30 março 2006

A violência e nós

“As desigualdades e as exclusões, o autoritarismo que regula todas as relações sociais, a corrupção, o racismo, o sexismo, as diversas formas de intolerâncias, não são consideradas formas de violência.”

A maioria das pessoas não é afeita a comentários ou raciocínios de natureza filosófica, isto é, àquelas elocubrações que pretendem a compreensão e/ou constituição racional das coisas que nos cercam. Por exemplo, relativamente ao império da violência, que nos parece crescente e sem limites possíveis, gritam todos. Entretanto, a violência real e suas razões permanecem ocultas.
A professora e filósofa Marilena Chauí, em antigo estudo sobre a violência, já observava que vários “dispositivos” contribuem para ocultar a violência real. Entre eles, destacam-se: (1) um dispositivo jurídico, que localiza a violência apenas no crime contra a propriedade e contra a vida; (2) um dispositivo sociológico, que considera a violência um momento no qual grupos sociais "atrasados" entram em contato com grupos sociais "modernos". E os "desadaptados" tornam-se violentos; (3) um dispositivo de exclusão: uma distinção entre um "nós brasileiros não-violentos" e um "eles violentos", "eles" sendo todos aqueles que, "atrasados" e deserdados, empregam a força contra a propriedade e a vida de "nós brasileiros não-violentos"; e um (4) dispositivo de distinção entre o essencial e o acidental: a sociedade brasileira não seria violenta. A violência seria apenas um acidente na superfície social sem tocar em seu fundo essencialmente não-violento. Por isto os meios de comunicação se referem à violência com as palavras "surto", "onda", "epidemia", "crise", isto é, palavras que indicam algo passageiro e acidental.
Conseqüentemente, ainda no pensar/interpretar de Chauí, as desigualdades e as exclusões, o autoritarismo que regula todas as relações sociais, a corrupção, o racismo, o sexismo, as diversas formas de intolerâncias, não são consideradas formas de violência. Isto é, a sociedade brasileira não é percebida como estruturalmente violenta e por isso a violência aparece como um fato esporádico superável.

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