30 março 2006

MERCOSUL – uma análise política
Astor Wartchow
Advogado
Introdução
O Brasil e a Argentina, principalmente, o Uruguai e o Paraguai, inclusive, observando a evolução dos acontecimentos mundiais, notadamente aqueles relativos a consolidação dos espaços econômicos, e objetivando sua inserção mundial, realizam extraordinários esforços para a concretização do Mercosul.
Otimização de recursos, preservação do meio-ambiente, ampliação de mercados, desenvolvimento científico e tecnológico, modernização das economias nacionais, iniciativas que, baseadas em princípios de gradualidade, flexibilidade e equilíbrio, determinarão melhores condições de vida aos nossos povos.
O Mercosul não se limita a introdução de uma zona de livre comércio, mas, principalmente, uma proposta para um estado de paz institucional e de continuidade democrática.
Do mesmo modo como a União Européia, o Mercosul revela-se uma inovação política que não deve temer os desafios institucionais e de costumes.
Este final de século, já preconizado como “o fim da história”, nos permite escrever o futuro, e a experiência do Mercosul desafia nossa capacidade criadora.
O desafio que se apresenta a todos nós, latino americanos, argentinos e brasileiros, particularmente, é a possibilidade de reforma de velhas estruturas e a construção de novas mentalidades, concebendo uma nova América.

O MODELO POLÍTICO NEOLIBERAL
Todavia, a emergência política de partidos identificados com O MODELO NEOLIBERAL, a partir de Fernando Henrique, Menen, Lacalle e Rodriguez, precipita a hegemonia das teses de diminuição do estado, das privatizações, desregulamentacões, e , principalmente, abertura das economias em relação ao mercado mundial.
Esta orientação política determina a aceleração do processo e a redução de todos os prazos para a integração.
De imediato, ficam evidentes as conseqüências sociais através do sucateamento dos setores não competitivos e o ataque aos direitos sociais dos trabalhadores sob a justificativa de alcançar redução de custos de produção.
São atingidos, também, gravemente, os pequenos produtores rurais e demais setores com menor índice de agregação de tecnologia e, principalmente, descapitalizados.
Objetivamente, o modelo econômico em vigor provoca uma pressão sobre os salários, para baixo, comprometendo, inclusive, o futuro dos sistemas de previdência e seguridade social.
Aqui temos, desde já, dois temas de total interesse e atualidade. Um, imediato, que diz respeito aos salários dos jovens profissionais, e outro, de interesse futuro, que diz respeito à saúde e às perspectivas de aposentadoria.
Quero dizer que o futuro não é tão distante, e esta preocupação é procedente, seja pela solidariedade aos mais velhos, seja pelos próprios interesses.
A questão da redução dos salários é gravíssima, pois representa um desestímulo para quem começa a lutar por oportunidades, pela vida, pela sobrevivência.

CAPITAL-TRABALHO – a relação prejudicada
Estes aspectos confirmam que a celeridade e o aspecto antidemocrático da integração determinam e evidenciam uma vantagem expressiva do capital em relação ao trabalho, uma relação prejudicada.
O poder de barganha e imposição do capital sobre os trabalhadores é incomparável. A redução dos postos de trabalho, dos salários, e a pressão sobre direitos sociais dos trabalhadores, consolidam uma relação desigual.
Outrossím, a celeridade do processo dificulta a avaliação dos custos, prejudica a avaliação do seu alcance e do espectro social atingido.
Como a participação tem se limitada a burocracia estatal e diplomática, e alguns setores do empresariado, isto é, aqueles mais poderosos e articulados, resulta que diversos segmentos da sociedade, que serão atingidos diretamente pelas inovações, pela integração, permanecem excluídos das discussões.
Abre-se novamente um desafio, a possibilidade, quase um compromisso, eu diria, que obriga o exame das relações de força e poder dos diversos segmentos que atuam nas discussões preliminares do Mercosul, grupos classes e setores. Estes atores é que determinarão o modelo, bem como determinarão a localização dos custos sociais do processo.
Não se trata de contrariar o ideal da integração, trata-se de um enfrentamento realista. Devemos ter absoluta consciência sobre os custos sociais e nossa pré-disposição de enfrenta-los, de superá-los pacificamente.
Devemos construir políticas preventivas para as possíveis e prováveis conseqüências sociais negativas tocante aos salários, direitos sociais, geração de empregos, com direitos de intervenção, programas de compensações e reconversões.


MERCOSUL E A UNIÃO EUROPÉIA - um comparativo
É tão importante este estudo, este exame destas políticas preventivas, que, vejam só, enquanto pretendemos organizar o Mercosul em apenas alguns anos, a Europa realiza esforços no últimos 40 anos.
Há uma série de órgãos e entidades que debatem exclusivamente os impactos sociais, os eventuais problemas que advirão da unificação européia.
O melhor exemplo das preocupações européias é contemplado pela CARTA COMUNITÁRIA DOS DIREITOS SOCIAIS FUNDAMENTAIS DOS TRABALHADORES. Sua constituição teve a participação das centrais sindicais e expressa garantias mínimas para todos os trabalhadores europeus.
Este documento declara, por exemplo, que são objetivos:
“1-promover o desenvolvimento e o ajustamento estrutural de regiões menos desenvolvidas;
2-reconverter as regiões gravemente afetadas pelo declínio industrial;
3-lutar contra o desemprego de longa duração;
4-facilitar a inserção profissional dos jovens;
5- e acelerar a adaptação das estruturas agrícolas, e promover o desenvolvimento das zonas rurais.”
Paralela e comparativamente às preocupações européias, entre nós, apenas em dezembro de 1996, foi constituído o documento na reunião de Fortaleza, realizada de 15 a 17 de dezembro de 1996, com o seguinte teor:
“1- considerando que o processo de integração regional ...e que os impactos resultantes do Mercosul, ...,já se estendem ao cotidiano das populações da região, ...,recomendam que os governos... estabeleçam ... informações aos cidadãos, possibilitando-lhes o acesso as decisões, planos e projetos..., e, principalmente, “que a integração tem avançado na área econômica e relegado sua dimensão social...”
Resultou, também, na criação do subgrupo de trabalho 11 do Mercosul que tratará das relações trabalhistas, emprego e seguridade social.
Não se pretende comparar a milionária integração européia, capaz de constituir fundos financeiros para a superação das desigualdades, senão que devemos constituir, principalmente, os meios para apurar e prevenir os custos sociais.
Se a Europa é cautelosa nos aspectos sociais de integração, imagina a nossa necessidade de cautela com tantas diferenças e desigualdades sociais internas e comparativas entre os países.
Nossos governos não planejam, não contemplam as preocupações sociais, nem realizam os esforços preventivos para neutralizar as desigualdades.
É nossa responsabilidade, e nosso desafio, lutar por isto.
Nosso desafio é construir a participação maciça de jovens e adultos, estudantes e trabalhadores, transformando a integração não apenas em balcão de negócios, mas em integração social, política e cultural.

A INTERNACIONALIZÃO PASSIVA - a margem e por cima das organizações e forças populares.
O processo de internacionalização está ocorrendo a margem e por cima das organizações e forças populares. Passivamente.
O único caminho é a mobilização para determinar um papel ativo, autônomo e democratizado neste processo, minimizando seus efeitos danosos e determinando nossas condições de participação.
Neste sentido, feita esta análise contextual, quero ponderar tres aspectos essenciais para uma postura, uma ação e reação, que dizem respeito a, respectivamente:

1-A EDUCAÇÃO E QUALIFICAÇÃO PROFISSIONAL - para uma mudança de comportamento e de cultura

2-A QUESTÃO IDEOLÓGICA EMERGENTE -a responsabilidade diante das contradições do sistema

3-OS NOVOS TERRITÓRIOS DE AÇÃO E REAÇÃO - para uma política de subversão do formal

A Educação e a Qualificação Profissional como pré-requisito para uma mudança de comportamento e de cultura.
Como diz o professor ALDO FERRER, da Universidade de Buenos Aires, “a organização de empresas, as relações entre os trabalhadores, quadros gerenciais e empresariais, os reduzidos quadros operativos e a alta tecnificação das empresas, tem um aspecto em comum: o conhecimento e alta qualificação de recursos humanos.”
Diz ainda o professor, “ a globalização e a abertura, um mundo sem fronteiras, reclamam diversidade, autonomia de decisão para determinar o próprio caminho”.
Isto significa que devemos centrar nossos objetivos na transformação de nossos conhecimentos e de nossas atitudes.
Significa, também, compreender que nossos hábitos, valores, tradições, despreendimento em relação às mudanças, tem uma relação direta e objetiva neste ânimo.
É por isto que os projetos de integração devem conter como objetivos a definição de um sistema educativo, coerente com as necessidades do país, uma estrutura de acordo com os valores a serem promovidos na comunidade, uma estrutura de participação social que facilite a cooperação e a solidariedade entre os cidadãos.
Mas vejam, a propósito de todo o esforço, que ainda assim, infelizmente, lamentamos observar que mesmo a elevação dos níveis de estudo e conhecimento não determinam aproveitamento e emprego, apenas qualificando a disputa.
O melhor exemplo é uma pesquisa realizada pelo CEPAL, em 1991, cuja constatação é a seguinte:
“durante os anos 80, seguiu aumentando o capital educacional da população, embora os avanços não se tenham traduzido em melhores níveis de renda” ( CEPAL (1991)*arg/bras/col/costa rica/uru/vem).
Concluimos, assim, parafrasenado o escritor Lewis Carrol, “que é preciso correr muito para ficar no mesmo lugar, e se voce quer chegar a outro lugar, corra duas vezes mais.”

