30 março 2006


FUMO “LOUCO”
Astor Wartchow
Advogado

No dia 15 de janeiro de 1998, quinta-feira, ocorreu na Câmara de Vereadores de Santa Cruz do Sul uma reunião especial, promovida pela Câmara conjuntamente com a Comissão de Agricultura da Assembléia Legislativa do Estado, para debater a questão do “fumo louco”, fato de repercussão mundial e, particularmente, de interesse especial de nossa região.
Na condição de assessor jurídico e presidente do PSB de Santa Cruz do Sul, representei naquela reunião o deputado estadual Beto Albuquerque, autor da lei n° 9.453, de 10 de dezembro de 1.991, que dispõe sobre pesquisas, testes, experiências ou atividades nas áreas da Biotecnologia e da Engenharia Genética, determinando, objetivamente, que as empresas, nacionais ou estrangeiras, deverão notificar o Poder Executivo Estadual ao desenvolverem aquelas atividades no Estado do Rio Grande do Sul, sob pena de terem suas atividades comerciais suspensas.
Feita esta introdução, antecipando aspectos legais, importante acrescentar, também, que há lei federal ( n° 8.974/95) sobre a matéria, porém, mais recente, isto é, datada de 5 de janeiro de 1.995, e seu objetivo é a normatização de técnicas de engenharia genética e a liberação no meio ambiente de organismos geneticamente modificados.
A lei estadual e a lei federal obedecem normas previstas nas constituições estadual(art. 251, § 1°, inciso VI) e federal(art. 225, § 1°, incisos II e V), que objetivam, respectivamente, “preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético contido em seu território, inclusive mantendo e ampliando bancos de germoplasma, e fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e à manipulação de material genético;” e “controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente”.
Naquela reunião, os representantes do Sindifumo, da Afubra, principalmente, revelaram graves preocupações com prováveis prejuízos econômicos decorrentes da manipulação destas notícias, apontando, inclusive, para a necessidade de apuração de responsabilidades. Esta preocupação é natural e coerente. Todavia, não revelaram, naquela ocasião, claramente, quem seriam os suspeitos e prováveis responsáveis pela manipulação dos fatos, nem referenciaram às fartas notícias daquele dia que davam conta de declarações da direção da Souza Cruz, em todos os jornais brasileiros, de expressão, admitindo a utilização e o cultivo daquelas sementes. Senão vejamos:
Gazeta do Sul, 15 de janeiro: “Fumo louco está erradicado do Brasil, garante empresa”, “A Souza Cruz admitiu..que produziu a variedade de fumo Y-1”
Zero Hora, 15 de janeiro: “Os executivos confirmaram que a indústria produziu durante quatro anos a variedade em escala comercial para exportação, mas evitaram responder..como o Y-1 havia sido introduzido no país.”
Correio Braziliense, 15 de janeiro: “Empresa admite plantio do superfumo”, “nem um quilo do fumo nicotinado ficou no país”
Resta claro, em meu entendimento, que as responsabilidades pelos prejuízos presentes e futuros, tanto de produtores e das empresas de nossa região, consequentemente dos interesses gerais de nossa comunidade regional, situam-se no âmbito do setor fumageiro, não alcançando a imprensa, os políticos, os pesquisadores universitários. É importante lembrar, com perplexidade, que a Afubra e a FETAG desconheciam a existência e o cultivo do Y-1, segundo suas próprias palavras na mencionada reunião.
O desrespeito às leis brasileiras, estaduais e federais, principalmente, e o caráter obscuro das inovações e manipulações nas relações de produção de novas variedades, surpreendemente confessos na entrevista dos representantes da Souza Cruz, simplificam a questão, sem prejuízo da gravidade dos fatos. Naturalmente, espera-se duras medidas investigativas e punitivas pelas autoridades estaduais e federais constituídas, legal e tecnicamente.
Esta discussão não pode ser dissociada do debate universal que constituiu-se em torno do consumo de tabaco. Desnecessário repetir os índices e os gastos de saúde decorrentes. Nos Estados Unidos, as empresas fumageiras dispenderam e dispenderão bilhões de dólares, resultantes de processos judiciais impetrados por fumantes viciados, com destaque às indenizações aos sistema de saúde dos estados da Flórida e do Mississippi, compensando-os pelos gastos com a saúde de fumantes. Assunto não falta.
Finalizando, não é possível limitar este debate às repercussões econômicas, embora tão importante para nossa região, muito menos pretender-se responsabilizar pessoas comprometidas com a saúde pública e com interesses maiores e mais nobres do povo.