30 março 2006

A CRISE NAS RECEITAS PÚBLICAS MUNICIPAIS

A atual crise das receitas públicas municipais é consequência de um conjunto de fatores cuja criação e responsabilidade estão no governo federal e no governo estadual
Os fatores são, basicamente, os seguintes:
1 - De natureza ideológica – a aceleração da globalização e a hegemonia do neoliberalismo precipitaram a abertura econômica e comercial, essencialmente não protegida - responsabilidade do Presidente Fernando Henrique Cardoso - como forma de redução dos custos industriais e preços comerciais internos, o que resultou em grave concorrência desigual, cujo melhor exemplo são os produtos chineses, em particular, e asiáticos, em geral. É verdade que este mecanismo - importação - contribuiu para a redução dos preços, mas, negativamente, promoveu desemprego e redução dos negócios internos e, consequentemente, a queda das receitas de impostos, principalmente o ICMS.

2 - Aumento das despesas municipais - com a municipalização de diversas obrigações – saúde, educação – trânsito-habitação-assistência social-, sem a devida contrapartida financeira, houve um agravamento das contas municipais. Trata-se de direitos do cidadão, até então concentrados nas ações governamentais da União e dos Estados.

3 -Outros fatores indiretos da crise
3.1– a estabilidade - embora social e economicamente importante e positivo, o “controle da inflação” promoveu o fim dos ganhos financeiros, recursos adicionais e substanciais no fechamento das contas públicas.
3.2 – crescimento da economia informal – como as ações econômicas informais não fazem anotação fiscal, nem mantém vínculos empregatícios, consequentemente não geram determinados impostos
3.3 – o desemprego - é inibidor de renda e consumo e, portanto, não gerador de tributos
3.4 – shopping centers –a concentração varejista nestas estruturas de múltiplas funções, que combinam alimentação-lazer-compras, provocam o esvaziamento do comércio dos pequenos e médios municípios, limitando-os as relações de baixo valor agregado e destinados aos consumidores de baixa renda.
3.5 - estagnação econômica - nosso País e Estado não tem alcançado índices de crescimento econômico compatíveis com as taxas de crescimento populacional vegetativo, suficiente para manter a renda per capita.
3.6 - desregulamentação da economia - a desregulamentação econômica e trabalhista - cuja ideologia e oportunidade não debateremos aqui e agora - provoca perda de receitas públicas pela desoneração de garantias, redução de direitos, eliminação de taxas e tributos, etc..

4 – Fatores diretos da crise de origem federal
4.1 – Âncora Verde – a não correção dos preços mínimos agrícolas - como medida de sustentação da moeda REAL - reduziu o volume de faturamento, diminuindo a base de cãlculo dos impostos.
4.2 – Lei Kandir – embora positiva do ponto de vista da competitividade, a desoneração dos produtos agrícolas com a retirada do ICMS incidente nas exportações de produtos agrícolas promoveu uma queda no "grande monte" e, consequentemente, a redução do retorno de ICMS aos municípios.
Exemplo:em 1997, Santa Cruz do Sul perdeu 2,4 milhões e em 1998 deverá fechar em torno de 2,8 milhões, de acordo com previsões da FAMURS. O governo não honra sequer as compensações prometidas, que, no caso ainda de Santa Cruz, alcançam 2,8 milhões, de acordo com secretário municipal.
Em 1997 o prejuízo do RS foi R$540 milhões (prejuízo dos municipios R$110 milhões). Em 1998, o prejuízo dos gaúchos será de R$600 milhões.
Outro prejuízo indireto, mas de consequências objetivas, diz respeito a tendência de exportação do produto “in natura”, gerando desemprego nos setores de agregação de valor.
4.3 - Fundo de Estabilização Fiscal - hoje, o prejuízo (RS) previsto é R$183,8 milhões. Se houver correção do rumo através de medida em discussão – emenda constitucional – o prejuízo cai para R$53,4 milhões. O governo federal acumulou R$5 bilhões – retirados da base de cálculo – o que significa 5 meses de repasse federal dos municípios brasileiros - a União repassa R$1 bilhão aos mais de 5.000 municípios brasileiros
4.4 - CPMF – retira renda do cidadão, retira poder de consumo, consequentemente, não gera tributo. Ex.: cidade de Vera Cruz comprou o hospital da cidade para impedir seu fechamento pagando R$500 mil, com muita dificuldade. Apenas em 1997, a contribuição do município, do seu povo, através da CPMF, foi de R$700 mil.

5 - Fatores diretos da crise de origem estadual:
Nosso estado, através do Governo Britto, criou a figura tributária do CRÉDITO PRESUMIDO, mecanismo que permite ao empresário abater o benefício concedido diretamente nos livros fiscais e na guia de recolhimento, provocando, com isto, a redução do volume de arrecadação estadual, o "grande monte" a partir do qual 25% são redistribuídos aos municípios. Importante observar que o governo estadual fez isto sem autorização dos municípios. Foram beneficiados mega-investimentos, diretamente(GM-FORD-mais de 6 bilhões) ou através do FUNDOPEM (mais de 3 bilhões). O crédito direto não restringe-se aos volumes de vendas acordados, mas inclui, também, aquisições de ATIVO IMOBILIZADO, DIFERIMENTO E SUBSTITUIÇÃO TRIBUTÁRIA. Cabe lembrar também que o estoque da DIVIDA ATIVA AUMENTOU, apesar da concessão de uma anistia e parcelamento em até 144 meses, ou doze anos.

6 – Fatores diretos da crise de origem municipal
Não há uma cultura de cobrança e atualização dos tributos municipais - tipo ISSQN e IPTU - por duas razões objetivas:
6.1 - política paroquial - como o contribuinte está próximo, e trata-se de um influente eleitor, há dificuldades em onerá-lo, submetendo-se o governante, regra geral, às pressões locais, reduzindo a carga tributária municipal.
6.2 - os excessos estaduais e federais desmotivam a instituição do tributo local, capaz e suficiente de onerar a produção e dificultar os negócios municipais
A mudança e adaptação necessária na estrutura tributária municipal passa, necessariamente, por uma modernização nas relações e no padrão de representação política no município, de modo que o cidadão compreenda a necessidade, a origem e o destino dos recursos públicos, principalmente aqueles de responsabilidade local.

7 - Conclusão
Em verdade, por conta de nossa permanente e trágica vocação centralizadora, nunca houve uma atenção especial com as receitas municipais.
O conjunto de fatos ora relatados, não necessariamente na ordem apresentada, de recente preocupação das autoridades, revela, infelizmente, nosso grau de subordinação aos governos centrais e, principalmente, o elevado nível de omissão e desinteresse de governadores, prefeitos, deputados federais e estaduais no enfrentamento destas questões.
Recentemente, neste governo recém findo, ora habilitado a continuar, a quebra do pacto federativo revelou-se constrangedora, conjugando extremos imponderáveis tais como recordes sucessivos de arrecadação e sucessivas transferências, aos estados e municípios, nas obrigações de fazer
Conclui-se, por óbvio, que é urgente a construção de um novo pacto federativo - divisão de competências e tributos e a instauração de uma cultura de controle orçamentário.