Tão importante como a educação, sobressai-se, também, a QUESTÃO IDEOLÓGICA EMERGENTE E NOSSA RESPONSABILIDADE DIANTE DAS CONTRADIÇÕES DO SISTEMA.
A integração dos países e seus cidadãos estabelecerá contradições de difícil assimilação pelo eventual desempregado, cidadão brasileiro ou argentino, que defrontar-se com estrangeiros trabalhando em seu país.
A integração pressupõe liberdade de exercício profissional, de opinião e formação, entre outras expressões e manifestações do indivíduo. Trata-se, pois, de um desafio adicional ao processo da integração. Os jovens, particularmente, necessitam desenvolver uma compreensão, uma consciência de indissociabilidade entre a liberdade e a responsabilidade.
O exercício da liberdade individual, o espírito competitivo e a capacidade produtiva, devem ser combinados com os sentimentos de solidariedade, tolerância e altruísmo.
Impõe-se, igualmente, alcançar um equilíbrio entre a consciência sobre os direitos e obrigações, dentro de uma ótica de responsabilidade social.
Esta questão surge de modo demasiadamente grave dentro do contexto tipico e histórico da América que diz respeito a nossa fragilidade institucional, recém engatinhando no processo democrático.
A questão da democracia é pressuposto fundamental para nosso sucesso, nossa estabilidade e nosso futuro.
Não bastassem as condições inerentes ao exercício da própria cidadania, sobressai-se, neste particular, o prenúncio de distúrbios sociais, agravados pela onda de desemprego, que, inevitavelmente, atingirá os jovens, sobretudo aqueles de deficiente formação escolar e profissional, transformando-os em alvos fáceis aos delírios dos demagogos, notoriamente de vocação fascista.
Melhor exemplo do que lhes digo, é a emergência na Europa de diversos movimentos neo-fascistas, com discurso xenófobo, racista, intolerante, cuja matriz é o desespero e a desesperança causada pelo desemprego.
Isto determina a responsabilidade geral pela estabilidade democrática, mas cuja manutenção, realizar-se-á pela articulação, pela construção de mecanismos, de soluções, que facilitem o enfrentamento das contradições, das falhas do sistema de integração. Refiro-me, objetiva e principalmente, ao desemprego, embora estes sentimentos xenófobos possam ser estimulados por outras formas de exclusão inerentes ao processo.

Finalmente, quero insistir que a expressão de nossa formação escolar e profissional, nosso compromisso democrático, podem realizar-se em novos territórios, novas áreas, o que denomino como OS NOVOS TERRITÓRIOS DE AÇÃO E REAÇÃO PARA UMA POLÍTICA DE SUBVERSÃO DO FORMAL.
A revolução da ciência, principalmente nos campos da informática, da microeletrônica e da biotecnologia, determina uma nova fase de mudanças e modificações nos padrões de acumulação do capital.
Surgirão novas demandas, novos interlocutores, novos agentes econômicos e sociais, provocando mudanças de comportamento e cultura.
Repetindo, a diminuição do estado, a globalização da economia e do saber, possibilita o surgimento de novas formas de organização social e de trabalho, transferência de tecnologia e conhecimento, proporcionando relações diretas entre cidadãos, independente e a margem das grandes corporações capitalistas.
Assim, novas formas de associação, independentes das relações formais do estado, constituir-se-ão numa espécie de subversão a nova ordem.
Trata-se, então, agora, da constituição de novas esferas de atuação, a margem da mediação e representação do estado e das grandes corporações.. Opera-se a constituição de novos territórios de ação dos, vamos assim denominar, “excluídos”.



“É a desestatização da sociedade, a desprivatizacao do público, a nossa não globalização, nossa reação a transformação em objetos descartáveis”, como diz Tarso Genro, ex-prefeito de Porto Alegre, ao promover a integração de Porto Alegre e Buenos Aires, através de atividades culturais.

ENCERRAMENTO
Creio que estes sejam os grandes e decisivos desafios: combinar educação, cultura e formação profissional, em todas as circunstâncias supervenientes, com a crença na democracia.
Trata-se de desafio árduo, difícil, mas, sem dúvida, uma tarefa desta geração, de nossa época, de nosso tempo, assim, como nossos avós, em seu tempo, enfrentaram outros desafios, outras circunstâncias.
Ao encerrar quero lembrar, como fonte de ânimo, de resistência e de esperança, as palavras do poeta espanhol, Antonio Machado, que diz:
“Caminante, no hay camiño, se hace camiño al andar.”