30 novembro 2006

A socialização da ignorância e da miséria

A verdade, porém, tem apenas um vestido de cada vez e
só um caminho, e está sempre em desvantagem" Robert Musil em "O Homem sem Qualidades"

A razão de existir de um sistema político está diretamente relacionada com sua função de criar e melhorar a vida dos cidadãos. Pela mesma razão, há eleições livres, diretas e periódicas, com o voto do povo, de modo a verificar e julgar se realmente ocorre a melhoria da vida das pessoas.
Para que este sistema funcione bem é necessário que o cidadão saiba o que o governo tem feito para cumprir suas obrigações. Do mesmo modo, o eleitor/cidadão precisa saber o que o governo e a oposição defendem e objetivam. E muito mais: precisa conseguir analisar essas informações para poder julgar qual sua adequação, viabilização, consequência social e oneração financeira.
Mas há um problema grave para a realização deste ideal: a maioria da população brasileira não tem capacidade para entender e analisar estas informações. Isto quando as informações chegam até o cidadão. Normalmente, não chegam.
Consequentemente, os detentores do poder (de ocasião), aqui nominados governantes, tendem a corromper o sistema idealizado. Na recente eleição, por exemplo, a esmola (o governamental programa Bolsa Família) distribuída ao povo cumpriu um papel eleitoral fundamental pró-governo. A tal ponto que os escândalos e crimes contra a economia, o dinheiro público e a normalidade institucional não repercutirem, objetiva e eleitoralmente, no processo eleitoral.
Aliás, quem questionasse esses métodos – distribuição da esmola - era rotulado como elitista e inimigo do povo. Quem questionasse a eficácia da gestão pública era rotulado como pró-privatizações e entreguista. Ainda que o respectivo questionamento não fosse de ambição eleitoral, mas, sim, de teor técnico, econômico, sócio-educativo, jornalístico, ético, moral, entre outras abordagens possíveis.
Ultimamente, com as pesquisas indicando a vitória governamental, como de fato ocorreu, aqueles que queriam, querem e exigem o respeito às leis e às instituições – relativamente ao esclarecimentos dos sucessivos escândalos - eram e são nominados de golpistas, ansiosos pelo “terceiro turno”.
Com a (in)consciência política dos pobres sendo comprada em troca de moedas e a corrupção financiando a perpetuação no poder, caminhamos a passos largos e rápidos à absoluta mediocrização do debate político e da ação governamental responsável. Aliás, como consequência, não há mais nem oposição ideológica e institucional. O princípio da cooptação venceu.
Diante da legitimação do (mau)exemplo e do respectivo sucesso eleitoral, prevejo que será disseminado em todo território nacional a esmola como política pública. E sem os riscos de imputação de ação ilegal/imoral/cooptativa ou de exercício da demagogia. Para alegria dos governantes. Só não se reelege quem não quer. Bem, e quanto à ética e a moral, como valores públicos, já haviam ido ao brejo antes!
Em síntese, trata-se da desqualificação absoluta da política e da administração pública. Mas há quem goste da socialização da ignorância e da miséria!

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