incenso.
Há uma força oculta no natal. Uma força que não é verdadeiramente cristã. Que nos atrai às festas, às comemorações e para um desfile de dissimulação.
O natal resta como um imenso imã de atração coletiva e de objetivos comerciais e festivos. O lembrado e milenar ícone religioso é apenas mais um garoto propaganda!
O natal que me atrai não é o dos festejos e dos presentes. O natal que me atrai é aquele que não houve. Afinal, onde está o amor desinteressado, comprometido e fraternalmente engajado?
Não estamos escravizados pela ostentação de poder e riqueza e de um exibicionismo acerca de uma felicidade festiva e irreal?
Sabemos que a felicidade real não é do jeito que é declarada e exibida nessa época do ano. Então, esse exibicionismo natalino não é uma forma ostensiva de poder e vaidade?
Bem, repito, prometi me comportar. Mas, em silêncio lembrarei o verso do poeta Manuel Bandeira: “Sou bem nascido. Menino fui, como os demais, feliz. Depois, veio o mau destino e fez de mim o que quis”.
E agora, faltando poucas horas, diante do espelho do meu quarto invoco sua magia e nele me escondo por um dia.
E, imediatamente, deixo sair de lá um menino faceiro que corre rápido de olho na árvore de natal e na chaminé. E, quem sabe, sortudo, ainda ouvir um alô de despedida do barbudo: “Hohoho, hohoho!”

Nenhum comentário: