30 março 2006

A Nova Política do Corpo

“Difícil saber o que é emancipação do sujeito, o que é libertação da opressão das ordens sociais, ou o que é - que pode ser – “uma nova escravidão”, a angústia e solidão das almas que desejam o (re)conhecimento e expõem sua face/corpo aparente para o leilão/amor dos pretendentes.”

A Escola Cirenaica, fundada por Aristipo de Cirene(435-366 A.C.), cujas teses foram firmadas e divulgadas por seu neto, “Aristipo, o jovem”, sustentava, basicamente, que a felicidade/prazer consistia/derivava na/da tranqüilidade que se obtinha por meio do auto-domínio. Este prazer deveria surgir de uma prática de sensibilidade e subjetividade; entendiam, também, que a virtude estava em saber usar as circunstâncias de alcançar o prazer, sem se deixar dominar pelo desejo de obtê-lo.
A busca do prazer(imediato) redundou no que denominamos, vulgarmente, de hedonismo. Mas, originariamente, o hedonismo não fundamentava-se no desejo de levar uma vida “prazerosa” sem uma indagação nos fundamentos de seu valor (do prazer). Todavia, passado o tempo, os sucessores de Aristipo transformaram esta filosofia em justificação para vidas e atitudes indolentes e limitadas à busca do próprio prazer.
Vivessem hoje, os sucessores de Aristipo de Cirene lograriam imenso prazer na confirmação de suas teses. O discurso e a prática do prazer traduzem-se de inúmeras formas, mas a mais impressionante, na atualidade, cerca o espectro físico da pessoa. A ditadura da estética. Se também os homens aderiram massivamente a esta “corrida do ouro”, as mulheres ainda ocupam a “pole position”.
Já não é apenas a bunda, ex-líder de preferência nacional, em permanente estado de exposição urbana, televisiva, digital, celulóide, para além da dança da garrafa, senão que são os seios os novos líderes, siliconados, turbinados, cirurgizados em módicas e suaves prestações mensais, assegurado o desconto em folha. Mas tem também coxa, sobrecoxa e outros cortes nobres; afinal, ninguém mais acredita que toda nudez será castigada.
Ironias à parte, vivemos desesperadamente a procura do prazer. Estética e prazer andam juntos. São irmãos siameses. Está associada também à exagerada exibição do indivíduo, quase uma “venda do corpo”, contaminando o real sentido da individualidade e da liberdade pessoal.
As ruas, as passarelas, os auditórios, os colégios, as universidades, todos os locais estão “possuídos” por esta “nova ordem”, estonteante, que tem como porta-estandarte a própria exibição/vulgarização do corpo.
Difícil saber o que é emancipação do sujeito, o que é libertação da opressão das ordens sociais, ou o que é - que pode ser – “uma nova escravidão”, a angústia e solidão das almas que desejam o (re)conhecimento e expõem sua face/corpo aparente para o leilão/amor dos pretendentes.

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