30 março 2006

O Estado e a economia de mercado

"(...) a esquerda, intervencionista, está, a rigor, tratando da salvação da economia de mercado."

Desde a agressiva propagação das teses do Consenso de Wasghinton, concentradas em torno da redução do tamanho do aparelho de Estado, principalmente através das privatizações e concessões de serviços públicos, ressurge pleno o debate em torno da capacidade regulatória e distributiva da famosa “mão invisível do mercado”.
A utopia socialista foi substituída pela agora “utopia liberal”, qual seja, repito, que a solução de todas as contradições sobre desenvolvimento e distribuição de renda se operarão através do mercado. Neste sentido, seus defensores pregam liberdade econômica e financeira plena, redução de impostos, quedas de taxas alfandegárias, enfim, a redução da intervenção estatal. Mas pregam, fundamentalmente, a globalização!
Esta utopia começa a revelar seus aspectos perversos. Hiper-concentração dos negócios em mãos de poucas empresas, extinção em massa de empregos, concentração de renda (ricos cada vez mais ricos, pobres cada vez mais pobres), negócios em mãos de estrangeiros, etc...
Interrupção para explicações aos crentes liberais: “em cada tres brasileiros, um é pobre, isto é, não tem dinheiro para comer, muito menos para saúde, habitação e transporte. A renda média do brasileiro é de R$570,00 por mes. Oito entre dez brasileiros ganham menos do que isso. (dados do IPEA-Pobreza no Brasil-Ministério do Planejamento). Segundo o economista João Sayad, “pobres são aqueles que foram ficando para trás a cada etapa de aumento da produtividade rural, aumento da produtividade industrial, abertura de importações, destruição dos postos de trabalho, automação.”
O Estado, tal como o conhecemos, foi uma criação burguesa, isto é, uma idéia dos liberais de então, contrariados com a concentração de poder e dinheiro dos reis e nobres. Sua presença e importância cresce como fator de compensação das diferenças sociais, ora garantindo segurança física e patrimonial, ora garantindo e avalisando os negócios. Os impostos surgem, natural e obviamente, como uma necessidade de manutenção do aparelho de Estado.
Porque estou recontando isto? Porque, ironicamente, percebo que a atual defesa de intervenção estatal, nos dias de hoje, longe de ser uma tese de esquerda, ou socialista, significa, muito mais, uma defesa da própria economia de mercado. O que são os subsídios reclamados por vários setores da economia que relatam dificuldades de competição? Não é dinheiro público - de todos os brasileiros? Mas que economia de mercado é esta que elimina, indiscriminadamente, seus concorrentes e concentra cada vez mais os negócios? E quem são os defensores da ilimitada economia de mercado?
Convém recordarmos que a idéia de nação sempre foi um conceito, uma referência do pensamento conservador. Na visão marxista tradicional, nação é um conceito ilusório que oculta a divisão da sociedade em classes. Enquanto a direita falava em nação, a esquerda falava em classe social. Hoje, registra-se uma inversão: a elite neoliberal dominante fala em globalização e integração ao mercado mundial – sem o que não haveria salvação, enquanto que os partidos e movimentos sociais de oposição discutem a questão nacional.
Enfim, concluindo, a esquerda, intervencionista, está, a rigor, tratando da salvação da economia de mercado.